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Minhas mãos estão suando e meu peito arde por conta do quanto corri para chegar no local em que estou. O cheiro das árvores quase faz o ambiente parecer um pouco menos ruim, ao que caminho, agora um pouco mais lentamente, pelo cemitério.

Não demoro muito para achar a lápide que me diz respeito, e leio cravado na pedra intacta: "Lucile Munn".

Me agacho e passo os dedos sobre as letras, ao que já consigo sentir meus olhos ficarem molhados, mesmo que eu não pretenda deixar as lágrimas seguirem o seu caminho habitual. Miro o chão, onde alguns restos de flores mortas estão espalhados. Faz muito tempo que não venho visitar o túmulo da minha mãe, então provavelmente as flores foram deixadas por alguém da família, o que é estranho, pois ninguém gostava da megera.

Peguei o primeiro vôo para o Texas que achei e não olhei para trás. Fugi, porque ver que ambos os testes de gravidez que fiz deram positivo me desesperou. Eu preciso pensar e não ia dar para fazer isso tendo que lidar com as minhas amigas e o meu namorado, apesar desse último nem saber de nada.

Corbyn deixou algumas mensagens no meu celular, mas eu não tive coragem de respondê-las. Como vou dizer para ele que talvez eu estrague a sua carreira?

Então, longe de tudo e de todos, me sento na grama limpa e suspiro.

— Se você estivesse aqui, provavelmente gritaria que eu sou muito burra. — Falo para a lápide, como uma doida. — Você sempre dizia que mulheres que engravidam cedo tendem a sofrer pro resto da vida e que a prova disso foi você ter largado a sua carreira, ter sido abandonada pelo meu pai e ter se tornado fumante depois de mim. — Rio para mim mesma. — Sua maldita! Aposto que você me amaldiçoou, diretamente do inferno.

Após passar algumas horas naquele local silencioso e recheado de morte, ao mesmo tempo em que carrego uma vida, decido ir para a casa da minha avó, Olivia. Vovó nunca foi muito próxima da minha mãe, mas sempre me dizia que eu era sua netinha preferida, apesar de ter nascido do anti-Cristo.

— Kaia! — Ela exclama, assim que abre a porta da casa. Seus olhos são rodeados por rugas, seu cabelo está mais branco do que me lembro e ela engordou um pouco.

— Surpresa! — Digo, ao receber o abraço apertado e caloroso que minha avó me dá.

— Entre, querida. — A idosa dá espaço para que eu passe e assim o faço. Logo ao adentrar, sinto uma onda de memórias invadir a minha mente e sorrio, pois o lugar continua igualzinho. — Você deveria ter ligado. — Me viro, com uma expressão chateada.

— A senhora não gostou de eu ter aparecido? — Pergunto, apreensiva.

— Não é isso, bobinha. — Vovó sorri. — É que se você tivesse avisado, eu poderia ter feito aqueles biscoitos de ameixa que você adora. — Acompanho seu sorriso, ao que deixo a pequena mala que carrego no chão.

— Não precisa, fico feliz só de estar aqui.

Está perto da hora do almoço, então ajudo vovó Olivia a preparar comida italiana. Me recordo de ela fazer pizza todas as vezes que eu vinha visitar, e quando eu e Corbyn ficamos amigos, eu passei a trazer ele também. Ela gostou deu no segundo em que bateu seus olhinhos curiosos no garoto, até soltava piadas indevidas sobre como nós formávamos um belo casal e sobre quão lindos seriam os nossos bebês. O que vovó diria se eu contasse para ela sobre o que habita o meu ventre?

— Sirva-se. — Ela diz, ao se sente de frente para mim na pequena mesa redonda de sua sala de jantar. Coloco bastante macarrão no prato, ao que lambo os lábios em puro desejo. — Então, minha linda, existe algum motivo em especial pra você ter vindo visitar a sua velha depois de tanto tempo longe?

— Quando a senhora fala assim, me sinto uma péssima neta. — Sopro o conteúdo do objeto de vidro e observo ela se servir.

— Você é a melhor neta que eu poderia ter tido, principalmente porque não se parece em nada com a desgraçada da sua mãe. — Vovó Olivia sorri, meiga.

