Meu corpo não me obedece

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Saio do banho pensando em como vou estar hoje, quero impressionar, se Rafaela pensa que vai impor algo sobre mim hoje, vou mostrar à ela que não vou deixar, não mais. Minha Deusa interior está em seu trono nesses momento.
Coloco meu vestido vinho e uma bota preta, faço uns cachos no cabelo e dessa vez não deixo a maquiagem de fora, faço um delineado e passo um gloss rosê. Faço tudo com música, é obvio, coldplay quase estoura meus fones de ouvido.
Paro um instante e me observo no espelho, me sinto bem hoje, me sinto bonita, cheirosa e poderosa.
"Se admirando?" Sua voz me tira de meus devaneios, a voz que preenche meu coração. Me viro e dou de cara com ele, o Deus grego da minha adolescência, meu Deus grego.
"Um pouco." Sorrio me colocando em seus braços.
"Eu não faria diferente se fosse você, não há alguém que brilhe mais que você." Sorrimos.
"Pronta?" Ele diz e eu me lembro que esqueci de avisar Laura que não passaria em sua casa.
"Esqueci de avisar a Laura."
"Eu já contei Vitória, relaxa."
Rio.                                                     "Pronta?" Ele pergunta com um leve sorriso.                                                         "Mas já? A festa nem deve ter começado ainda." Franzo o cenho                           "Quero te levar a um lugar antes."             Descemos as escadas discretos como sempre, todo mundo aqui em casa sabe sobre mim e Pedro, mas agimos normalmente como se nada acontecesse, é uma coisa mais entre nós, um laço que não sei se alguém compreenderia.                                        "Estamos indo, Esther." Grito para ela que está na cozinha, desenvolvi uma relação muito boa e próxima dela, mais até do que com meu pai, mas fico feliz com isso, eu poderia viver muito bem aqui.                                                              Saímos pela porta dessa vez e não sei onde ele me levará, mas com ele eu iria para qualquer lugar, nunca pensei que seria tão entregue a alguém como eu sou à ele, nunca pensei, que, aos meus dezessete anos de vida, pudesse fazer tanto por alguém. Ele não precisa pedir, sou dele.                                   
Caminhamos até a orla da praia e ele segura minha mão, sinto meu corpo em chamas, me sinto segura e amparada, é como se não importasse o que acontece com o mundo, ele está aqui segurando minha mão.                                                  Caminhamos pela orla da praia em direção à umas rochas com várias árvores, nunca vim nesse lugar e estou curiosa para saber porquê estou aqui.    Há vários casais na orla e me sinto parte deles andando de mãos dadas com Pedro, estamos fazendo algo normal de casais que não seja brigar ou pensar nos problemas que nos envolvem.                 
"Para onde estamos indo?" Olho para ele.                                           
"Se eu contar deixa de ser surpresa." Ele revira os olhos.
"Relaxa, Sarah, sai do controle pelo menos uma vez."
A questão é que desde que cheguei aqui, o que eu mais tenho feito é sair do controle.
"Eu apenas gostaria de saber se estou sendo sequestrada."
"Talvez esteja."
"E eu devo me preocupar?" Ergo a sobrancelha.
"Só se continuar erguendo a sobrancelha assim."
A questão é que eu realmente gosto de planejar os detalhes da minha vida, mas com Pedro não importa quantos planos eu faça, sempre sai tudo diferente, não tenho controle de nada quando estou com ele. São sempre novos sentimentos, novas sensações e ações.                           
Entramos em uma trilha e eu sigo atrás dele, se eu perguntar mais uma vez para onde estamos indo, ele vai desistir de qualquer coisa que esteja tentando fazer.                                                         "Ta legal, agora fecha os olhos." Ele me olha e percebo que nesse momento sua felicidade é grande, ele está levemente nervoso e animado para o que seja que irá me mostrar, fico feliz que eu provoque reações inesperadas nele também. Nesse momento não tem nada que possa estragar nosso momento, apenas nosso.
Ele me guia até subirmos umas escadas e pararmos, e eu sinto uma brisa gelada em meu rosto, ouço o barulho das ondas e meu corpo todo se arrepia.
Abro os olhos e estamos em um lugar alto onde dá para ver o mar, a praia e toda vista lá em baixo, é lindo e sou capaz de olhar para imensidão do oceano diante de mim.
"É tão lindo."
"Valeu a pena vir até aqui para ver seus olhos brilharem dessa forma."
Eu olho para ele e sorrimos.                                                                                                                                              Ele está se esforçando para fazer isso dar certo e isso faz com que eu me entregue cada vez mais.
"Há tanta profundidade em seu olhar como nas águas desse oceano." Digo admirando seu olhar, eu poderia admira-los pelos séculos dos séculos.
Ele me coloca à sua frente me prensando contra as padras que sustentam a escada, e me olha profundamente. Sinto o frio na barriga, o arrepio de estar em um lugar lindo com alguém que faça meu coração bater mais forte.
