O dia ontem foi uma verdadeira utopia, me senti como Marília de Dirceu nas poesias árcades, Marília bela, Marília a estrela, Marília, a bela. Tudo é utópico, pastoril, leve e calmo. Ontem tive meu dia como Marília. Me senti no paraíso, deitada no colo de Pedro, o meu Pedro, ouvindo ele ler só para mim o meu livro preferido nesse mundo, o nosso livro preferido.
Hoje Pedro e Enrico foram para o escritório com meu pai. Eu resolvi acordar mais cedo para caminhar um pouco, coloquei uma roupa leve e fui caminhar na orla da praia, observei os outros da minha idade e me perguntei se eles passam por tantas coisas como eu, se tudo para eles é incerto também, se tudo é tão confuso o tempo todo para eles como é para mim. A adolescência é feita de hipérboles, tudo tem o dobro do tamanhanho que parece ter, tudo é maior, mais sentimental, e o monstro de sete cabeças parece ter quatorze.
Laura me ligou e fomos tomar um café juntas, na mesma rua em que Pedro me levou, mas em uma cafeteria bem legal. Passamos muito tempo conversando sobre homens e a adolescência.
Conto do Enrico.
"Nossa, foi sério mesmo." Ela ergue a sobrancelha.
"Foi, está um clima bem chato em casa."
"Eu posso imaginar."
"O que não me deixa sossegar é que não vi ele na festa, nem mesmo vi ele bebendo, e ele estava tão mal, Laura."
"Mas você acha o que?" Ela franze o cenho.
"Não sei, não entendo muito sobre bebidas, mas parecia que ele não tinha ingerido só bebida."
"Sei. Mas eu também não vi ele em casa aquele dia, nem o pessoal viu ele, porque ninguém me disse nada, mas não sei viu, Sarah. Desde o começo desse ano ele começou a andar junto de um pessoal meio barra pesada."
"Entendi."
"Vou pegar uma corzinha com as meninas hoje na praia, vem junto, você está branquela demais para quem veio passar as férias no Rio."
"Não sei, Laura. A Rafaela não curte muito minha presença, você sabe disso."
"Sarah, você é minha amiga agora também, e não vou deixar você ficar sozinha dentro de casa enquanto está o maior solzão aqui fora." Laura é realmente uma versão mais despojada de Mari e Liz, se elas estivessem aqui estariam as três contra mim.
"Passo na sua casa para te pegar daqui daqui uma hora. Beijinhos."
"Beijinhos." Digo em tom sarcástico.
"Esse seu ânimo me contagia, Sarah."
"Sarcasmo não é algo que combine conosco."
"Não mesmo." Rimos.
Termino meu suco de laranja e volto para casa, vou caminhar mais vezes, me ajudou a distrair dos milhares de pensamentos em minha cabeça.
Chego em casa e ouço meu telefone tocar, deve ser minha mãe. E acerto no palpite. Ela me ligou ontem de manhã e não tive cabeça para atender, ainda não tenho, mas não posso fugir dela para sempre.
"Oi mãe, e aí?"
"Você podia pelo menos me mandar uma mensagem avisando que está viva, sabia? Eu sou sua mãe, Sarah." Ela diz e sei que está brava, ela odeia não saber das coisas e odeia mais ainda não estar no controle de tudo, e ela não tem controle sobre mim a quilômetros de distância. Mas foi ela que insistiu para que eu viesse, e agora não sei se agradeço ou não por isso. Mas com certeza minha vida mudou drasticamente.
"Desculpa, meu celular estava carregando. Está tudo bem?"
"Estava carregando ontem também?"
"Não começa, mãe. Está tudo bem??"
"Está sim, só quero saber como minha filha está, como estão sendo as férias, se tem feito amizades..."
"Aah, eu..." Se ela soubesse de tudo que tem acontecido nas últimas semanas teria um infarto agora mesmo.
"Eu...Fiz uma amiga, a Laura, ela mora aqui no bairro e me apresentou um pessoal também." Digo tentando contar algo que não envolva Pedro. "Estou indo bem, mãe. Relaxa."
"Humm...Que Bom, então. Nada de ficar o dia todo no quarto em, é férias." Ela diz e eu dou um riso porque não sei mais o que falar, odeio esconder as coisas da minha mãe, mas realmente não posso contar esse tipo de coisa para ela à metros de distância, sinto que a coisa entre mim e Pedro está ficando cada vez mais séria e me sinto encurralada.
