Deixe-os em chamas

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Eric

30 de outubro

Três meses haviam se passado desde a última vez em que eu tive uma preocupação que pareceu real e não nenhum drama bobo e agora eu poderia até antecipar uma data que antes me soava loucura ansiar que ela chegasse. Esse período que realmente eu senti como se fossem férias foi a coisa mais importante que já tinha me acontecido na vida, porque eu nunca tive tempo para pensar em mim e para criar consciência de quem eu sou até então. Sempre havia um dever a ser cumprido, uma urgência que demandava ação, o perigo a ser combatido; e com isso eu deixava cada vez mais de lado a tarefa de voltar a minha atenção para mim mesmo.

É claro que eu não inventei isso sozinho. Minha irmã não sabe, mas eu roubei um dos livros dela sobre meditação e era isso que estava escrito logo nas primeiras páginas. Quanto mais você tem consciência das transformações do mundo externo, melhor você entende o seu ser interno e como as duas dinâmicas se encontram no meio do caminho. Por quase um ano eu fui praticamente escravo de um destino sobrenatural que veio cheio de obrigações arriscadas e que não diziam respeito a mim, mas eu me senti compelido a cumpri-las de qualquer forma. A própria Blair chamou isso em um de seus diários de mentalidade de bando, e ela estava certa. Eu não fui uma pessoa nos últimos tempos, e sim um número em um grupo. Mas eu passei pelo meu período de descanso e logo completaria mais uma volta em torno do sol.

As coisas ruins não haviam acabado. Os demônios não haviam morrido, só estavam minimamente adormecidos e era questão de tempo até o sonífero se esgotar. Para isso eu me sentia preparado e sabia que não era o único.

Mas o que mais me importava era que eu tinha que chegar logo ao ponto do autocontrole. As transformações involuntárias nunca foram um problema porque a responsável por carregar o gene da raiva era Blair, é claro. Mas aquele patamar elevado em que eu não precisaria mais da alcateia para existir no mundo era simplesmente o meu nirvana pessoal.

Não havia nada de errado com nenhum deles. Talvez com Jacob, mas é só porque ele tinha uma carga dramática muito maior do que a de qualquer pessoa que eu já havia conhecido, e também porque eu passo mais tempo que o necessário convivendo com a presença dele. E tenho acesso aos pensamentos que eu, Eric, não deveria tomar conhecimento. Não quando se tratam da minha irmã gêmea. Acho que vou passar mal.

Mas ninguém nunca era de todo ruim. Sempre me senti parte de uma família muito mais do que na minha própria casa, mas faltava alguma coisa. E a minha atual teoria era de que eu seria mais feliz se eu conseguisse superar a necessidade de pertencer a qualquer lugar, inclusive ao grupo que era a minha referência de fraternidade, e voltasse a ser um indivíduo. Eu não me importava com a perda de poderes, de agilidade e força. Era um fardo que eu abriria mão se pudesse escolher se isso significasse o fim da minha crise de identidade tão prematura.

Eu poderia pedir ajuda a Blair se ela não fosse tão convencida. Quando ela precisa pedir um favor ela quase morre por dentro, mas se eu a procurasse pedindo qualquer tipo de guia e orientação é capaz de nunca mais ouvir o fim do discurso que ela faria para enaltecer a si mesma. Tudo bem, pode até ser verdade, ela estava ficando muito boa em tudo que tentava, mas não acho que ela precisa ser completamente esnobe. Nesse sentido éramos totalmente opostos; quanto mais inebriada de poder era melhor para ela, enquanto eu ainda guardava esse segredo sobre querer ser "normal". Seja lá o que signifique.

Mas o que quer que tenha mudado desde o fatídico dia dos recém criados, eu agradecia porque as nossas discussões cessaram e chegaram ao ponto do tolerável. Ela não parecia mais tão determinada a tornar o nosso aniversário não compartilhado um evento completamente centrado em sua mínima vergonha e mal falou sobre o assunto nos dias que se antecederam. Quem sabe assim eu teria uma chance de celebrar a minha vida por conta própria.

Wolf Like MeOnde histórias criam vida. Descubra agora