Quinta página

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Eu vi o dia chegar e junto com a claridade veio também a esperança de que alguém me achasse ali.
Eu tentei me mexer, me arrastar, mas não conseguia. Meu corpo doía tanto, mais tanto que em vários momentos eu acho que só apaguei por conta da dor.
Ainda estava enxergando embaçado, acho que por conta das pancadas que levei nos olhos. Sentia a presença do cachorro ao meu lado, ele chegou a deitar bem encostado em mim. Na maior parte do tempo só consegui ficar com os olhos fechados mesmo estando consciente.
Nas primeiras horas do dia senti muito frio. O sol estava fraco e como tinha chovido a temperatura estava baixa.
Ouvia o movimento na rua distante. Estava com fome, com sede, com frio. Há dias que eu não comia e bebia nada.
O tempo passou, o sol foi embora e a escuridão da noite mais uma vez me abraçou. Meu corpo tremia e não havia um pedaço em mim que não estava doendo.
Eu tenho certeza que enlouqueceria de tanta dor.
O cachorro tinha saído há algum tempo, pensei que ele também havia me abandonado.
Quanto tempo eu ainda aguentaria? Já estava exausta.

Perdi totalmente a noção do tempo. Não sabia mais se ainda era a mesma noite que fui deixada ali, se havia se passado outra. O cachorro apareceu, ele sempre voltava. Ouvi seus latidos e passos se aproximando. Perdi a consciência. Pensei ter sentindo uma mão segurando a minha, tentei fazer força, apertar, mostrar que eu estava ali, mas não era real.

Aquela dor insuportável havia sumido, a dor que eu sentia agora estava mais leve. Ouvi muitas vozes estranhas, mas teve uma que sempre se repetia. Ela ia e voltava. Uma voz de homem, grave, dizia que eu não estava sozinha. Por várias vezes tentei abrir os meus olhos, no entanto eu estava tão cansada.

As paredes extremamente brancas faziam com que a claridade ficasse ainda mais forte. Tentei me mexer para observar melhor o lugar onde eu estava, mas senti uma dor na barriga e desisti.
Tudo muito quieto, a cama era confortável, lembrei do chão duro e fedido que fui deixada. Reparei meu braço que está engessado, lembranças começaram a aparecer. Muita dor, frio, um cachorro...

Minha garganta estava doendo de tão seca. Tentei abrir a boca e falar alguma coisa e foi quase impossível. De repente uma moça toda de branco apareceu e me ofereceu um sorriso.

— Seja bem-vinda! Finalmente você acordou! — Tentei falar de novo e só saiu um gemido. — Você quer água? — Confirmei balançando a cabeça e ela me ajudou a beber um copo cheio.
Respirei fundo.

Eu estava viva!

Como isso era possível? Me lembrei de tudo que aconteceu e senti meu corpo tremer. Apertei os olhos com força tentando espantar as lembranças. Eu não queria me lembrar do que ele fez comigo. Não queria me lembrar daquele lugar escuro, do frio, da dor...

Mais pessoas de branco entraram no quarto e começaram a mexer em mim. Senti um pouco de dor e fiz tudo que me mandaram.
— Qual seu nome? — Uma mulher que se apresentou como a médica que cuidou de mim perguntou.
— Marina.
— Bem, Marina, você chegou aqui muito machucada. Ficou alguns dias dormindo se recuperando. Nós fizemos tudo que foi necessário para que você ficasse bem...

Por muito tempo ela me explicou tudo que aconteceu desde que fui trazida até o hospital. As lesões que eu sofri, o risco de uma cirurgia, transfusão de sangue, as escoriações. Um rapaz me levou até o hospital e vem me visitando todos os dias. Será que a voz que eu ouvia era dele?
Por que ele vem me ver?
Sem dúvida alguma, não sei como ele me achou, mas se não fosse sua ajuda eu teria morrido naquele lugar.

Após conversarmos e ficar a par de tudo que aconteceu comigo nos últimos dias, fui deixada sozinha no quarto.

Mesmo estando medicada ainda sentia dor na barriga, a médica me explicou sobre a lesão que sofri no baço. Com esse pensamento as lembranças quiseram me dominar, mas não permiti.
Não sei como, nem o porquê sobrevivi àquilo tudo. Em vários momentos pensei que fosse morrer. Eu desejei, eu implorei pela morte.
Talvez a minha fé seja muito pequena, talvez eu não seja merecedora de nada.
Entretanto eu pedi pra que Deus me levasse. Pra que me livrasse daquela dor, e o que Ele fez? Nada.
Me sentia um nada.
Sozinha, completamente sozinha, naquela cama de hospital.

Marina (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora