Senti um misto de decepção e alívio, de frente ao piano, sentada no estreito banco de mogno, tocando a minha música, estava a senhora Margarida.- Essa foi a última música que ele tocou nesse piano! - disse a senhora Margarida parando de tocar ao perceber a minha presença.
- Por favor continue!
Ela balançou a cabeça negativamente, os olhos estavam vermelhos, e a tristeza era nítida na face dela.
- Eu encontrei a partitura, ele estudou por meses essa música. Meu marido tinha um carinho muito especial por você Helena! No dia em que lhe conheceu, no seu primeiro dia de trabalho na loja, ele não conseguia dormir, falando do quanto você era inteligente e destemida, recomeçando do zero uma nova vida!
Aproximei-me dela e sentei ao seu lado.
- Eu também tinha um grande carinho por ele... eu o amava como se fosse meu pai!
Ela olhou para mim e pela primeira vez desde o casamento voltei a enxergar um pouco de ternura nela.
- Ele também a amava como filha!
Ficamos em silêncio, mas haviam tantas perguntas dentro de mim, eu não sabia se teria uma outra oportunidade de sentir a senhora Margarida assim tão próxima.
- Por que o senhor José tinha uma arma?
- Portes era um policial aposentado, Helena!
Surpresa respondi franzindo o cenho:
- Por que nenhum de vocês nunca disse nada sobre isso?
- Porque essa era uma coisa da qual o meu marido não se orgulhava!
- Conhecendo o senhor José como o conheci não consigo imaginá-lo fazendo algo que não fosse honesto.
- Mas é claro que ele sempre foi um policial honesto, mas depois que atendeu a ocorrência do assassinato de uma família inteira em uma favela do Rio de Janeiro, resolveu deixar essa profissão para trás, diante da incapacidade do sistema em "Servir e proteger", os cidadãos brasileiros. Então mudamos para essa cidade pacata, - ela sorriu de forma debochada - Onde achávamos que estaríamos a salvo da violência urbana das grandes metrópoles. Quinze anos morando nessa cidade, e nunca vivemos nada parecido!Ela então olhou diretamente em meus olhos, não sei se foi cisma minha, ou se a senhora Margarida no fundo achava que eu tivesse alguma conexão com o assassino. Por um momento veio a imagem de Otto em minha mente, mas eu lutava contra esses tipos de pensamentos, esse era um fardo que eu jamais seria capaz de suportar.
- Antes de morrer ele mencionou o nome de uma mulher! - de repente faltou a cor em meu rosto, e meu coração deu um salto, nem eu mesma saberia explicar por qual razão eu havia dito aquilo.
A senhora Margarida também ficou pálida, entre lágrimas e ressentimento ela exclamou o nome.
- Sofia!
- Sim, o senhor José disse para que eu não chorasse por ele, pois estava indo ver... Sofia!- Eu não fui a primeira esposa do senhor José Portes - revelou abaixando a cabeça.
- Foi a Sofia?
Ela então voltou a olhar-me nos olhos.
- Não, Celina!
- Estou confusa, então quem foi Sofia?
- A filha...A Senhora Margarida então levantou-se e foi até uma das estreitas janelas e disse com o olhar fixo na paisagem fora do anexo.
- José a engravidou, quando eles ainda eram muito jovens, tinham apenas quinze anos. José e Celina eram primos, foi um grande escândalo na família. Mas o pai de Portes era um homem tão maravilhoso quanto ele e não hesitou em acolher o pobre casal, pois a garota foi expulsa de casa e deserdada. O casamento foi arranjado às pressas. Celina era apenas uma criança, teve uma gravidez complicada e não resistiu ao parto. Portes jurou cuidar do bebê e protegê-la das mazelas da vida.
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O Tempo
Mystery / Thriller"Jamais poderemos entender os mistérios do tempo" O Tempo é uma viagem cronológica cheia de suspense e mistério através de uma mente perturbada. Helena não era uma adolescente como as outras da sua idade e todos seus defeitos e qualidades a faziam...