34. As razões parte 1

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TERRA - SEMANAS ANTES DO TREINAMENTO

O céu noturno tem uma cor extremamente alaranjada, não só pelas nuvens pesadas mas por elas serem carregadas de fumaça das áreas de queimadas. O clima é seco, mesmo que frio, e as pessoas que não usam máscaras no rosto cobrem a boca e o nariz com lenços ou, como é o caso de Tomas, as próprias roupas têm golas que sobem para a boca e pescoço.

Ele sobe as escadas do metrô para a rua, observando a estação vazia. Usa uma toca cobrindo a cabeça, e o tecido sobre o nariz e a boca deixam apenas seus olhos visíveis: é quase impossível afirmar quem ele é apenas por sua silhueta. No entanto, ele percebe os dois homens parados em lados diferentes da estação, que o seguem conforme ele segue pela rua.

O caminho que toma se embrenha entre os prédios, se afastando cada vez mais da luz dos postes, para becos escurecidos. Ele sabe onde está indo, e também tem plena noção de que está sendo seguido. Para em frente à um portão de ferro, que guarda uma escada que desce para uma porta pequena e escondida. Ele se vira para os dois homens, que se aproximam até estar frente à frente com ele.

 - Vocês são os porteiros? - pergunta.

Os homens o encaram. Eles usam basicamente as mesmas roupas, as máscaras lhes tampando grande parte do rosto. Um deles baixa a máscara e sorri para Tomas.

 - Seu pai realmente não errou sobre você! - diz.

Tomas e o homem se abraçam. O outro cara estende a mão para Tomas.

 - Esse é o Paulo. - diz o homem que o abraçara. - Ele é enfermeiro. Vamos, não temos muito tempo aqui.

Enquanto descem na direção da porta, Tomas solta uma piada irônica:

 - É sério, Juno? Um lugar num beco, uma porta quase escondida... Nada suspeito, não é?

Juno, abrindo a porta, sorri:

 - Vai brincando enquanto pode. Como  que vai saber hoje, esse seu sorriso vai acabar bem fácil.

E ele não estava mentindo. Minutos depois, os três estavam sentados à uma mesa, assistindo à um vídeo que mostrava imagens dos laboratórios secretos da NewSpace, o que eles estavam fazendo com as pessoas. O homem que apresentava os vídeos de intitulava Doutor Leonel Brahn, um dos cientistas-chefe do chamado Projeto Marte. Brahn deixava claro que as naves Mother que partiriam dali alguns meses para a primeira missão colonizadora de Marte nada mais eram do que laboratórios de cobaias. A cada palavra que ele dizia, a cada imagem que era mostrada, Tomas sentia um pedaço de seu coração ser arrancado.

"O ser humano", dizia o Doutor. "Não foi criado para uma vida plena em Marte. Nós não respiramos aquele ar, não somos adaptados à sua natureza. É por esse motivo que dos mil e quinhentos colonos, um número denso será utilizado como matéria prima para esses estudos. Vamos identificar quais são as reações humanas à elementos vivos marcianos, vamos fazer testes no nosso sistema imunológico, e os mais arriscados: vamos identificar possibilidades de mutação genética. É por esse motivo que eu envio esses registros à vocês: eu quero que me ajudem a nos parar. Isso não é humano, isso não é correto. Impeçam essa loucura".

Quando o vídeo termina, Tomas olha para Juno. O homem, mais velho, se levanta, caminha até o canto da sala de onde volta com três copos e uma garrafa.

 - Esse vídeo foi enviado para um dos nossos irmãos e logo pensamos em uma resposta. O que nós podemos fazer para... Ao menos mostrar ao governo e à NewSpace que sabemos, e que não permitimos esse tipo de coisa.

 - Uma ordem de ataque foi dada. - diz Paulo. - E quando falamos ataque...

Ele para de falar com um sinal de Juno, que empurra um copo cheio do líquido desconhecido para Tomas. Ele hesita ao cheirar o conteúdo.

 - O que quer dizer com ataque? - pergunta.

 - A ideia é sequestrar as nave Mother. - responde Juno. - E se não for possível, destruí-las.

 - É uma missão suicida. - diz Tomas.

 - Depende do nível de sucesso. - retruca Juno. Ele encara Tomas por algum tempo antes de continuar: - Tomas, nós não somos terroristas. Não queremos amedrontar a nossa população ou instaurar o caos, mas você viu a mensagem. O que está acontecendo nas entrelinhas é o desrespeito pela vida humana, em troca de resultados para experimentos científicos dos quais o mundo não está sabendo. Nós somos nada mais que ratos de laboratório, jogados no espaço e feitos de brinquedo.

Tomas abaixa a cabeça e bebe um gole do líquido escuro. Aperta os olhos frente ao sabor amargo.

 - E como que vamos sequestrar as naves? - pergunta.

Juno suspira e se encosta na cadeira. Paulo estala os lábios:

 - Vamos matar a tripulação. - responde.

AMONG US - A tramaOnde histórias criam vida. Descubra agora