XVIII- Memórias

28 2 0
                                    

 La vai a pura inocência do herdeiro mais uma vez. Já posso esganar meu suposto parente?

— Pois são irmãos meu pequeno príncipe. — Naukar fala em um tom doce e calmo que quase me convenceu que a ideia não era tão ruim. O mesmo não parecia se aplicar ao herdeiro, vossa Alteza a encarava de boca aberta e olhos úmidos prestes a começar uma cachoeira. Como se Naukar fosse um anjo anunciando o fim do mundo. Eu quem deveria estar a chorar! 

— Naukar! Eu não quero ser irmão dessa criatura malvada! - Do que vossa Alteza me chamou! Se laços de sangue fossem tão fáceis de se quebrar nunca teria existido um para começo de conversa!

— Como ousa... - Proclamo irritado.

— Eu vou... Ser o irmão dele para sempre? A Harika também?...- Oh Não! Vossa Alteza começou a chorar. Ele soluça enquanto olha para mim com aqueles olhos laranja-avermelhado. Se você parar para olhar bem para o herdeiro, éramos até que bem-parecidos, a cor dos olhos o formato de nossas bocas e seu nariz... está escorrendo. Isso é nojento demais, estou com náuseas.

Eu olho para Naukar em busca de socorro, mas ela parece ocupada demais contendo o riso. Espero que tenha sucesso, o príncipe começaria a espernear ainda mais se ela começasse a rir. Tarde demais. Naukar cai da cadeira em uma crise de riso enquanto aperta a barriga. O herdeiro pára de chorar por um tempo a observar a reação da criada para depois curvar seus lábios para baixo e se jogar no chão chutando e socando o ar. Seu muco se mistura com suas lágrimas e saliva e cai na sua boca, ele engole. Eu tapo minha boca e tento fazer com que a minha última refeição não volte para fora. O gosto de ácido gástrico fica na minha garganta e eu me encolho tentando aliviar o enjoo. Naukar pára para olhar o que estamos fazendo e cai em uma segunda crise de riso, eu estou ficando louco nesse manicômio. O príncipe grita, Naukar ri, um gato mia, a baba-muco-lagrima é esfregada no meu tapete, meu estômago se revira. Eu vou vomitar.

Eu saio de fininho da cozinha e lentamente subo para o lavatório enquanto escuto os choros e risos diminuírem. Era um cômodo feito para lavar legumes, roupas e conseguir água limpa. Composto de um simples poço dividido em duas partes, um para água limpa que vem do rio e outro para água suja que vai para o sistema de esgoto debaixo de Camelot. Era um lugar calmo, limpo, fresco.

Eu jogo água no meu rosto e me sento para me acalmar. Viver uma vida pacífica e boa? 

Quando era menor havia começado lentamente a perceber que não era como as outras pessoas, com as crianças eu nem me comparava. Podia escapar do trabalho árduo usando minha inteligência. Viver em paz para sempre não parecia um objetivo tão difícil. Todos eram tão burros, manipuláveis, nenhuma força, riqueza ou influência poderia me deter.

Mas conforme cresci comecei a perceber que pelo vasto mundo havia muitas pessoas como eu, ou até melhores. Elas não estavam do meu lado. Tinham seus próprios objetivos e valores. Me usariam como fazem com todos os outros. Mas eu só precisava crescer! Aprender! E ultrapassaria-os! Mas agora? Deixar que me usem e tentar tirar o melhor disto parece ser a única opção. Bem não posso ser tão apressado, ainda há o relato do herdeiro que preciso contestar. Esperar que algum ponto esteja fora de ordem será minha melhor chance.

Eu levanto limpando o pó de minhas roupas. Já e estou me sentindo muito melhor. Deixo o pequeno cômodo para trás e me dirijo a cozinha novamente. Tudo estava calmo e em silêncio.

Ao abrir a porta da cozinha encontro o herdeiro de olhos vermelhos novamente no colo de Naukar que havia finalmente se recuperado da crise de riso. Ela balançava-o lentamente em seu colo.

— Veja quem chegou, está se sentindo melhor? Posso preparar uma mistura de ervas se quiser.—Como esperado, mesmo depois de rir da nossa cara até cair ela age com gentileza. Mas isto não é suficiente para curar meu ego ferido.

Herdeiros de TheiaOnde histórias criam vida. Descubra agora