"E a ansiedade, filha? Como está indo?" Ela pergunta preocupada.
"Mais ou menos, acordei meio ansiosa hoje."
"Caso piore você precisa me avisar, Ok? Vou ligar para sua psicóloga e perguntar algo que te ajude, tudo bem? Se divirta filha, fazer amigos não vai te matar."
"Eu sei, mãe."
"Mas ainda vou querer saber detalhes sobre esse tal Pedro."
"Ok, mãe, beijos." Eu digo e desligo. Não estou pronta para esse assunto, não com ela. Mas acho uma boa ela ligar para minha psicóloga, minha ansiedade piorou desde que cheguei, talvez sejam as circunstâncias diferentes ou tudo que tem acontecido. Comecei a frequentar a psicóloga desde muito nova, e ela tem me ajudado muito desde então, acho uma linda profissão e na minha opinião todo mundo deveria ir no psicólogo uma vez na vida, é ótimo. Tenho certeza que noventa por cento dos adolescentes não teriam tanta necessidade de chamar atenção se fizessem terapia.
Desligo o telefone e sento em minha cama, começo a reviver em minha mente essas últimas semanas e um frio vem em minha barriga. Ouço uma conversa e me concentro para escutar, vem do quarto de Enrico, nossas paredes são finas e ouço grande parte de suas conversas. Na maioria das vezes são bobas assim como quem fala. Garotos sendo garotos.
Abro minha porta e me aproximo mais da porta de seu quarto, preciso saber o que está acontecendo.
"Cara, olha...Você precisa sair dessa, eu sou seu irmão e estou te dizendo, sai dessa enquanto você consegue." É Pedro quem está falando, eu sabia que ele tinha conhecimento de algo quando trocou olhares com Esther ontem.
"É bom na hora, no momento é um paraíso, mas cara, você tem só 18 anos, ano que vem vai para faculdade, olha o que você está fazendo sua mãe e o Miguel passarem, eles não merecem isso." "Não acha que está na hora de parar?"
Não escuto a voz de Enrico, só a de Pedro, não sei se ele não está falando, ou se está e eu não ouvi, mas ouço passos e corro até a minha porta, espio pela fresta. Eles saem do quarto e descem a escada.
Sento em minha cama e tento entender o que acabei de ouvir, no fundo eu sei do que eles falam, não sou idiota. Eu sabia que era mais do que um exagero na bebida, Enrico está usando drogas.
Estou nervosa, mil coisas passam pela minha mente nesse momento, não sei o que pensar. Ligo pra Mariana.
"Mari" é só o que digo, e ela sabe que estou preocupada. Ela me conhece como ninguém, não nos falamos todos os dias, mas acho que é assim que se sabe se uma amizade é verdadeira, quando se pode ficar dias ou meses sem contato e quando conversam é como se nunca tivessem se separado.
"Já começa contando, vai."
E eu conto tudo em todos os detalhes, até de mim e Pedro, porque ela é minha melhor amiga, não posso simplesmente esconder isso dela, se vou falar sobre isso ela precisa saber tudo de todos os detalhes. Por um lado me sinto preocupada pelas atitudes que estou tomando, porque nunca fiz nada parecido, mas por outro, a adrenalina, o prazer e todas as outras coisas que sinto me fazem gostar de tudo isso. Estou aqui a pouco tempo mas já vivi mais do que os últimos anos de minha vida que passei com a cara enfiada nos livros.
Já estamos no telefone a muito tempo e conto tudo isso pra ela, tudo o que passei e todos os meus sentimentos, medos, inseguranças.
E ela só diz "UAL" Sei que é muito para ela assimilar porque sempre falamos de meninos, e de como namoraríamos algum bonito na faculdade, mas nunca nada concreto. Eu sempre fui na minha e nos meus livros estudando demais. Ela também, temos planos de passar na faculdade e não deixamos nada nos atrapalhar, falamos mal dos adolescentes como se não fossemos duas adolescentes e seguimos assim, Liz forma nosso trio e é como nós, ela só é um pouco mais tranquila nos estudos e mais focada nos meninos, mas mesmo assim não foge muito de nós. Amamos assistir filmes clichês e falar dos atores bonitos, é assim que somos, mas agora não tenho mais tanta certeza de quem sou.
Sou muito grata pelas amigas que tenho, não são muitas, considerando que não sou a melhor em fazer amizades, mas são as melhores que eu poderia arranjar, às vezes precisamos de um empurrãozinho para seguir em frente, e quem estará lá por nós serão aqueles que ficam não só nas boas horas, mas nas ruins também. No meu caso, preciso de um reboque me puxando, mas de qualquer forma, minhas amigas estarão lá para mim, assim como eu estaria por elas.
Passamos um bom tempo conversando enquanto espero Laura vir me buscar, agradeço por ela se atrasar, assim posso conversar mais com Mari, e é libertador o poder que uma amizade tem. Tenha bons amigos e nunca precisará passar por nada sozinha, eu estou a quilômetros de distância e me sinto próxima de Mariana, ela aquece meu coração e me dá os melhores conselhos do universo, passamos por tanta coisa nessa vida e precisamos de maturidade tão cedo, que sabemos dar ótimos conselhos uma a outra. E o mais importante: nunca fazemos julgamentos. Não sabemos o que passa em nossos corações e mentes sempre, às vezes fazemos coisas por impulso ou algo do tipo, aliás, é do que nós adolescentes vivemos, de impulso.
Ela me diz que está tudo bem, não preciso me sentir culpada por cada coisa que eu faço fora do nosso padrão, está tudo bem se eu me transformar em uma nova Sarah com tanto que eu goste de quem esteja me tornando. As pessoas mudam e as vezes é para melhor, coisas ruins acontecem para que boas possam vir, eu posso me permitir errar e experimentar uma vez na vida, é para isso que serve a adolescência.
Terminamos nossa conversa porque Laura chega, mas amo nossos papos cabeça, são necessários e libertadores. Entender que nem sempre precisamos acertar é necessário, está tudo bem errar e ter arrependimentos, é assim que nos tornamos pessoas melhores e evoluímos. Todo mundo algum dia na vida já fez coisas das quais se arrepende amargamente, que atire a primeira pedra quem não, e está tudo mais que bem, é só assim que aprendemos coisas novas, errando. Não precisamos nos preocupar com julgamentos, minha avó sempre disse que as pessoas que julgam demais são infelizes por viverem a vida julgando ao invés de fazer, de tentar, de ter a chance de errar, quem não tenta não erra, mas também não acerta, precisamos nos permitir correr riscos.
E parece que trinta quilos foram tirados das minhas costas, todo aquele peso e insegurança foram retirados e substituídos por segurança e esperança. Está tudo bem, eu me permito arriscar, se der certo, que ótimo, se não der, vem sabedoria.
O carro buzina lá fora e desço com um vestido e meu biquíni por baixo. Rafaela está no volante, Yasmin com ela na frente e Laura comigo atrás. Acho que Laura teve que convencer Rafaela a me colocar dentro de seu carro, o que me faz sentir desconfortável, mas encaro essa por ter um momento de distração com alguém, preciso me distrair um pouco.
Até que não foi um momento desagradável, nos instalamos na praia, Laura me ensinou as melhores posições para pegar um bronzeado e Yasmin me ajudou com o protetor. Rafaela não manteve muito contato, mas também não distribuiu ódio.
"Vou pegar um suco natural, alguém quer?" Yasmin pergunta.
"Eu quero um de melancia."
"Eu de maracujá."
Rafaela e Laura respondem em uníssono.
"Você quer algum, Sarah?" Yasmin pergunta em tom amigável.
"Laranja, por favor."
Passamos um dia agradável na medida do possível, não me senti totalmente confortável por conta da minha relação com Rafaela, mas não foi tão ruim assim, eu até que me diverti, arrisco dizer que até ri por uns momentos. Mulheres convivem bem quando não há homens para nos dispersar.
Eu precisava disso, de momentos de distração, me fez muito bem.
Elas me deixam em casa no fim do dia e mando uma mensagem para Laura.
"Obrigada pela companhia, eu me diverti muito."
"É sempre bom ter você por perto, Sarah. Beijinhos."
"Beijinhos."
Desligo o celular e vou tomar um banho, não vi ninguém aqui em casa quando cheguei, então já vim direto para meu quarto, acho que me sinto oficialmente em casa.
Passo o resto do tempo ouvindo The weeknd, ouço música a todo momento, quando estou triste ouço músicas mais tristes ainda, quando estou feliz ou não tenho nada para fazer e em todos os momentos a minha melhor companhia é a música, não vivo sem ela e meus fones. Ainda tenho que pensar no que falar para eles sobre a minha mão, agora que eles viram o que minha ansiedade faz comigo, precisam de uma explicação que não sei se estou pronta para dar, e sei que Pedro não vai esquecer tão fácil.
Estou me sentindo exausta e morrendo de frio, o que é bem estranho levando em consideração o calor que faz hoje, não quero sair do meu quarto hoje e decido que não vou. Me cubro com as cobertas e fico quietinha na cama com meus pensamentos, queria que todos os problemas se resolvessem sozinhos sem demandar esforço meu. Todo mundo diz que a adolescência é a melhor fase de nossas vidas e se essa é a melhor, acho que não estou preparada para a pior.
Acabo cochilando e acordo com Esther me chacoalhando, abro os olhos e demoro a entender o que está acontecendo.
"Querida, está tudo bem?" Ela pergunta séria.
"Acho que sim, eu..." E me dou conta da minha situação, estou com a roupa molhada de suor e com duas cobertas, e deve fazer uns 40 graus hoje.
"Eu estava te chamando mas não tive resposta então entrei, e você estava de baixo de duas cobertas nesse calor...E você está toda suada, Sarah eu acho que você está com febre." Ela me olha séria e preocupada. Ai Meu Deus acho que estou mesmo, sei quando estou com febre, fico oscilando entre morrer de frio e morrer de calor e não desgrudo da minha cama. Merda. Mil vezes merda.
"Vem aqui, querida." Ela me ajuda a levantar e eu deito a cabeça em seu ombro. Estou péssima, pior que péssima. Me sinto uma geleia.
"Vem, vou te levar para um banho bem gostoso e depois você vai comer, tudo bem? Não quero que sua mãe pense que não estamos cuidando direito de você." Eu sinto como se Esther fosse a única preocupada comigo de verdade, minha mãe só pensa em como quer que meu futuro seja perfeito e diferente do dela, e meu pai, bem, meu pai me abandonou e isso basta para mim. É um tanto irônico, porque não pensei que gostaria tanto de Esther, mas ando me surpreendendo em muitas coisas.
Ela me leva no banheiro que fica no quarto dela e do meu pai, nunca entrei lá, nunca foi do meu interesse entrar no quarto do meu pai e também nunca tive o que fazer lá. Ela liga a banheira e me ajuda a tirar meu pijama e a soltar meu cabelo, sem fazer cara feia nem nada, apenas carinho, está cuidando de mim como se eu fosse sua filha. Entro na banheira, não está tão quente como eu gostaria, porque preciso diminuir minha temperatura, mas um banho de banheira já resolve grande parte dos meus problemas.
"Fique o tempo que precisar, tudo bem? Pode usar meu roupão mesmo." Ela aponta para um roupão rosa choque atrás da porta, não tem nada mais a sua cara. Eu assinto e ela se vira para sair, mas meu coração me toca.
"Esther?" Eu a chamo.
"Sim, querida?"
"Obrigada." Eu digo sorrindo, não é o suficiente para tudo o que ela fez por mim, eu sei disso, mas é o melhor que consigo dizer. E ela sabe disso, vejo o brilho em seus olhos ao sair do banheiro.
Ouço vozes que vêm do quarto, se eu tivesse uma suíte como essa, as pessoas não me veriam nunca mais, eu passaria a maior parte do meu tempo nela.
"O que aconteceu? Cadê ela? Ela está bem?" É Pedro, reconheço sua voz à metros de distância, ele me cativa como nenhuma outro é capaz. Ele está preocupado, fico feliz, o que significa que ele se importa comigo. Eu gosto muito de Pedro e não posso negar, me tornei o que eu mais temia, o tipo de pessoa que se apaixona sem saber se é realmente recíproco.
Fico um bom tempo pensando na banheira, já melhorei cinquenta por cento depois desse banho, não há nada mais curativo do que um bom banho. Saio do banheiro com esse roupão rosa escrito Esther, realmente não tem nada mais sua cara. Olho em direção à cama e ele está lá, sentado, encolhido e abraçando as pernas, seus olhos são vagos, e ele percebe minha presença.
"Graças a Deus, achei que fosse afogar naquela banheira." Ele diz preocupado, mas o tom do ironia nunca some.
"Está tudo bem, só fiquei com um pouco de febre." Digo tentando o acalmar, sento do seu lado na cama e toco suas mãos. "Estou bem agora." Eu olho em seus olhos.
"Porque você ficou em seu quarto sozinha? Podia ter me chamado, eu estava a metros de distância e não fazia ideia que você estava queimando de febre, se soubesse não teria deixado você sozinha nunca." Ele me repreende, sinto sua preocupação carinhosa.
"Desculpa, eu precisava ficar sozinha e precisamos agir naturalmente também."
"Sarah, que se foda o naturalmente, você não estava bem e ficou sozinha, prometa que vai me chamar se ficar mal outra vez, ok? Seja um pesadelo ou dor, qualquer coisa, ok?"
"Ok, eu... Eu não quis te preocupar, desculpa." Eu digo tocando seu rosto. Estou sorrindo por dentro por saber que ele se preocupa comigo, com certeza o sentimento é recíproco.
"Tudo bem, agora pelo menos tenho certeza que não morro mais de nervoso, tentei de todas as formas entrar naquele banheiro mas Esther não deixou, nem pensei no que ela poderia ter pensando, mas saber que você não está bem e não poder fazer nada me corrói, meu bem." Ele diz colocando meu cabelo atrás de minha orelha, de um jeito muito carinhoso.
"Vem, vamos comer alguma coisa e depois você vai secar esse cabelo, nada de cabelo molhado, ouviu?" Ele diz e eu rio, nem meu pai está tão preocupado assim comigo.
"Não ouse dizer que estou me preocupando demais, Sarah. Você faz parte da minha vida agora, vou proteger você, goste ou não." Ele diz como se lesse minha mente e eu me sinto um pouco ofendida, posso me proteger sozinha, não posso?
"Contanto que você entenda que posso me proteger sozinha, está tudo certo." Digo piscando. Sei que ele só está tentando ser carinhoso.
Ele beija minha testa, pega minha mão e me leva.
Coloco uma roupa e descemos a escada, sinto o cheiro de comida, não estou com muito apetite, mas faço um esforço, Pedro vai ter um treco se eu não comer.
Enrico está sentando no balcão, meu pai mexendo em seu celular ao seu lado e Esther colocando a comida na mesa, já passa um pouco da hora do jantar.
"Filha, está tudo bem?" Meu pai pergunta quando percebe minha presença.
"Está sim, acho que tomei muito sol na praia hoje ou algo do tipo e fiquei com febre, não precisa ligar para minha mãe." Eu digo porque sei que desde sempre ele não foi capaz de cuidar de mim sem pedir ajuda da minha mãe, pelo menos no pouco tempo que ficou comigo. De resto, minha mãe se virou sozinha.
"Já liguei filha, ela deve ligar para você daqui a pouco, mas eu disse que já está tudo sob controle." Eu rio.
"É claro que você ligou, não seria a primeira vez que precisa da ajuda da minha mãe para cuidar de mim. Pelo menos no pouco tempo que esteve presente, porque de resto ela fez tudo sozinha." Eu digo na lata.
"Você não precisa falar dessa forma comigo, estou tentando ser legal." Ele tem a coragem de dizer.
Prometi para mim mesma que iria me esforçar para deixar isso para trás, já passou mesmo. Mas não sei se consigo, não posso fingir que está tudo bem quando não está.
Todo mundo me olha, Enrico olha pela primeira vez em meus olhos desde que passou mal. Pedro está imóvel atrás do balcão e meu pai, como ele sempre esteve, ausente de alma.
"Eu não sei o que dizer a não ser pedir desculpas, filha. Você sabe que me arrependo por não ter estado presente em sua vida."
Lágrimas preenchem meu rosto, é incrível como não consigo começar uma discussão sem chorar. Odeio ser chorona.
"Vamos comer gente? O cheiro está uma delícia." Esther diz tentando amenizar a situação, está nervosa pelo tom de sua voz.
"Vem, querida. Senta aqui do meu lado." E eu sento porque se continuarmos nesse assunto vou acabar chorando mais do que já estou, esse assunto me dói e muito.
Jantamos todos em silêncio, mas Esther tem uma tentativa falha de puxar um assunto. Por mim está tudo bem, não estou à fim de muito papo mesmo. Estou sentada entre Esther e Pedro, a mesa é grande, então sobram lugares, ele está a todo tempo com a mão em minha coxa.
Tomo um suco natural que Esther fez para mim.
"Esta tudo bem?" Pedro se aproxima de mim e pergunta. Eu só faço que sim com a cabeça e sorrio para ele. Ele não tira as mãos da minha coxa e eu gosto disso.
Terminamos o jantar e Esther recolhe os pratos, meu pai se aproxima de mim.
"Filha, pode parecer que não, mas você é a minha vida, entende?" Fico um pouco desajeitada porque não me lembro qual foi a última vez que ele me disse algo que demonstrasse tanto carinho, não estou acostumada com isso, eu só assinto com uma tentativa de sorriso.
"Sei disso."
Enrico vai para o quarto novamente sem dizer uma palavra e meu pai vai para sala assistir TV. Ficamos só eu, Esther e Pedro.
Pedro não saiu do meu lado o tempo todo, Esther se aproxima colocando a mão em meu ombro e sentando ao meu lado.
"Querida, se você estiver muito cansada pode descansar, mas qualquer coisa que precisar de mim estarei aqui, tudo bem?" Esther diz muito gentil, eu acabei de jogar muitas verdades na cara de seu marido e ela está do meu lado.
"Me desculpe, Esther, não quis estragar as coisas." Eu digo me sentindo culpada mas só por ela, porque ela é gentil demais para vivenciar isso.
"Está tudo bem, querida, para ser sincera, eu não esperava menos, foi cruel o que seu pai fez com você e sua mãe." Ela diz e eu não entendo, ela é a atual, meu pai deixou minha mãe para ficar com ela, como ela pode entender?
"Mas você...Você não está chateada?"
"Querida, eu sou a atual mas tenho compaixão, me coloco no lugar de sua mãe porque quando o pai de Enrico morreu as coisas ficaram difíceis para mim também, claro que as situações não se comparam, porque seu pai deixou vocês por escolha própria." Ela diz colocando a mão em meus joelhos.
"Mas nós somos mulheres, precisamos apoiar umas as outras, não teríamos sobrevivido a tanto tempo de supremacia se não tivéssemos nos unido." Ela diz com um sorriso e minha admiração por ela só cresce, como ela pode ser tão gentil?
"Estamos todas do mesmo lado, querida, lembre-se disso." Ela diz e eu fico mais tranquila por não ter estragado seu jantar, ela me entende como ninguém entende e me sinto próxima dela por isso. Eu não sou capaz de responder a tanta maturidade e gentileza, mas acho que ela não espera uma resposta mesmo.
Ela fica de pé e aponta para Pedro e eu. "Quando vão me contar sobre vocês?" E eu paraliso.
"Como você..." É só o que consigo dizer.
"Aah, querida, como eu sei? Tenho uns bons anos a mais que vocês e sei quando tem amor no ar."
Não decidimos o que somos ainda, quer dizer, não fizemos muitas coisas a não ser nos perdermos um no outro e umas brigas aqui e ali.
Pedro não diz nada, é comum dos homens fugirem das coisas quando o calo aperta. Mas hoje não, não mais.
"Esta tudo bem para você então?" Ele diz apertando meu joelho mais ainda. E eu gosto.
"É claro que está, desejo que sejam o mais felizes que possam ser e voem o mais alto que consigam, você é como um filho para mim Pedro, e você é muito especial para mim, Sarah." Ela diz com olhos calmos e felizes sorrindo para nós. Olho para Pedro com olhos de felicidade.
"Você acha que meu pai vai gostar disso?" Eu pergunto fazendo uma careta.
"Bom, não sei, precisamos conversar sobre isso com ele, mas deixa que com seu pai eu lido. A questão é que você precisa conversar com sua mãe sobre isso." Ela diz tocando minhas mãos que estão apoiadas na mesa. E percebendo meu desconforto diz:
"Mas tudo no seu tempo, ok?" Ela sorri e sai em direção a sala.
Por um momento me esqueci da minha mãe, mas sua personalidade controladora me assombra novamente, não sei como ela vai reagir a essa situação, mas sei que bem não é, ela já tem minha vida planejada por medo de que minha vida seja como a dela, mas não vou mais me privar de nada por medo do que ela vai achar, não preciso mais de sua permissão, eu me permito arriscar.
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Inefável
Romance"Dizem que as cartas de amor, se há amor, são ridículas. Mas eu escreveria centenas delas para que você se sinta amada." Ele me tira o ar, provoca em mim sentimentos e sensações das quais nunca senti na vida. Ele me traga como as ondas do mar traga...