Brilho eterno

547 38 27
                                        

O que você faria se pudesse voltar para um momento no passado? Mudaria alguma coisa ou faria tudo igual? Eram as questões que eu sempre via em posts pseudo-filosóficos na internet que as minhas colegas de turma postavam no Ensino Fundamental como se todas nós aos 13 anos tivéssemos muita vivência para poder se arrepender.

Entretanto, aquela era uma questão muito mais acessível ao meu toque mundano considerando as duas influências que imperavam sobre o meu corpo e mente naquele momento, a sobrenatural e a alucinógena. Não havia limite para o meu conhecimento. O planeta Terra tem quatro bilhões e meio de anos. O universo, de acordo com as concepções humanas, treze bilhões. Mas eu estava interessada em um intervalo de tempo mais do que microscópico em relação a esse infinito, a partícula do átomo dentro da imensidão de memórias. Dezessete anos de história nessa encarnação.

Quando eu caí de paraquedas naquela cena senti como se eu fosse um personagem não jogável dentro de um video game ultrarrealista; aquela era a minha memória, o meu corpo, as minhas sensações e percepções, mas eu não tinha nenhum controle sobre os meus atos, apenas sobre a minha consciência. Era como se eu observasse toda a ação de dentro para fora e não pudesse mudar absolutamente nada na cena de um filme em que eu era a personagem principal.

Enxerguei e senti o meu corpo no banco de trás do carro de Dan. Eu estava espremida entre Cat e Liv, ambas tão apreensivas quanto eu, mas elas exalavam confiança e determinação. Eu me lembro de me sentir como um cordeiro indo para o abate. Aquelas roupas me causavam uma sensação estranha até que olhei para baixo: uma calça cujo tecido talvez não me permitisse caminhar, botas de salto que me deixavam com o dobro da altura e uma blusa que mal era um sutiã eram o meu "figurino" escolhido. Mais um motivo para não me sentir como eu mesma.

- Me lembrem mais uma vez por que é que eu tenho que fazer isso? - minha voz saiu automática sem que eu tivesse controle das minhas palavras.

Eu entendi o que estava acontecendo. Minha consciência estava se escondendo atrás da outra, incapaz de modificar o que eu fazia no passado, mas ainda ciente de todos os meus atos e reflexos daquela noite - como se eu estivesse programada para fazer tudo aquilo. Todas as lembranças que eu havia reprimido daquela época porque eram ruins ou boas demais vieram à tona de uma só vez.

- Porque eu nem sequer tenho cara de hétero e essa aqui chora à toa - Liv indicou a si mesma e depois apontou para Cat ao meu lado, que assentiu ao invés de se sentir ofendida. - Blair, já repassamos isso mil vezes!

Não precisei erguer o meu rosto para saber que Dan estava no banco do motorista e Eric também estava ali ao seu lado. Eu mal me lembrava de suas feições antes da transformação, mas era notável que o processo já havia começado: seus cabelos ainda conservavam o corte comprido até o queixo e havia qualquer traço levemente infantil em seus olhos, mas parava por aí.

Meus olhos naquela memória não se demoraram em Eric, então eu não pude análisá-lo com tanta atenção. Cat puxou o meu rosto para colocar o toque final na maquiagem, o seu batom rosa cereja preferido. Revirei os olhos enquanto me sentia refém daquilo, mas acabei rindo. A encenação tinha tudo para ser uma noite divertida entre amigos se não fossem os detalhes sobrenaturais que permeavam algumas das nossas existências e o nosso propósito por ali.

- A minha obra de arte! - Cat exibiu o meu rosto que queimava de nervosismo.

- Você está linda - elogiou Dan com entusiasmo. - Se fosse a minha praia, eu pegaria você sem pensar duas vezes - ele disse com convicção e todos no carro riam como se aquela fosse uma piada recorrente, apesar de eu não me lembrar de nada parecido. - Liv, se ela não fosse sua prima...

- Como você é perturbado, Daniel! - Liv imediatamente se levantou do banco para empurrá-lo com o máximo de força que conseguiu. Dan não se deixou abalar, ele só queria fazer a brincadeira para chocá-la de propósito e conseguiu.

Wolf Like MeOnde histórias criam vida. Descubra agora