24. A comunicação (2)

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O carrinho de mecânico faz um ruído seco conforme avança pelos corredores, entre as paredes brancas e cinzas. Mas seu barulho parece mais alto, mais estridente, mais palpável, como se fosse a única coisa que Hugo conseguia ouvir naquela nave. Até mesmo seus passos estavam mais silenciosos.

O carrinho e seu barulho. Léo preso àquela cápsula, dormindo ao lado do corpo de Sol, enquanto todos o chamavam de assassino. Léo nunca fora um assassino; ele se recusava a acreditar naquilo. Mas se por um lado não acha que havia sido Léo, por outro não consegue imaginar uma única pessoa naquela nave que faria tal coisa.

E ele havia dito para Sara. Horas antes. Quando havia saído da sala após dar sua arma para Tomas, se perdera nos corredores e tinha deslizado para o chão, as lágrimas pulsando nos olhos.

"O que foi aquilo?", perguntou Sara, se aproximando dele. Ela mantinha o tom de superior, mas Hugo sabia que ela estava preocupada. Mas na verdade, ele não se importava com sua preocupação.

- Vocês estão errados. - disse, se levantando. - Todos vocês.

- Do que está falando?

- Você sabe. Ele não é um assassino.

Ele estava parado à frente dela, sentindo-se como um garoto afrontando os pais.

- Passou tempo demais com ele. - disse Sara. - Não pode se enganar com as aparências.

- Será?

Porque depois de descobrir o que estava acontecendo dentro do Laboratório, depois de saber que Sol tinha conhecimento, a NewSpace, e o Exército também... Tudo parecia apenas aparência para Hugo.

O carrinho para à frente da Comunicação e ele passa o crachá, abrindo as portas. Tomas, sentado em frente aos vários botões e comandos, olha sobre o ombro para ele. Hugo entra, e logo começa a trabalhar, mesmo com uma tensão estranha entre os dois.

Ele conecta o seu painel no placa central de todo sistema de comunicação. Analisa os códigos que aparecem.

- Vamos desligar e ligar. - diz.

Tomas obedece. A tela de Hugo fica escura, antes dos códigos aparecerem outra vez, pouco a pouco.

- O que está fazendo? - pergunta Tomas.

- Reiniciando o sistema eu consigo ver a programação funcionando desde o início. - responde Hugo. - Pode demorar, mas espero que consiga ver onde está o erro. Se houver algum.

Silêncio. Ele observa os códigos, sentado em sua cadeira. Recostado em outra, Tomas o observa, sem desviar os olhos dele.

- Vamos... Desligar a antena 2.

Tomas assente e se estica até um botão. Na tela, o texto "ANTENA 2 DESLIGADA". Hugo aperta os olhos. Ele se estica, pega os fones de sobre a bancada e os coloca, mas não há nada.

- Tem... Alguma coisa errada aqui. - sussurra, mais para si que para Tomas.

- Quem falou com você sobre o Léo poder ter hackeado o sistema? - pergunta Tomas.

Hugo engole em seco, olhos na tela, mas responde:

- Ruth falou. E a Onyx falou para ela.

Tomas assente.

- Desliga e liga só a função de menor campo. - pede Hugo. - Vamos ver por partes.

Tomas se levanta, indo até um painel mais afastado. Clique. Volta à sua cadeira.

- Você colocou a gente em uma situação complicada. - diz.

Os dedos de Hugo passam pelos códigos, reeditando-os.

- Você e a Onyx? - Tomas não responde, pois está óbvio. Hugo continua: - Seria complicado tomar alguma decisão difícil, se necessário, se você tem um relacionamento afetivo com alguém da equipe.

Ele está basicamente citando o regulamento.

- Foi dificil pra você ver um assassino preso e depois posto pra dormir? Já que ele era seu amigo.

Hugo levanta a cabeça e encara Tomas, que apesar da expressão neutra, esboça um sorriso quase maléfico. Como se esperasse uma reação de Hugo, qualquer uma.

- Vamos diminuir a amplitude do sinal. - diz o soldado.

Mais uma vez Tomas mexe nos botões espalhados por todo o controle. Hugo põe a mão sobre o fone, se esforçando a ouvir algo, qualquer coisa.

- É engraçado porque, de todo mundo, você foi o único que eu não vi falar nada sobre o Léo, mesmo passando bastante tempo com ele. E você sendo do Exército, ainda.

Uma das mãos de Hugo seguram a tela com força. Ele faz o possível para se manter calado.

- Ele não... Quer dizer, nunca te contou nada? - pergunta Tomas. - Parecia que conversavam bastante.

Hugo o encara novamente.

- Quer saber se ele me contou sobre as centenas de cobaias e o SINTESE, ou se ele me falou que estava matando a tripulação escondido? - pergunta.

Tomas inclina a cabeça, ao perceber o tom de voz agressivo, porém carregado de sentimento. Hugo move as mãos pela tela, e então um chiado preenche seus ouvidos. Ele fica atento, a respiração mudando em poucos segundos.

- Olá? Aqui é a M09-2140, câmbio?

O chiado no seu ouvido continua. Tomas, surpreso, pega um fone ele mesmo e coloca nos ouvidos, prestando atenção. O chiado parece a única coisa dentro da sala silenciosa, e naquele momento, talvez o único som no espaço.

- Comunicação da M09-2140, alguém na escuta, câmbio? - pergunta Tomas.

Chiado. Chiado. E então:

"Por favor, nos ajudem!"

AMONG US - A tramaOnde histórias criam vida. Descubra agora