Cicatrizes

26 2 17
                                    

Depois de saírmos do escritório da doutora Catarina, sob os olhares estranhos da secretária, e todos os outros olhares estranhamente curiosos que haviam naquele lugar, Thiago levou-me até uma cafeteria naquela mesma rua, onde tentei recobrar a minha sanidade.

Eu olhava para as cicatrizes em meus braços tentando encontrar uma resposta.

- Como essas cicatrizes provocavas pela ordem simplesmente não existem? - perguntei tocando-as, ainda forçando minha mente a acreditar, mesmo que a essa altura as mesmas cicatrizes que eu vi e senti por tantos anos, fossem como hologramas materializando-se e desmaterializando-se em meus braços.

- Não há nenhuma cicatriz em seus braços!
- Como isso é possível? Já falamos sobre elas um milhão de vezes!
- Sempre quando você falava sobre suas cicatrizes, eu assimilava essas que estão em seus pulsos. Porque eram essas l, as únicas cicatrizes que eu via...
- Eu simplesmente não entendo - cobri meu rosto com as mãos.
- Sou mesmo louca, sempre fui...

Thiago respirou fundo, e a respiração dele estava densa e preocupada.

- Uma vez você me disse que foi torturada no abrigo, essas cicatrizes que você enxerga em seus braços decorrem dessa suposta tortura?

Balancei a cabeça de forma afirmativa.
- Eles faziam cortes em meus braços, como se fossem traços riscados em uma parede para marcar o tempo.
- Eles?
- A ordem...
- Mas a doutora Catarina disse que isso nunca aconteceu!
- Como ela pode saber? - respondi aumentando o tom de voz, trazendo alguns olhares para nossa mesa.
- E se nós voltássemos até o abrigo?

Senti meu corpo tremer.

- Não sei se seria uma boa ideia.
- Você precisa entender o que aconteceu naquele abrigo Helena, talvez esse seja o único jeito de trazê-la de volta à realidade.
- Eu... eu sei da realidade... eu fui torturada!
- Psicologicamente! - Thiago fez uma pausa, a respiração ainda estava densa e audível. - Você mesmo me disse estar sem medicação, e aquela mulher acabou de confessar que pagou as garotas para mexerem com a sua cabeça.

Senti as lágrimas correndo pelo meu rosto e molhando minhas bochechas.

- Temos que voltar até aquele lugar.
- Eu não tenho certeza, tudo que passei naquele abrigo me levou a tentar contra minha própria vida! Não sei se posso aguentar reviver toda aquela dor.
- Mas precisamos entender o que aconteceu com você naquele lugar, e todos que de alguma forma fizeram mal a você, precisam acertas contas com a justiça!
- Como vamos fazer isso? Você pensa que alguém vai acreditar na palavra de uma garota louca?! A doutora Catarina tinha razão em tudo que disse sobre mim...

Thiago pegou o telemóvel no bolso do casaco e após concentrar-se nele por alguns minutos, colocou-o sobre a mesa:

"Foi preciso só alguns míseros trocados para que aquelas idiotas fizessem tudo como eu dissesse, mas admito que a ideia de rasgar os seus livros partiu diretamente de Flávia!"

Ao ouvir a voz da doutora Catarina, meu coração deu um salto.

- Você gravou a nossa conversa?
- Acredito que muitas pessoas acreditarão em você, após ouvirem essa confissão! Mas voltar ao abrigo é apenas a ponta do iceberg.
- O que você quer dizer?
- Também temos que voltar à clínica onde você foi internada depois do suícidio!

Novamente senti meu coração acelerar, eu não pensava muito sobre esse tempo em minha vida. Era como se aqueles anos nunca tivessem existido e o tempo apenas tivesse dado um salto do dia em que fui internada naquela clínica até o dia em que conheci o senhor José.-

- Você nunca fala sobre o tempo que passou naquela clínica! Mas se existe alguém que possa te elucidar sobre essas supostas cicatrizes, talvez essa pessoa ainda esteja lá.

O TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora