CAPÍTULO 3 - LOLLA

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Assim que viro a esquina, paro.

Escoro-me na parede fria e chapiscada para respirar fundo.

Eu sabia que não seria fácil. Não tinha nada de fácil na minha vida.

Joguei a merda para cima.

Eu fiz tudo certinho. Segui o roteiro que planejei há dias. Nada foi coincidência.

O filho da patroa da minha vizinha é Personal Trainer em uma academia de luxo na Barra da Tijuca. Até aí, tudo bem, afinal pobre adora contar os casos de sucesso dos outros, nem que seja de um conhecido bem distante.

Dona Marinete, essa minha vizinha, é diarista e manicure nas horas vagas. Há quase dois meses, enquanto colocava unha de silicone em mim para outro show na favela, eu pensava em como faria minha nova música estourar assim como foi a minha primeira. Ela, falando pelos cotovelos como sempre, comentou o fato: É, menina, ele ajuda aquela jornalista rica a manter a forma. Aquela, mulher do jogador Soares, sabe qual é? Um luxo que só!

Foi como se uma luz acendesse sobre a minha cabeça e uma realização tão distante estivesse na hora de ser realizada.

Cresci vendo o famoso jogador de futebol na televisão. A rapaziada da comunidade é vidrada nele. Uma vez, ainda bem nova, quando comecei cantar algumas músicas em shows nos bailes do Vidigal, vi uma entrevista do Henrique ao Jô Soares. Ele falou tanto do seu irmão e da forma como ele foi importante para a sua carreira que naquele momento eu sabia.

Sabia que o empresário Jaime, o mesmo que fez Henrique Soares vencer, seria meu também, porque o meu sucesso era garantido e eu só precisava dessa mãozinha.

Surtei! Jaime agora fazia parte dos meus pensamentos diariamente. Pedi o nome do Personal para a vizinha. Coach Saulo Bernardes. Foi assim que o encontrei no Instagram e comecei a segui-lo com o intuito de ser seguida de volta. Era óbvio de que seria e assim aconteceu.

Lembro de quase roer as unhas recém feitas. Essa era a oportunidade que esperava há quase 3 anos.

Eu tenho uma rede social bastante rica. Fotos de bom gosto, com a vista fabulosa do Vidigal pegando Ipanema, Leblon e um pouco da Lagoa Rodrigo de Freitas, cartões postais do Rio de Janeiro. Tem vídeos dos meus clipes caseiros, mas, mesmo assim, bem feitos com o pouco orçamento. Vídeos dos shows. Fotos na praia, surfando, de biquíni... Ah, essas eram as que mais dava views e curtidas.

Foi um trabalho de formiguinha.

Comecei a compartilhar todas as minhas publicações diretamente para o Coach. Ele sempre mandava cantadas e eu só dava corda. Foram semanas até conseguir a façanha que só estava começando.

Até que pedi para que ele me auxiliasse na academia. Foi assim, na cara e na coragem. E essa foi a primeira vez que joguei a merda para cima. Eu não tinha um tostão furado na carteira, imagina para ter um Coach. Mas ele topou, e antes que eu usasse outro artifício para sair da furada, ele me ofereceu algumas aulas experimentais na academia que ele trabalhava na Barra da Tijuca. Foi aí o meu pulo do gato!

Eram três horas de ônibus todos os dias só para treinar, fazer amizade com a galera dali e encontrar, fingindo que por acaso, a senhora Soares malhando. E isso aconteceu só após o quinto dia.

Pedi, discretamente, para o Saulo, que a essa altura já tinha virado meu peguete, me apresentar aquele sinônimo de sucesso. Foi assim que eu conheci Catarina Mendonça Soares. A mulher que me ligaria ao meu objetivo final: Jaime.

Anotava mentalmente as horas que ela chegava para malhar, sempre dava um jeito de cumprimentá-la, arranjei conchavo com outro funcionário da academia que sempre colocava minhas músicas para tocar insistentemente. Por sorte, a música já não era desconhecida do pessoal mais jovem. Fiz carreira no YouTube colocando meus shows sem edição por lá e, vamos combinar, que malhar ao som do pancadão é ótimo! Só ajudei.

AGORA OU NUNCA (Spin-off de Tudo ou nada)Onde histórias criam vida. Descubra agora