PÁGINA 2

84 6 0
                                    

Tem algo no ar hoje

Oceana.

Raios solares atingem meu rosto logo cedo, e percebo que mais uma vez, deitei sem fechar as cortinas, estava tão cansada ontem que ao deitar apaguei. Levanto da cama espreguiçando-me, olho para a tela rachada do meu celular em cima da mesinha de cabeceira, ao lado da cama, e vejo que daqui a pouco vai dar seis e meia da manhã.

Saio do quarto e sigo para o banheiro, entro e me olho no espelho, observo minhas poucas olheiras em minha pele negra, logo me livro do meu pijama e entro em baixo do chuveiro enquanto faço um coque em meu cabelo cacheado. Quando acabo meu banho vou para meu quarto com meu corpo já seco. Visto uma roupa simples, jeans azul escuro e uma blusa branca, calço um tênis qualquer e saio do quarto em direção ao corredor.

Ao chegar na cozinha, pego meus remédios que  foram deixados por mim acima do balcão, engulo os comprimidos sem água, sentindo-os rasgar minha garganta. Após, pego a cafeteira e o pó de café, ligo na tomada e enquanto passa vou para geladeira para pegar ovos, irei fazer panquecas. Depois de terminar tudo, arrumo em uma bandeja com uma xícara de café com duas colheres de açúcar, e três panquecas com calda de caramelo, sigo para o corredor devagar e entro no quarto de mamãe.
Deixo a bandeja ao lado de sua cama na mesinha, olho para ela e vejo que já está acordada.

— Bom dia, trouxe o café, quer ver tv?— Ela balança a cabeça e se apoia nos braços, para levantar o tronco e sentar encostada aos travesseiros.

Ligo a tv para ela e coloco no canal de culinária, que eu sei que ela adora. Entrego o controle para a mesma e lhe dou a bandeja com o café da manhã. Enquanto ela come aproveito para abrir as cortinas, e um pouco da janela para o ar circular, está um dia bonito em Califórnia.

— Estou indo trabalhar, Dara logo chegará para lhe fazer companhia.

— Tudo bem.— Diz concentrada na tv. Respiro fundo e abro a porta.— Estou tentando Oceana.— Escuto quando estou prestes a fechar a porta.

Largo a maçaneta e encosto a cabeça nela com a mesma já totalmente fechada. Eu sei, mas talvez não seja o suficiente. Penso e sigo até a porta principal da casa, saindo em seguida. Quando estou virando a esquina, vejo Dara caminhar em passos largos em minha direção.

— Olá menina, quase me atrasei hoje, está indo para o trabalho?

— Olá Dara, e sim, estou. Deixei a chave reserva em baixo do carpete.— Falo enquanto observo os olhos puxadinhos de Dara.

— Claro, e como ela está?

— Tá na mesma, ontem chorou e hoje de manhã sussurrou que estava tentando.— Falo e vejo compreensão nos olhos da senhora baixinha de cabelos curtos na minha frente.

— Ah minha menina, tudo vai ficar bem, por mais que esteja demorando, tudo dará certo.— Me da um beijo e segue caminho até minha casa.

Dara é um amor, ela mora a algumas ruas depois da minha, pago a ela todo mês para fazer companhia a mamãe das nove da manhã até às cinco da tarde. Papai antes de falecer, deixou uma pensão para quando eu crescesse, escolher qual faculdade fazer, mas, com o acidente tudo mudou, eu tinha que sustentar a casa, então com o dinheiro da pensão eu pagava a Dara, as contas, coisas para mamãe e comida, e arrumei um emprego, que com ele consigo pagar minha faculdade e algumas coisas para meu uso pessoal.

No ponto de ônibus, logo vejo ele desdobrar do final da rua e vir em direção a parada que estou, dou sinal e espero ele parar, subo e depois de passar pela roleta, me sento em um banco perto da porta. Da minha casa até o centro são entre vinte há vinte e cinco minutos. Depois de um tempo dou sinal e desço me enfiando no mar de pessoas que caminham apressadas ao meu redor.

