Epílogo

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Bruno acordou naquela manhã com os primeiros raios de sol penetrando pelas frestas da janela de seu humilde casebre. Era chegado a hora de ele se levantar e encarar a fera que dormia no quarto ao lado. Apesar da temperatura àquela hora da manhã ainda está amena; ele despertou suado e sobressaltado: teve mais um daqueles sonhos confusos que povoavam suas noites nos últimos anos.

Já estava se preparando para pular da cama feito um desvairado, quando se lembrou que naquele dia em específico, ele não trabalharia e, se permitiu permanecer na cama por mais alguns minutos; até seu coração voltar ao ritmo normal.

Barulhos no quarto ao lado indicavam que assim como ele, sua mãe não dormiu bem e Bruno sabia muito bem o motivo de toda aquela ansiedade e inquietude.

Após ele fazer suas preces, deixou o quarto e se dirigiu para a cozinha para preparar o café da manhã. Mentalmente, ele pediu a Deus ânimo para enfrentar aquele novo dia sem muitos dissabores. A cada dia era mais difícil manter um diálogo civilizado com sua mãe. Geralmente ela era muito agressiva e antissocial com ele e, pouco eram às vezes que Bruno a encontrava sóbria.

Assim que terminou de passar o café, ouviu o barulho da cadeira de rodas de sua mãe rasgando o assoalho de madeira e minutos depois, ela entrou na cozinha. As olheiras dela eram visíveis: reflexo de uma noite passada em claro.

Bruno a olhou atentamente para ver se via em seu rosto algum vestígio de receptividade, porém ele permanecia indecifrável. O olhar geralmente perdido de sua mãe vagueiam pelo cômodo sem nada ver e, mais uma vez, Bruno se pegou analisando-a.

— O que é que tu quer me olhando com esse olho de seca pimenteira? Para o seu governo eu não acordei bem. — A mãe de Bruno esbravejou mal-humorada.

— O que eu queria saber a senhora já respondeu. — Bruno disse numa calma surpreendente, quase para si mesmo.

— Você vai visitar a Sophia, hoje?  — Dona Júlia perguntou antes de solver o café que Bruno lhe entregou.

— Sim, mamãe. — Bruno respondeu enquanto observava a fisionomia triste de sua mãe.

— Se não fosse por essa maldita cadeira de rodas, eu iria contigo. — Dona Júlia disse com olhar distante. — Mas, eu estou presa nessa porcaria. Oh, vida!

— Mãe, não é apenas nesta cadeira que a senhora está presa e, a senhora sabe disso.

Bruno falou enquanto lutava contra o nó que se formava em sua garganta. Vê sua mãe naquele estado, era doloroso demais para ele.

— Não enche o saco, Bruno. Vai procurar o que fazer e me esquece. — Ela revidou agressivamente o comentário de Bruno.

Um silêncio momentâneo pairou entre eles, sendo quebrado segundos depois pelo estrondo da xícara esmigalhada no chão.

Bruno permaneceu calado, olhando para o estilhaço da xícara no piso de madeira. Cada pequeno pedaço espalhado pelo chão era como lapsos de memórias para ele. Numa fração de segundos, ele fechou os olhos para sua mãe não ver o quanto ele estava ferido por dentro: De todos os dias do ano, aquele certamente, era o pior deles. Mas, sua mãe era insensível o suficiente para não perceber isso, ou simplesmente, ela o fazia propositadamente para magoá-lo. Quando ele os abriu novamente, notou o olhar impassível de sua mãe, cravados sobre ele.

— Por que a senhora faz isso?

— Você não compreenderia: não faz ideia do tamanho de minha dor. — Respondeu quase num sussurro.

— A senhora às vezes é tão injusta comigo: vem falar em dor como se eu não soubesse o que é isso!  Eu sei muito bem o tamanho de sua dor, pena que a senhora ainda não se deu conta do tamanho da que eu carrego em meu peito.

Ele desabafou desolado, pensando em Sophia, em Michael, em sua irmã Hellen e, até mesmo em sua mãe.

Depois de refletir sobre as palavras de seu filho, ela observou cabisbaixa.

— Digamos Bruno, que a vida não foi muito justa conosco.

Depois de dona Júlia dizer essas palavras, saiu em seguida empurrando a sua cadeira de rodas para a sala.

As palavras de dona Júlia, volta e meia jorravam como torrentes na mente de Bruno e, assim como sua mãe, ele foi obrigado a reconhecer o quão a vida era difícil para eles. Em parte, Bruno entendia a dor e a revolta de sua mãe, pois durante todos aqueles anos a vida tirou praticamente tudo dela e, pouco lhe deu. Por outro lado, sua mãe deveria saber que em grande parte, ela era a responsável por sua vida miserável e, que o pouco que a vida lhe propunha dá eram consequências de suas escolhas desastrosas.

Terminado de organizar as coisas, Bruno se incumbiu de preparar a refeição de sua mãe, aliás, como ele fazia todos os dias, antes de ir para o trabalho.

Assim que ele terminou de aprontar o almoço, se dirigiu para o seu quarto para tomar banho e se trocar. De banho tomado e arrumado, ele retornou para a sala onde sua mãe permanecia sentada.

— Você já vai? — Ela perguntou fincando as mãos nas extremidades frias de suas pernas semimortas, talvez na esperança de elas reagirem e se movimentarem.

— Sim, mamãe: há uma hora dessas já está aberto para visitas. — Ele respondeu acompanhando o movimento das mãos de sua mãe sobre a carne fria e morta de suas pernas.

— Você já leva tudo o que vai precisar? Não está esquecendo de nada?

— Está tudo aqui. — Bruno respondeu levantando a pesada mochila com os pertences que iria precisar.

— Aproveita então a visita a Sophia, para visitar àqueles meus amigos. Ela pediu encarando-o fixamente.

— Pode deixar mamãe: eu vou visitá-los.

Bruno deixou o cômodo em direção a garagem. Pegou sua moto e se dirigiu ao centro da cidade.

A manhã estava nublada e, uma breve olhada para o tempo, lhe deu a certeza que não tardará para a chuva cair sobre Belém. Aquela manhã em especial estava melancólica; pronta para se debruçar em gotículas de chuva a qualquer momento, o que fez com que ele acelerasse sua moto.

À medida que Bruno se aproximou de seu destino, uma forte torrente de emoções o invadiu completamente e, nesse momento, ele desejou ardentemente em seu coração a companhia de Dona Milagres, nem que fosse uma única vez.

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