— Não faz mal falar assim dos mortos? — Como uma garfada.

— Do jeito que Lucy era, ela deve rir de nós duas no colo do diabo. — Me engasgo ao ouvir, em seguida solto uma risada. Vovó é excêntrica, como dá pra se notar. — Falando sério, o que te trouxe aqui?

— Além dos biscoitos de ameixa? — Sorrio.

— Além dos biscoitos de ameixa.

— Ah, vovó... — Suspiro e miro a pequena janela que se encontra ao meu lado. — Eu fiquei com saudade da segurança que eu sentia quando vinha visitar a senhora.

— Há algo te fazendo se sentir insegura ou ameaçada? — Miro os olhos castanhos da idosa e por um momento penso em contar, mas não consigo verbalizar.

— A vida me faz sentir tanto insegura, quanto ameaçada. — Sorrio pequeno.

— Podemos fazer os biscoitos depois do almoço, juntas. — Ela pega na minha mão sobre a mesa. Me sinto menos tensa, apesar do que me aflinge.

Depois de comermos, vovó sugere que vejamos um dos álbuns de fotografia que ela tem guardados antes de partir para os biscoitos, pois não descansar depois de uma refeição faz mal, segundo ela.

Estamos folheando as páginas com fotos antigas, a maioria é da minha mãe e do casamento dos meus avós.

— Você sente muita falta dele? — Digo, ao observar uma pequena imagem do meu avô vestindo suspensórios. Ele morreu quando eu era pequena, então não me lembro muito bem dele.

— Todos os dias. — A idosa suspira.

— Como ele era, vovó?

— Ah, Charles era incrível. — Ela diz, com um olhar sonhador. — Ele nunca trabalhava até tarde, porque dizia que nada era mais importante do que dar um beijo de boa noite em mim e na sua mãe. Nunca fumava perto de nós, apesar de ser viciado em nicotina. Ele era bom em tudo o que fazia e todo mundo gostava dele. — Olho para a idosa, ao passo em que sorrio. — O dia em que ele me pediu em casamento foi o dia mais feliz da minha vida, logo depois do dia em que a sua mãe nasceu.

— Pensei que a senhora...

— Lucy era uma vadia, — Ela me interrompe. — mas eu a amava. Ela foi o fruto do meu amor com Charles e quando ele se foi, o que me manteve são foi sentir que, de alguma forma, ele ainda estava vivo nela. — Minha avó me encara. — Os filhos são uma benção, Kaia.

— Do nada. — Solto um risinho, acima de tudo, nervoso.

— Você sabe o porquê de Lucy ter sido uma péssima mãe? — O olhar dela é profundo.

— Não, qual é?

— Ela via o seu pai em você. — Ao ouvir isso, me ajeito no sofá e fecho o álbum de fotografias. Não gosto de falar sobre o meu pai. — A sua mãe era nojentinha por si só, mas olhar pra você e ver quem as abandonou era demais pra ela.

— Então a culpa era minha? — Questiono.

— Não, a culpa foi dela e dele. — A idosa segura a minha mão. — Dela por escolher um homem de personalidade duvidosa e dele por ser um merda. — Apesar de vovó falar de um jeito engraçado, não sinto vontade de rir.

— Vamos parar de falar de coisas desagradáveis, por favor? — Suplico e minha avó assente, em seguida se levanta e faz menção de ir até o seu quarto. Entretanto, ela para no meio do caminho.

— Já que mencionamos o seu avô, por onde anda o Corbyn?

— Ah, ele mora bem perto da minha casa e nós nos falamos todos os dias. — Sorrio. — Mas, o que ele tem a ver com o vovô? — Juro que os olhos de vovó Olivia brilham, ao que ela levanta o canto do boca, em um sorriso de lado.

— Se há um homem que faria questão de te dar um beijo de boa noite todos os dias, esse homem é o Corbyn, querida. — E então, seu sorriso aparece por completo. — Não o perca de vista.

𝒄𝒍𝒊𝒄𝒉𝒆 ↺ corbyn bessonOnde histórias criam vida. Descubra agora