***
Chego em frente a loja Frans onde trabalho há um bom tempo, o dono me contratou com meus dezessete anos, quando terminei o meu colegial e precisava de grana para pagar a faculdade. Sou muito grata a ele pois não é qualquer um que emprega uma menor de idade e sem experiências comprovada na carteira. A loja é bem conhecida, pois se localiza no centro de Califórnia, ela tem grandes paredes de vidraças, que dão visão a imensa biblioteca dentro dela, várias pessoas entram para comprar músicas clássicas ou alugar um filme e livro.

Estamos nas férias de verão aqui. Seu Francisco, o dono da loja e meu chefe, decidiu tirar umas férias com sua gatinha de estimação Amélia em Colorado, foi visitar suas irmãs, e como eu estava nas férias de verão decidi mudar minha carga horária na loja, conversei com Seu Francisco e ele me deixou ficar por aqui trabalhando, pois se não eu morreria de angústia em casa. Agora fico aqui das dez da manhã até as cinco da tarde, mas quando minhas aulas de fotografia retornarem, terei que voltar para o horário normal, que vai das uma da tarde às oito da noite.

Pego a plaquinha onde se diz "aberto" e posiciono virada para o lado de fora da porta de vidro. Caminho até o balcão e guardo minha bolsa atrás dele, após isso, sigo até o toca discos ao canto da loja e escolho Frank Sinatra Theme From New York, New York para tocar, e logo depois que o instrumental chega aos meus ouvidos, me perco entre as prateleiras de livros arrumando aqueles que estão fora de ordem.

Um tempo depois, vejo que já se passou algumas horas desde que estou aqui, encerro a minha tarefa pela manhã e saio da loja a fechando, indo em direção aos vários restaurantes e lanchonetes que tem do outro lado da rua. Entro em um restaurante simples, vejo que está meio vazio dando a possibilidade de escolher um lugar há minha preferência, decido pegar uma mesa ao lado da janela de vidro, onde posso ver as pessoas seguindo para seus compromissos apressadas e imaginar como são suas vidas.

Enquanto como, olho o celular e mando uma mensagem para Dara perguntando como mamãe está, logo recebo uma resposta dizendo que está bem e até decidiu tomar um pouco de sol hoje, essa notícia me faz sorrir, e com isso, termino meu almoço logo depois voltando para a loja, entre uma hora e outra onde atendo clientes querendo alugar filmes ou livros, ou dou uma ajeitada aqui e ali nas bagunçinhas que se fazem presente. E ao longo do dia, acaba dando minha hora, fecho tudo e sigo para o ponto de ônibus que sempre pego para ir até minha casa.

Chegando em casa, abro a porta e encontro tudo em silêncio, Dara deve ter acabado de ir embora, e mamãe, deve estar vendo alguma programação. Fecho e porta e siga para meu quarto, entro no mesmo e pego uma muda de roupas e vou para o banheiro.

Após o banho, vou até o quarto de Dona Estela e bato na porta duas vezes, escuto sua voz baixa pouco audível dizer um entre arrastado.
Abro a porta e mamãe entra em meu campo de visão, ela está deitada com o controle nas mãos enquanto troca os canais.

— Oi mãe, como foi seu dia?— Faço a mesma pergunta de sempre, e como sempre, em troca apenas recebo poucas palavras.

— Normal, decidi pegar um pouco de sol hoje.— Diz e da um meio sorriso, que é a única coisa que eu consigo arrancar há anos.

Em nossa casa, fiz algumas reformas quando completei dezoito anos, dando a possibilidade de locomover a cadeira de mamãe para todos os lugares, mas, o problema, é que Dona Estela quase nunca quer sair do quarto.

— Dara me contou, isso me deixou muito feliz.— Observo seus olhos pousarem em minha direção e logo depois desviarem para tv.— Bom, quer ir jantar comigo lá na cozinha?

Tento mais uma vez algum tipo de reaproximação, e para a minha surpresa, ela balança a cabeça com seus grandes olhos castanhos brilhando em minha direção, que foi uma das poucas coisas que herdei dela além da cor de pele e o cabelo cacheado.

Com amor, da eternamente sua, Oceana.Onde histórias criam vida. Descubra agora