Clarice

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Por mais estranho que pareça, eu não sabia muito sobre Clarice, sempre muito tímida e discreta, não tinha muitos amigos, e seu comportamento era incerto. Sorrateiramente, vivia pelos cantos da casa rezando. Quando eu era criança obrigava-me a rezar com ela, mas com o tempo me rebelei, pois para uma criança rezar por horas pode parecer um tanto quanto insípido. Eu queria brincar, ler os meus livros e assistir os meus desenhos animados. Então um dia disse isso tudo a ela, e estranhamente não houve nenhum questionamento, simplesmente deixou que eu seguisse meu próprio destino; sempre dizia que eu não poderia ir aonde a oração dela não pudesse me proteger.

Aos domingos era de praxe irmos à igreja. Clarice vestia um lindo vestido azul celeste, com com pequenas margaridas brancas, era um vestido simples de seda, com alças finas e estilo longuete, mas para mim, aquele era o vestido mais lindo do mundo. Eu ficava encantada como ele caía tão bem no corpo dela, era na tenuidade daquele vestido azul que estava toda a sua exuberância.

Embora eu ainda não tenha mencionado, eu e Clarice, éramos extremamente parecidas: os mesmos longos cabelos negros, olhos castanhos e o nariz pequeno. Clarice não tinha vaidade, então o tempo encarregou-se de esconder a beleza dela.

Sei que ainda não falei sobre minhas características físicas, mas é que eu realmente sempre achei que isso não fosse o mais importante. Sem demagogia, para mim essa capa que usamos é apenas uma casca que com o passar do tempo envelhece e resseca.  No final, não importa o quão belo fora, pareceremos todos iguais.

Eu não era bonita, nem feia... nem magra, nem gorda. Tinha uma estatura mediana, meu abdome nunca fora "sarado", e minhas pernas eram muito finas (o que era um tanto esquisito comparado ao meu quadril largo). Os meus olhos eram bem escuros, e o eu mais gostava em mim, era dos meus cílios, porque eles eram naturalmente longos. Com o tempo passei a usar um delineador preto, mas era mais para compor minha personagem de menina agressiva do que pela maquiagem. Em algumas fases de minha vida usei uma iconica "franjinha", o meu cabelo era um misto de crespo e ondulado, sempre "armando" contra mim, sei que vai parecer contraditório ( o que confesso ser uma de minhas características de personalidade), mas eu não conseguia aceitar o meu cabelo em sua estrutura natural, e em plena era da transição capilar, eu fui a louca da "chapinha".

 Em algumas fases de minha vida usei uma iconica "franjinha", o meu cabelo era um misto de crespo e ondulado, sempre "armando" contra mim, sei que vai parecer contraditório ( o que confesso ser uma de minhas características de personalidade), mas ...

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Clarice nunca falou sobre as nossas origens, ela sentia-se extremamente desconfortável ao falarmos sobre o passado. Quando eu perguntava sobre a nossa família, a resposta era sempre a mesma:

- Só tenho você nesse mundo Helena!

Havia um mistério iminente sobre as nossas raízes, algo terrível a ser revelado, segredos obscuros que Clarice havia guardado bem lá no fundo de si, e o fardo de mantê-los tão longe de mim, com o passar do tempo, ficava pesado demais.

Clarice sempre foi incapaz de avaliar meu comportamento inadequado, por isso lhe causei profunda estranheza quando pedi por ajuda médica. Passamos por um processo de aceitação complicado, mas após ser acompanhada por excelentes psicólogos e psiquiatras, aos dezesseis anos fui diagnosticada com ansiedade e esquizofrenia. Parecia que minha história culminaria em um abismo profundo, contudo os médicos nos disseram que com o tratamento adequado eu poderia levar uma vida produtiva e satisfatória.

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