Capítulo 3

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Lyra 

Acordei com meu estômago implorando por comida. Ontem não ousei comer aquela que a sentinela havia pisado e estragado. Além disso, eu sabia que nada pararia em meu estômago naquele momento. 

Até chorar era exaustivo demais.

Quando acordei já havia uma nova refeição me esperando. Devorei o pão com apenas três mordidas, depois minha atenção foi para um prato com um mingau, não pude evitar a cara feia ao olhar o que estava em minha frente. Minha mente logo começou a pensar no que aquele mingau teria sido feito, foi então que meu corpo começou a reclamar...mandei cada pensamento embora e então comi aquela refeição estranha como se fosse um banquete dos deuses. 

Não havia nada com que pudesse ocupar a minha mente, no começo, eu ficava sentada e chorando ou dormindo e chorando. Ficava pensando em mil maneiras de vingança. Lembrava repetidas vezes dos gritos de minha mãe. 

Tudo aquilo me causava tanta dor e tanto sofrimento que um dia me obriguei a não pensar mais nela. Me obriguei a não lembrar de nenhum dos lindos momentos que vivemos juntas. Minha mãe era uma fêmea muito amável. Ela me acolheu em sua casa quando ainda era uma bebê indefesa. Me criou e cuidou de mim como sua filha. Eu não tinha mais nada que me lembrasse dela a não ser um bracelete que ela havia me dado, eu nunca o tirei, era o que me ligava a ela. Eu era sua única filha e também sua única companhia. Eu sempre soube que não tínhamos o mesmo sangue, nunca fora um segredo, até porque minha mãe não era nada parecida comigo. Ela não tinha pele e traços parecidos com os meus. Minha mãe era uma feérica inferior.  

Nunca soube do meu passado, nunca o conheci, sempre que perguntava sobre ele, minha mãe dizia que não importava.

Preocupe-se com seu presente e com o seu futuro. O passado ficou para trás...viva sua história atual e construa aquela que está por vir. 

E em seguida beijou minha testa. Então o carinho fazia com que eu desistisse de perguntar...

Minhas lembranças foram interrompidas por um macho entrando em minha cela. 

Revirei os olhos quando reconheci que era Eris quem entrava em minha cela. Depois que descobriu minha existência, suas visitas ficaram frequentes.

-Vejo que hoje resolveu ao menos comer – Disse Eris já dentro do lugar.

- O que quer aqui?

- Conferir se estava desfrutando da sua refeição – o sarcasmo em sua voz fez com que eu tivesse vontade de voar em seu pescoço.

Respirei fundo. 

- E isso seria do seu interesse por acaso?

Ele deu um sorriso debochado.

- É quando eu desperdiço alimento com uma fêmea tão insignificante como você.

- Porquê me mantém viva já que sou um ser tão insignificante?

- Faço a mesma pergunta a ele todos os dias – respondeu friamente. 

Eu o encarei com tanto ódio e fechei minhas mãos com tanta força, que fiz minha pele sangrar com as unhas cravadas nela.

- Porque não acaba com isso logo? – Perguntei- O que querem comigo que me mantém presa nessa porcaria há tantos anos?

Depois do quinquagésimo ano, eu parei de contar.

Ele não respondeu. 

Fervi de raiva. 

- VAMOS! – Gritei – Responda...o que querem comigo?

Ele me encarou e deu de ombros. 

- Sei tanto quanto você...

- Então você é tão insignificante quanto eu – rebati depressa. 

Não tive medo de nenhuma consequência que poderia vir a seguir. 

Eu queria provocá-lo até ele não suportar o ódio que crescia dentro dele. 

E para falar a verdade...Eris não me assustavam. 

- Cuidado como fala comigo – seu rosto começou a ficar vermelho. 

Estava conseguindo.

- Por que? Se você não tem coragem para desobedecer seu querido pai e Grão-Senhor...- eu iria desafiá-lo- Provavelmente não teria coragem de fazer nada comigo também. 

E não teria mesmo. 

Eu sabia. 

Eris não parecia ser do tipo que confrontava o pai. Se eu era algo tão importante quanto parecia e o filho fosse burro o bastante para relar em mim...O Grão-Senhor não hesitaria em puni-lo. 

Julgando pelo o que fez com o filho mais novo a anos atrás...

Beron não aparenta ser o tipo de pai acolhedor. 

- Se o seu doce pai...- me aproximei – se ele não confia em você ao menos para contar o que quer comigo...quem dirá ele deva confiar em você para comandar tudo quando ele finalmente – quase suspirei ao pensar quando esse dia chegaria- não existir mais. 

Ele fechou as mãos com força. 

O seu olhar fervilhava de raiva. 

- Então... isso com certeza te faz ser insignificante. Mais insignificante do que eu...

Eris se descontrolou. 

Ele ergueu uma das mãos e então eu esperei..., mas algo pareceu mudar no corpo de Eris e ele abaixou a mão bufando.

-Nem tente...- tentei dizer.

- Basta! – Ele falou – Desfrute desse buraco frio e que é o seu lugar. 

Eris saiu batendo a porta da cela. 

Eu ainda estava com raiva quando peguei o prato e lancei contra a parede e observei explodir contra a parede. Encarei os seus estilhaços espalhados por toda a cela. Pensei em como aqueles pedaços quebrados eram um reflexo de mim. 

Sozinha na cela e agora encarando o dia pela pequena janela, eu dei de ombros para a tristeza e o medo e a raiva. Eu precisava lutar... 

Decidi que lutaria com todas as minhas forças. Ele não me venceria...não mais.




Escrito por Julia.

Espero que gostem...amanha posto mais um 😍

Beijos ❤️ 

Corte de Sombras e EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora