20. O segredo de Sol e Lucas

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Sara olha para o navegador, sentado à sua frente. Wilson e seu ar de antipatia por ela, parado, observando-a sem piscar. Por que era tão difícil? Quando ela via Sol falando com eles, até mesmo no treinamento, tudo parecia muito mais fácil. Sara passa a mão pelos olhos e pigarreia.

 - Bom, nós dois sabíamos que esse momento ia chegar, Wilson. Seus colegas, Tomas e Onyx receberam advertências por conta do relacionamento em missão, o que não é permitido por motivos óbvios... Você vai ser suspenso do seu cargo, por ter usado de força física contra o seu superior, duas vezes.

Wilson assente. "Tudo bem", é a resposta dele. Sara aperta os olhos, e ao invés de lhe passar o painel pessoal, ela o encara:

 - Eu imaginei que, depois de termos resolvido o problema da morte de Sol e Lucas, nós... Pudéssemos compartilhar de uma confiança mútua.

 - Não.

Sara dá um riso nervoso:

 - Não?

Wilson se mexe na cadeira:

 - Você pode me chamar de conspiracionista, capitã. Eu não me importo. Você teve uma grande atitude, que mostrou justiça pelas vidas de Sol e Lucas. Mas... Eu não posso confiar em você. E não quero. Principalmente enquanto sua equipe continua andando por aí armada

Sara assente, devagar. Direto. Pelo menos alguém era. Ela estende o painel para ele:

 - Confirme a suspensão com a sua digital, por favor.


Sara, andando pelo corredor, para em frente o quarto de Sol. Engole em seco.

Depois de prender Léo, sua mente ficara remoendo a própria decisão, como se ela tivesse escolhido fazer justiça com as próprias mãos. Não era o caso, era? Ela tinha todos os detalhes, as ações que colocavam ele como maior suspeito. Mesmo que continuasse sem ter a resposta do real porquê. O que quer que Sol e Lucas sabiam continuava sendo um mistério.

Sara entra. Sentado na cama, Léo a olha. Já repetiram aquele olhar quantas vezes desde a primeira vez que ele falara com ela, no Depósito? Um tentando desvendar o outro, mais rápido que o seu oponente.

 - Eu tomei a minha decisão. - diz Sara. - Você me dizendo ou não o que sabe, irá para a Geladeira. Hoje.

Os olhos de Léo mudam. Ele não quer mais desvendá-la. Está genuinamente desolado.

 - Por que? -  a voz dele está fraca. - Por que, Sara?

Ele está acuado. Sara nunca havia visto ele assim antes.

 - Porque você é um assassino, Léo.

 - Você não acredita nisso. - diz ele. - Não pode acreditar.

Sara abaixa a cabeça. Caminha pelo quarto vazio.

 - Eu preciso que você me diga o porquê, Léo. Seus colegas precisam também.

 - EU NÃO OS MATEI!

O grito à pega de surpresa, e ela leva a mão à arma. Ele percebe, pois volta a se recostar na cama. Ficam em silêncio por um tempo, e essa é a pior coisa para Sara: ela não quer olhar para ele, fraco e acuado daquela maneira. Ela se sente estranhamente culpada.

 - Sol tinha uma filha... - diz Léo. Ele olha para o nada enquanto fala.  - A Carol... Um dia ela foi no treinamento, ver a mãe dela. É uma garota linda, carinhosa... Brincamos a tarde toda, eu a levei pela base enquanto Sol terminava as tarefas dela...

Ele levanta os olhos para Sara.

 - Eu não sou um monstro, Sara.

Sara sente algo estranho em seu peito, vira as costas e sai do quarto. Não podia deixar seus sentimentos enfraquecerem suas decisões, torná-la insegura. Já passara tempo demais sendo apenas reativa naquela nave, naquelas situações. Léo era o principal suspeito, e deveria ser tratado como tal.

Ela segue pela nave, passando pela Administração e indo na direção do Depósito, quando de repente algo ecoa na sua cabeça. "Sol tinha uma filha...". Sara dá meia volta, acelerando o passo na direção da Administração. Sol tinha uma filha... Hugo está mexendo em uma ventilação da sala quando ela entra. Ele apenas à olha, e não diz nada, mas Sara não se importa.

Algo lhe passou pela cabeça. Ela procura o painel pessoal de Sol, dentre as coisas que havia tirado de seu quarto para colocar Léo lá. O encontra e move o dedo pela tela. "INSIRA A SENHA", lhe diz as letras brilhantes. Não era possível que ela havia se esquecido. 

C. A. R. O. L.

A senha mais simples, mais pessoal e mais íntima que Sol poderia ter escolhido. A senha que a lembraria de casa e a senha que desbloqueou seu painel pessoal. Sara respira fundo. Ela mexe nos ícones procurando algo especial, e logo encontra o selo do Alto Comando. O Alto Comando... Ela olha para Hugo:

 - Hugo... Pode sair da sala por um momento, por favor?

O soldado a olha, estranhando, mas sai. As portas se fecham atrás dele. E então Sara vê a mensagem.

Não demora para que as portas se abram e ela saia da Administração. Sem ao menos pedir, ela arranca o crachá do peito de Hugo e corre corredor acima. "Não é possível", pensa. "Não é possível, não é possível". Ela segue, passando pela Cafeteria, seguindo direto e esbarrando em Laura. Não há tempo para desculpas.

Sara só para de correr quando passa o crachá nas portas do Laboratório, e mesmo depois de elas abrirem, ela anda rápido para dentro. Vai até o painel na parede, onde imagina que consiga efetuar algumas funções.

 - Cápsulas, cápsulas, cápsulas... - repete. Encontra. - Iluminar cápsulas.

FUNÇÃO NÃO AUTORIZADA. IDENTIFICAÇÃO NECESSÁRIA.

Sara olha em volta. Lucas não teria usado a roupa de proteção com o crachá. Ela procura na bancada e acaba encontrando. Volta ao telão e passa o crachá no pequeno painel ao lado. Espera.

IDENTIFICAÇÃO: DR. LUCAS MONTE. PROJETO MARTE

Ela anda na direção das cápsulas escuras do Laboratório e espera. Logo, luzes internas começam a iluminá-las, tornando visíveis as pessoas lá dentro. Os líquidos laranjas tomam cor, e aos poucos o corpo das pessoas também. E Sara vê: pelo menos os primeiros colonos têm deformações no corpo. Alguns têm os rostos cheios do fungo que atacara Lucas, outros tem grandes caroços, manchas, queimaduras e até o que pareciam larvas saindo pela boca e olhos. Ela está horrorizada.

As mil e quinhentas cápsulas continuam a acender.

[RECADO DO AUTOR: Concordo que esse capítulo ficou um pouco maior que os outros, mas era necessário. EXTREMAMENTE necessário que fosse dessa maneira. Espero que tenham gostado! :) ]

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