"Entre mil olhos azuis eu ainda prefiro o abismo dos seus olhos castanhos." Seu coração me diz.
Sorrio, amo a forma como nos entendemos apenas com olhares, e eu sei exatamente o que esse olhar significa.
Nos beijamos intensamente, com fervor e vontade. Eu o quero só para mim. Ele para um instante e coloca meu cabelo atrás da orelha.
"Prometa que vou poder olhar sempre para o abismo dos seus olhos."
"Prometo. Eu seria sua se você me pedisse." Digo sem tirar os olhos dos seus.
"Não é preciso pedir, você é minha desde o dia em que olhei para esses olhos."
"Eu senti algo por você aquele dia."
"Eu também, Sarah. Eu também."
Estou há meia hora sentada no sofá dessa sala cheia de adolescentes bêbados. Chegamos juntos e encontramos o pessoal na sala, Laura, Rafaela, Yasmin, Hugo e Arthur, estavam todos aqui. A primeira coisa que percebi foi o olhar furioso de Rafaela sobre mim, seus olhos me fuzilam a cada vez que Pedro coloca sua mão em minha perna.
Laura senta do meu lado contando todos os detalhes do menino que ela ficou e eu recebo mil mensagens de Mari e Liz me pedindo para contar todos os detalhes da festa, mandei uma foto do meu look para elas.
"E aí, cara?" Dois meninos chegam para cumprimentar Pedro e isso tira a minha atenção de Laura.
"Ficando com várias ainda?" Pedro responde rindo.
"Só não mais que você." E todos riem, isso me incomoda e muito. Sei como ele era antes de mim, o problema é que temo que ele sinta saudade de tudo isso.
"Vou dar uma volta." Ele avisa e sai, apenas concordo  e Laura me ataca com suas perguntas.
"Amiga, olha, cuidado ok? Você é nova nisso e não acho que ele seja um cara pra você, você sabe." Ela me diz sorrindo levemente de canto. "Ele é uma boa pessoa e tal, mas nunca namorou com menina nenhuma e só não quero que você saia machucada disso." Me sinto incomodada, mas sei que ela não fala por mal.
"Tudo bem." É o que consigo dizer, mal cheguei e já me sinto péssima, rodeada de pessoas bêbadas rindo de piadas idiotas.
Olho ao redor e Arthur está sentado em minha direção, ele tem um olhar tão penetrante em Rafaela, admirando-a como se ela fosse um anjo. Talvez esteja bêbado, talvez goste dela e ninguém saiba, não sei e não sou capaz de decifrar esse olhar penetrante.
"Que tal jogarmos jogo da roleta?" É claro que essa ideia vem de Rafaela.
"Na última festa você saiu carregada por causa dessa brincadeira." Yasmin responde.
"Você só diz isso porque não aguentou três rodadas comigo."
"Qual é, essa brincadeira de novo?" Laura interrompe.
Rafaela revira os olhos e me fuzila com o olhar.
"O que acha, Sarah?"
"Eu topo." Não tenho a mínima ideia do que estou fazendo.
"Sabe que não precisa fazer nada que não queira, não é?" Laura me diz antes de eu fazer uma grande burrada.
"Claro."
Fomos até a mesa da cozinha, pegamos copos e muita, muita bebida.
"É o seguinte, nos dividimos em pares e é só rodar a roleta, a dupla que aguentar chegar no último copo vence."
"Fechado." Concordamos.
Faço dupla com Hugo e na segunda rodada estamos firmes, ou seja, já bebi além da conta.
Rimos muito, gosto da companhia de Hugo, talvez eu só esteja muito bêbada, talvez goste mesmo.
"Acho que estou ficando bêbado." Ele me olha.
"Vejo três Hugos nesse momento."
Rimos feito bêbados.
"Sarah, a Rafa foi buscar uma tequila, mas precisamos de mais copos, você pode buscar?"
"Claro." Vou em direção à cozinha já me sentindo meio zonza, acho melhor recusar as próximas bebidas ou não vou me lembrar dos próximos momentos amanhã.
Procuro pelo copo mas assim que ergo minha cabeça em direção ao ambiente vejo Pedro e Rafaela, ele está de costas para mim então não consegue me ver, mas ela vê e sorri, porque é tudo o que ela mais deseja, que eu me sinta assim, insegura e ressentida. Ela fala algo em seu ouvido e saber que ele está ali com ela e não comigo me dói, não sei o que há entre os dois, mas me dói, porque eu sei que eu seria dele se ele me pedisse, mas nesse momento não tenho certeza se ele me daria a mesma resposta se eu pedisse o mesmo. Mas não preciso encarar a realidade nesse momento, e a bebida está aqui para ser minha amiga agora.
"Desse jeito vamos acabar com toda bebida." Hugo me olha quando estamos prestes a receber nosso prêmio.
