Até que a Morte nos Separe - Parte II

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Ao abrir meus olhos, logo percebi que eles estavam extremamente pesados. Senti um certo desconforto no pescoço, porque eu estava deitada em um desses bancos de madeira da igreja, e eles por acaso, não eram nada confortáveis. Ao meu lado, segurando um copo com água, em seu lindo terno branco, Thiago me encarava.

Era um bonito espaço arquitectónico, com expressivos quadros religiosos em molduras douradas, o piso de granito muito bem limpo, mesmo antigo, ainda brilhava, uma das paredes era revestida em azulejos azuis portugueses (revelando a influencia europeia), enquanto as outras eram em mogno. No canto esquerdo, havia uma pequena mesa redonda esculpida em mármore e um cabideiro, onde estavam penduradas algumas vestimentas dos párocos. Porém, a riqueza de detalhes na arte sacra feita na sanca e no teto, foi o que mais chamou a minha atenção naquela sala.

- Que lugar bonito...
- Estamos na sacristia da igreja!
- O que estamos fazendo aqui?
- Você teve um desmaio! - disse entregando-me o copo.

Tentei levantar-me e Thiago me ajudou com cuidado.
- Eu estou bem! - disse ao sentar e beber a água.
- Pois não é o que parece... Helena eu estou muito preocupado, não sou especialista, mas para mim, isso pareceu um ataque de pânico! Você tem se cuidado desde...
- Que tentei suicídio? Sim, eu tenho! - respondi de forma enfática.
- Tem certeza? Talvez fosse melhor você procurar um terapeuta!
- Estou em tratamento regular com um psicólogo e um psiquiatra, já fazem alguns anos Thiago!

Os olhos verdes de Thiago então ficaram surpresos.

- Por que você nunca me disse nada?
- Porque eu tinha medo da sua reação e depois não queria que tivesse vergonha de mim!

Thiago segurou em minha mão.

- Eu jamais sentiria vergonha de você!
- Então por que na noite de sua formatura, pediu para que eu usasse aquele vestido de mangas cumpridas para cobrir as minhas cicatrizes?
- Eu não estava com vergonha, eu estava tentando te proteger! Eu conheço bem a hipocrisia daquelas pessoas, não queria que elas julgassem você!
- Eu lembro bem do seu discurso: "não ficaria bem para a futura esposa de um médico que essas cicatrizes ficassem exposta"
- Eu só disse isso, porque eu sabia que você só se protegeria se fosse por mim! Se você quiser, podemos tirar a manga desse vestido agora mesmo!
- Não seja tolo, essas mangas medievais são o que eu mais gosto no meu vestido de noiva! - disse com humor ácido, totalmente inapropriado para aquele momento.

Thiago então levantou-se, passou a mão por seus cabelos, que naquela ocasião, estavam ligeiramente arrumados, respirou fundo e disse:

- Eu nunca tive vergonha das sua cicatrizes, na verdade eu as entendo melhor do que você possa supor!

Levantei-me vagarosamente, e coloquei o copo que ainda tinha em minhas mãos sobre a mesa de mármore. E perguntei um pouco confusa.

- Como assim?
- Eu sei bem quando o desespero beira o insuportável! E viver torna-se um fardo muito pesado...

O brilho nos olhos dele havia mudado, e de repente, eu pude enxergar que naquele homem gentil, também havia escuridão.

- Você já teve pensamentos suícidas ?

Thiago então começou a discursar de forma macia e cada palavra dita, parecia deixar mais leve a alma dele.

- A minha dor era incomunicável; por mais que eu tentasse expressar minha tristeza, ninguém parecia entender. Eu cheguei a sonhar com a possibilidades de fechar os olhos e acordar num mundo diferente, onde eu seria a mesma pessoa, mas não haveria nenhum julgamento e finalmente eu poderia me sentir feliz.

Senti as palavras de Thiago queimando o meu peito. Jamais imaginei que fôssemos tão parecidos.

- Na faculdade, eu tive um professor de Teoria da Literatura, que defendia a tese de que os suícidas são as pessoas que mais querem viver, mas como não conseguem fazer isso com a intensidade desejada, acabam por acreditar que a morte será a grande viagem que os levará até uma nova vida!
- Você acredita nessa tese? - perguntou Thiago.
- As vezes sim! - respondi em voz calma, apesar de ser uma suícida, eu não gostava de pensar sobre as razões que outrora, me fizeram desistir da vida.

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