Wolf Like Me

A mente

Esperei que minha mãe me surpreendesse logo na entrada de casa, mas ela demorou alguns minutos para notar a minha presença ali. Foi o tempo de eu tirar o meu casaco e chegar até o pé da escada e ela apareceu no alto dos degraus, o par de óculos na ponta do nariz e segurando um punhado de folhas que pareciam ser algum artigo que ela estava lendo.

- Blair?! - ela pôs as mãos na cintura e me encarou de cima, fazendo eu me sentir minúscula. - O que você está fazendo em casa?

- Eu vim de Uber - menti, aquela era a primeira história que tinha surgido na minha cabeça. - Eu não queria te incomodar de novo.

- Você veio noventa quilômetros de Uber, Blair? - minha mãe parecia brava, mas não descrente, o que era bom sinal. Era melhor que ela ficasse irritada do que me pegasse mentindo como sempre.

Dei ombros fingindo desinteresse, afinal se eu insistisse demais talvez ela começasse a desconfiar. Subi as escadas e parei ao lado dela e balancei as poucas sacolas que levava comigo.

- Fiquei entediada lá, eu só não quis te chamar depois de tão pouco tempo.

Minha mãe não respondeu, mas ela continuou me olhando de um jeito impaciente. Se fosse uma situação normal eu continuaria implicando com ela e perguntaria por que ela estava tão brava se eu tinha poupado o tempo e a gasolina dela, mas obviamente não era o caso.

Dei as costas e fui em direção ao meu quarto; pela visão periférica percebi que ela voltou para o escritório de tio Gabe e deixou a porta entreaberta. A primeira parte do meu plano foi feita com sucesso, então.

Eu só precisava ganhar um pouco de tempo. Eu havia pisado em casa há menos de dois minutos e não dava para simplesmente sair num rompante de novo, então decidi fazer o que qualquer pessoa em pânico pela própria integridade faria: tomei um banho.

A ansiedade de ter sido pega no flagra fazendo a coisa mais errada do mundo me consumia de um jeito que eu não conseguia controlar a minha respiração. Talvez aquilo fosse um ataque de pânico. A água quente que caía do chuveiro não me acalmou como normalmente acontece em livros e filmes em que a personagem principal precisa de um tempo para si mesma e tenta colocar os pensamentos no lugar. Percebi que eu havia parado de respirar embaixo d'água para tentar fazer aquela sensação horrível ir embora, mas é claro que não estava dando certo.

Há meses eu não me preocupava com a minha aparência e eu só fui notar isso quando me olhei no espelho naquele instante. Não havia nada que me desagradasse, muito pelo contrário, mas eu já tinha sido mais vaidosa. Também não entendi porque esse pensamento tinha me ocorrido logo naquele instante; talvez tenha sido um lapso que estava preso nos últimos tempos e foi aparecer bem ali numa hora de desconforto absoluto. Resolvi atender ao que eu estava sentindo e penteei o cabelo com cuidado, e ter prestado atenção em uma coisa tão simples pareceu desacelerar o meu coração por enquanto.

Troquei de roupa rapidamente buscando por algo que atendesse à minha única prioridade que era me aquecer no frio do entardecer que já já começaria. Enquanto me arrumava comecei a ensaiar mentalmente a próxima parte da história e essa sim teria de ser extremamente convincente.

Peguei o meu celular, coloquei-o no bolso de trás da calça jeans e fui em direção ao escritório de tio Gabe. Minha mãe estava ali inclinada sobre um arquivo, a luz amarelada da lâmpada e azulada do computador fazendo um contraste curioso no seu rosto sério. Bati na porta encostada antes de entrar, mas não esperei que ela respondesse.

- Acho que vou precisar do carro, afinal de contas - eu disse ao entrar no escritório. Minha mãe levantou o olhar da mesa e me encarou. Balancei o celular ligado na minha mão como se fosse uma prova incontestável. - Kim me mandou mensagem pedindo ajuda com um trabalho da escola.