Rigor mortis

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Eric

O gosto da vitória era difícil de engolir e a luz no fim do túnel na verdade era um trem.

Quem sabe se eu fosse racional aquela perda não doeria tanto e por isso eu não sentia o mesmo que Catherine parecia experimentar. Era difícil tirar os olhos de seu rosto vermelho em sangue vivo e escuro que não parava de escorrer; um rio de lágrimas sobrenaturais do corpo que também já havia morrido, mas encontrara uma maneira de permanecer na terra. Os braços de Blair abafavam o ruído de lamentação da vampira tão jovem que eu conhecera a minha vida inteira e que agora tinha uma eternidade estagnada no ápice de sua beleza e saúde.

Dentre todos nós, eu tinha muita sorte. A mentalidade de bando fazia com que o sofrimento fosse compartilhado. Qualquer fardo que eu tivesse de carregar, eu não o faria sozinho; meus irmãos mágicos estariam comigo para dividir o peso da perda de um ente querido, por mais que Harvey não fosse a pessoa mais próxima do meu convívio. Ainda assim era uma morte que eu sentia, mas agradecia mentalmente por não ser o único a tolerar a ausência.

Nunca estive em um enterro. Tive uma vaga lembrança de uma avó materna e um avô paterno, mas tão breve como eles estiveram ali, no outro momento eles foram embora. Talvez na época meus pais achassem que éramos pequenos demais para entender o que era a morte ou mesmo que pouco nos faria diferença. Anos mais tarde, ela passou a fazer parte da nossa rotina a ponto de termos que driblá-la constantemente. A morte veio personificada na forma dos nosso inimigos e em seus meios de ação.

Blair também estava perdida. Ela tentava apoiar - literalmente - Cat enquanto chorava copiosamente, mas seus olhos estavam completamente alheios de qualquer emoção. Ela não se demorava observando cada um dos vários presentes dispostos na sala, todos calados e ouvindo as queixas doloridas de Catherine. Aquilo parecia um velório, mas velórios acontecem depois do sepultamento de um corpo - quando existe um para ser enterrado, o que não foi o caso. Pessoas conversam durante velórios, trocam histórias sobre a pessoa que partiu, falam mal sobre o morto. Eu tinha um grande repertório de insultos a respeito de Harvey que acumulava nos últimos três anos, mas não estávamos em um velório. Só estávamos em casa sem saber o que fazer.

Talvez o problema fosse exatamente racionalizar demais enquanto eu deveria me entregar às emoções. Harvey não voltaria mais, não importava o quanto o procurássemos pelo mundo e o esperássemos regressar. Quantas eram as fases do luto? Havia uma chamada depressão ou isolamento e última era a aceitação. Era possível se sentir indiferente?

- É verdade?! - a voz alarmada de um dos meus pais na porta de casa me surpreendeu enquanto eu tentava suprimir os meus pensamentos. Não sabia a quem minha mãe se dirigia, mas fiz que sim. Qualquer que fosse sua pergunta, infelizmente a resposta era afirmativa.

Meu pai tentou alcançar Blair, mas ela fez que não com o rosto e indicou Cat presa em seu abraço. Ele e minha mãe, então, foram até tio Gabe que estava com Calvin acordado ao seu lado. Pensei que mandariam que ele fosse para o quarto para não lidar com esse tipo de coisa, mas estava enganado. Minha mãe apenas o segurou pela mão com força e o reconfortou com algumas palavras. Era bom que ele fosse esclarecido desde cedo.

- O que fazemos agora? - minha mãe perguntou, manifestando a dúvida que estava na cabeça de todo mundo ali.

- Sam e mais alguns ainda estão procurando por aquele... - Embry tentou explicar, mas bastou um vislumbre de Cat soluçando e ele deixou a frase morrer. - Acho que temos que esperar pelo melhor.

Pensei que Blair fosse se segurar para não explodir de qualquer coisa ruim, mas ela continuava impassível.

- Temos que abrir espaço para mais alguém aqui em casa - anunciei.

Wolf Like MeOnde histórias criam vida. Descubra agora