CAPÍTULO 17 - LOLLA

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Espero a sua reação.

A mesma que tenho que assistir toda vez que sou obrigada a mostrar meu documento.

Tia Zuleica me contara o que aconteceu e me registrar, na época, foi algo que não conseguiu da forma que queria. Pobre, moradora da favela, diarista, não haveria ninguém para ajudá-la nessa questão.

Eu fiquei assim, sem sobrenome, com pai e mãe desconhecidos.

— Como isso é possível? — Agora o advogado de cabelos brancos, taciturno, vê o meu documento e fica abismado.

Eu sei que isso não acontece com frequência. Eu mesma nunca tinha visto um documento sem nenhuma filiação, mas é tão raro assim?

— Querida, você tem carteira de trabalho? De habilitação? Do SUS? — ele pergunta.

Faço que não.

— Nunca trabalhei de carteira assinada e ainda não pude tirar carteira. Primeiro por falta de grana para pagar a carta, segundo, a maior falta de grana para comprar qualquer carro. — Eu rio.

Um sorriso de nervoso.

— Lolla... isso é sério. Você não deveria ter um documento dessa forma — diz Jaime com cautela.

— Não sei quem meus pais foram e isso não é um problema, Jaime. O que isso interfere? — questiono já sentida.

— Você estudou, querida? — A pergunta do doutor me faz ficar com raiva.

— Tenho cara de analfabeta por acaso?

— Não! — Jaime intervém. — Ele não quis dizer isso. Disse porque deve ser difícil alguns tipos de registros.

— A irmã da tia Zuleica, mulher que me criou, era merendeira da escola na comunidade. Estudei lá minha vida inteira. Fiz até o ensino médio.

O advogado olha para Jaime.

— Não sei nem se esse documento tem jurisdição — informa ele. — Eu preciso analisar o caso antes de entregar o contrato finalizado.

— Faça o que for possível. Até encontrar uma solução mais definitiva. Dar um sobrenome para ela e...

Fico só ouvindo.

Esse era um fato que eu não gostava de remexer.

— Sua tia... Zuleica. — diz Jaime. — Será que ela te registraria legalmente?

— Sim.

— Isso é bom! — Ele fica feliz.

— Se ela não tivesse morrido há mais de dez anos.

Ele parece murchar.

— Não tem jeito para o meu caso. Não podemos deixar isso de lado? — peço novamente.

Jaime vem para perto de mim e se senta em uma cadeira do lado.

Pela primeira vez ele pega a minha mão.

— Isso é importante, Raíssa.

— Não me chama assim.

— Desculpe. Lolla. Você vai crescer. As pessoas vão querer te conhecer, saber da sua vida, como foi criada...

— Só falar que fui adotada.

— Mas você não foi.

Sinto um nó na garganta.

— Ok. — Meus olhos ardem. Evito ao máximo deixar minhas emoções escaparem ali. — Sei muito pouco sobre essa história. E isso não me incomoda. Sempre pensei que se não me quiseram, não tem porque eu querê-los também. Tia Zuleica apenas me informou que a mulher que me colocou no mundo era sua vizinha, mas assim que nasci ela sumiu, enfim. Não tenho muito para contar. A tia e o Minga cuidaram bem de mim. Pode fazer o que quiserem, eu aceito.

AGORA OU NUNCA (Spin-off de Tudo ou nada)Onde histórias criam vida. Descubra agora