Caos

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Com a morte de Clarisse, na ausência de um tutor legal, fui entregue ao serviço social e encaminhada a uma instituição de acolhimento ao adolescente.

Enquanto arrumava as minhas coisas pensava no tempo que havia perdido em lamentações, procrastinação e execrações. E agora eu tinha um coração cheio de remorsos e uma alma que agonizava no desgosto.

- Pronta? - disse a assistente social.

Balancei a cabeça afirmante.

Nossa casa era alugada, portanto tive que entregá-la ao senhorio, que por gentileza encarregou-se de guardar algumas caixas do que julguei ser mais importante e o resto achei melhor doar para igreja.

Uma vida inteira resumida em uma pequena mala, eu não tinha muita coisa, e mesmo que tivesse fui orientada a levar somente o essencial. Então peguei algumas mudas de roupa, meus livros favoritos e uma foto de Rafael. Antes de deixar a minha casa, tive a terna lembrança de Clarisse fazendo o café, supostamente eu deveria chorar, mas não o fiz. Você pode até achar injusto que minha mãe houvesse partido justamente no momento que parecia que nos entenderíamos, mas não era. Eu estava recebendo exatamente aquilo que eu merecia.

Saí e a porta fechou-se atrás de mim, como uma metáfora do que o meu destino se tornara,  sem família, amigos e esperança, não haviam mais hipóteses para a Helena do futuro, e a Helena do passado jamais seria curada.

Antes de entrar no carro, olhei para janela do meu quarto e lá jaziam todas as minhas Helenas.

13 de maio de 2007

O dormitório compartilhado feminino tinha um cheiro de mofo incomodo que se fez familiar para mim, como a projeção do pesadelo que começava.

- Essa será sua cama!
- Obrigada!
- Não é tão ruim assim, você poderá terminar seus estudos e possivelmente em dois anos estará longe daqui. - disse a assistente social, com um sorriso encorajador nos lábios.
- Dois anos...
- Você ainda é muito jovem tem todo tempo do mundo!

Eu não tinha.

- E quanto ao meu tratamento?
- Não fale sobre isso por enquanto, se soubessem que você estava em tratamento por esquizofrenia, não te aceitariam aqui! Provavelmente teria que ir para um asilo de doentes mentais!
- Eu sou doente mental!
- Não repita isso, eu gostava muito de sua mãe, ela trabalhou em minha casa por anos! Eu sei que não era o desejo dela te ver em um asilo, por isso fiz questão de ajudar!
- E os meus remédios?
- Vou cuidar disso! Mas confie em mim, você estará segura aqui!

A assistente social foi muito gentil comigo me acolhendo naquele abrigo porém, eu nunca mais a vi novamente.

Nos dias que se seguiram permaneci no dormitório lendo, outrora meu psiquiatra havia dito que ler ajudava a manter a mente ativa e saudável. Além disso, eu andava muito ansiosa, era preciso desviar minha atenção de possíveis vícios, eu já havia ouvido histórias de lugares como aqueles, não seria difícil conseguir entorpecentes. 

As outras garotas da instituição costumavam ignorar a minha presença, mas até que um dia para o meu total infortúnio, essa situação mudou abruptamente.

- Vejam a novata intelectual! - disse uma das meninas, quando um grupo de pelo menos cinco delas entraram no quarto.
- Ela acha que é melhor que a gente! - respondeu uma outra em tom debochado.

Permaneci na mesma posição em que eu estava, não tinha a intenção de fazer amigos e muito menos inimigos. Achei que se eu me calasse, elas se cansariam de mim e iriam embora, mas eu está a enganada.

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