19. Silêncio

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Léo tamborila os dedos no colchão, repetidas vezes, os olhos vasculhando o vazio de forma perdida. Está sentado no chão, descalço, usando apenas a camiseta e calça do uniforme, sem a jaqueta, sem crachá, sem botas. Os olhos cansados, pois ele não conseguira dormir: sempre que fechava os olhos a imagem de Lucas morrendo lhe assombrava. E as luzes vermelho sangue.

Sara havia aparecido duas ou três vezes. "Admita". "Por que você os matou?". "Você será colocado na Geladeira e terá que responder por isso em Marte". "O que Sol e Lucas sabiam?".

O que Sol e Lucas sabiam?

O próprio Léo se fazia essa pergunta, repetidas vezes. Ele andava pelo quarto agora vazio, já que haviam esvaziado o dormitório de Sol antes de prendê-lo lá, e ficava pensando nisso. O que seria tão secreto que fizera alguém matar Sol... E Lucas. E por que Sol conversara com Lucas, e não com Sara, sua segunda em comando? Wilson estaria certo, e tudo não passava de uma armação do Exército, um plano para tomar a NewSpace?

 - Você, assim como eu, podia ter matado os dois. - ele havia dito, num dos interrogatórios de Sara. - Podia ter pego o soro sem ninguém ver e entrado no quarto de Sol. Podia ter ameaçado Lucas de alguma maneira... Mas você está no poder, não é? É isso que importa.

 - Eu não tenho motivo. - dissera ela.

 - E eu também não. O motivo pelo qual me prendeu não tem nada a ver comigo.

E ela se fora, a porta fechando atrás de si outra vez.

Quantas horas ele estava ali? Provavelmente já passara de um dia, talvez dois... Ele podia ter contado pelas refeições, mas elas eram entregues de forma irregular por Laura. E Laura não era de falar muito.

Léo suspira e deixa o corpo escorregar no chão, caindo deitado. Silêncio. O quarto em silêncio, como o espaço. Nenhum som entrava ali. E nem uma pessoa específica havia entrado; alguém que ele esperava ser a primeira a aparecer...

Com um ruído baixo, as portas do dormitório se abrem.

 - Hugo! - exclama Léo, vendo o soldado na porta. Ele se levanta, enquanto Hugo entra. As portas se fecham atrás dele e de repente Léo está em seus braços, abraçando-o forte, um corpo colado no outro, o rosto em seu pescoço. - Hugo...

Hugo aperta Léo. Ele sente uma agitação no peito, um sentimento estranho. Culpa, talvez? Por não ter estado ali antes. Por não ter tido coragem para estar ali.

 - Me desculpa. - diz, baixinho. - Me desculpa... Por não vir antes, eu...

 - Esquece. - Léo o interrompe. Ele podia estar chateado, mas só ao ver Hugo tudo fora embora. Era como se sentir aquecido por dentro depois de todo aquele tempo sozinho.

Léo o puxa e sentam na cama. Hugo percebe as olheiras, o modo fraco como ele o segura. Ele nem sabe se o estão alimentando bem.

 - E então...? Como estão as coisas? - pergunta Léo. Ele quer saber o que está acontecendo lá fora. Tinha esperanças de que alguém negaria a teoria louca de Sara. Mas o olhar que Hugo lhe dá não é animador. Hugo está triste.

 - Você não quer saber. - ele diz.

Léo engole em seco. Seus olhos abaixam até as mãos de Hugo, que seguram as suas.

 - Eles acreditaram.. - sussurra, e Hugo assente. Há algum tempo de silêncio entre eles. Léo funga. - Então é isso. Eu vou sofrer por algo que não cometi.

 - Você está sofrendo por algo que não cometeu. - ecoa Hugo, mas corrigindo-o. - Não vai ficar assim.

Ele percebe que Léo está fugindo de seus olhos. Levanta as mãos, segurando o rosto dele e virando-o para si. Firme, porém gentil. Os olhos de Léo estão marejados.

 - Eu não acredito neles. - sussurra Hugo, de alguma forma tentando apoiá-lo. - Eu sei que não foi você.

Léo dá um sorriso triste e fraco. Hugo lhe dá um beijo leve e depois aconchega Léo em seu peito. E assim, Léo adormece em seus braços. Hugo olha para ele, acaricia seu rosto e se recosta na parede arranjando uma posição melhor. E dorme.



Quando Hugo sai do quarto, horas depois, ele encontra Ruth, parada no corredor, o que o pega de surpresa. Ela o olha com uma expressão acolhedora que somente Ruth é capaz de fazer.

 - Precisa tomar cuidado. - diz.

 - Eu não tenho medo dele. - retruca Hugo.

 - Não estou falando dele.

Ruth se aproxima, o pega pelo braço e o puxa pelo corredor. Hugo estranha a atitude dela.

 - Wilson e Onyx ambos estão com isso na ficha. - ela diz. - Não quer que a mesma coisa aconteça com você.

Ele fica calado, pois sabe que é verdade. Mas...

 - Tem alguma coisa para me dizer? - pergunta. Ela não estaria esperando ele do lado de fora do quarto apenas para isso.

Ruth fala, dessa vez tão baixo, que Hugo precisa se esforçar para ouvir:

 - O nosso problema na Comunicação... Talvez não seja um problema mecânico.

AMONG US - A tramaOnde histórias criam vida. Descubra agora