"Vamos nessa." Rafaela me olha sorrindo de canto.
Bebo a última dose e cambaleio. É horrível, um gosto amargo que desce queimando todo o meu corpo, todo tecido corporal que essa bebida toca, sofre.
"Opa, tudo bem?" Hugo me segura.
"Tudo." Mas é mais uma mentira, tudo gira, e vejo duas Lauras em minha frente, três talvez. Julgando pela quantidade de garrafas vazias na mesa, estamos todos muito bêbados.
Não vi sinal de Pedro até agora, mas me obrigo a não me importar, ele já fez a sua escolha da noite. Resolvo ir ao banheiro ver meu estado. Subo as escadas com muita dificuldade apoiando no corrimão. Vejo muitas pessoa se pegando nos cantos.
Enfim chego ao banheiro, parece que corri uma maratona cheia de obstáculos, olho no espelho e estou descabelada, em um estado péssimo. Estou pagando com a língua por todos julgamentos que fiz aos adolescentes que bebem descontroladamente, hoje sou um deles, julguei adolescentes que tomavam decisões sem muito pensar em suas ações e hoje sou completamente um deles.
Tudo bem, Sarah, acho que é hora de parar de beber e encarar a realidade, nunca entendi porque as pessoas bebem tanto se a sensação é horrível, perder o controle de si mesmo, fazer coisas das quais não se lembra e ficar mal, mas acho que esse é jogo, não ter o controle da própria vida por alguns momentos. Sentir que não está no controle por algum tempo é bom, é como se nos livrássemos temporariamente de toda responsabilidade que nos é cobrada nesse momento, é como se por um momento eu não precisasse lidar com meu coração despedaçado por ver Pedro com ela, nesse momento, eu não preciso lidar com nada. E jogar a culpa na bebida por todas as burradas que fizer é uma boa saída.
Paro de encarar minha face que diz descaradamente que estou o mais bêbada que já estive em toda minha vida, isso considerando o fato de que nunca fiquei bêbada, e saio do banheiro.
"Opa opa, olha quem está por aqui." É a voz inconfundível dela, o pesadelo da minha adolescência.
"Não enche, Rafaela."
"Ora ora, parece que ela está ficando bocuda, quem está te ensinando? O Pedro? As coisas que ele pode te ensinar a fazer com a boca, você nem imagina."
Quero matá-la.
"Você não cansa de ser segunda opção, não é Rafaela? Com quem acha que ele está quando ignora suas mensagens?" Eu realmente estou brigando por um garoto, bêbada, no corredor de uma festa. Minha Deusa interior está me desaprovando agora.
"Ele vai se entediar de você uma hora, e você vai ser descartada assim como eu."
É por isso que ela me odeia, porque se sente descartada por ele. E o medo de que ele faça o mesmo comigo prevalece.
Desço as escadas e Arthur esbarra em mim.
"Me desculpe, Sarah." Ele segura meus braços.
"Tudo bem, relaxa."
"Você está bem?" Ele franze o cenho, pelo menos é o que eu acho que ele faz.
"Vem, vamos para um lugar mais calmo." Ele está com as mãos em meus braços, por um segundo penso em fazer Pedro se sentir da mesma forma que me senti.
"Não, tudo bem, eu...Preciso achar o Pedro."
"Ele está com a Rafaela, não é com você que ele quer estar hoje, Sarah." Sua mão se afirma mais em meus braços.
Me aproximo e sinto seus lábios, há um intenso gosto de bebida e um vazio em minha mente, não consigo pensar em nada.
"Eu..." Não consigo dizer, não sai, meu corpo não me obedece.
Ele me guia para um quarto, não sei muito bem onde estou e nem o que está acontecendo, só sei que estou sozinha em um quarto com um cara que acabei de beijar. Minha mente funciona lentamente agora, meu corpo não corresponde, quero levantar, dizer à ele que vou embora e procurar Laura para sairmos desse lugar, não sei porque o beijei, não sei porque vim e não sei porque bebi que nem uma idiota, só sei que não consigo fazer o que minha mente manda, meu corpo está mole.
"Senta aqui, Sarah."
"Eu..." Eu tô tentando dizer que quero ir embora, mas não sou capaz.
"Você bebeu muito em." Ele fecha a porta e senta ao meu lado, sua mão está em minha coxa, não tenho ideia de quais quer que sejam suas intenções, eu só quero sair daqui, mas não consigo.
Vamos Sarah, levanta, age, vai embora. Mas meu corpo não responde.
Sinto uma mão pelo meu vestido.
"Vai ser rápido, eu prometo."
Não consigo reagir, quero levantar e sair correndo, mas não sou capaz.
Ouço um barulho da porta e sei que alguém está aqui, não sei quem, nem o que está acontecendo. Só escuto gritos, alguém cai no chão, e de repente tudo se apaga.

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