Observo em silêncio cada movimento de Thor, enquanto ele conta uma de suas histórias de guerra, proporcionando a seus ouvintes um verdadeiro espetáculo. Deveria ser o décimo copo de cerveja que pairava em suas mãos e ele arrotava e soluçava de quando em vez, feito o brutamontes que era.
Suspirei indignado, ele era um ogro. Criatura bruta e deprimente, possuía a postura de um animal selvagem! Claro, era tão irracional quanto um. Já não o suportava há tempos, mas sempre tive de engolir sua presença impertinente por ser o filho favorito; o futuro rei de Asgard... Minha pobre terra natal, cada vez mais perto de estar à mercê de um tirano feito meu irmão. Nosso povo merecia um rei que fosse digno de suceder Odin e todos os nove reinos sabiam que Thor era digno somente de levantar aquele maldito martelo.
Analisando a situação era quase que cômico. Abri um pequeno sorriso e beberiquei a taça de vinho à minha frente, sendo arrancado dos meus devaneios.
— Sorria, príncipe Loki, falta pouco para seu irmão ser coroado! — diz um dos amigos de Thor, cujo nome não me importava o bastante ao ponto de me lembrar qual era, fazendo-me querer revirar os olhos. Estávamos todos reunidos no terraço depois do jantar então tinha que manter os bons modos. Forcei um sorriso e assenti, tentando de alguma forma mascarar meu descontentamento com aquele assunto infeliz.
— Estou feliz por ele, não me leve a mal. — expliquei com voz amena. — O dia foi muito cansativo e estou meramente sonolento.
— Quão cansativo deve ser passar o dia inteiro trancafiado em uma biblioteca, não é, irmão? — ouço a voz imponente de Thor atrás de mim, se intrometendo na conversa como de praxe. Evito lançar-lhe um dos meus olhares mortais e me viro para encará-lo seriamente.
— Usar o cérebro pode cansar muito mais do que usar os punhos, mas você não saberia confirmar isso, não é, irmão? — devolvo a alfinetada e Thor dá uma risada cheia, daquelas que fazem meu interior borbulhar de raiva.
— Se você diz, Loki. — travo a mandíbula com a ironia em suas palavras, mas respiro fundo e me recomponho antes de entrar em uma discussão desnecessária.
Ultimamente Thor e eu não estávamos nos dando muito bem. Quanto mais a coroação se aproximava, mais evidente ficava sua arrogância e ao contrário dos palermas que lhe seguiam cegamente, eu não me calava diante de sua perfídia. E isso o irritava.
— Com licença. — peço educadamente ao amigo de Thor, o qual esteve em silêncio desde que o bruto se enfiou na conversa, e saio andando em direção a meus aposentos.
Normalmente me é incômodo fazer parte desse tipo de confraternização social, principalmente as mais populares, então minha saída precoce não seria nenhuma novidade. Não tenho paciência tampouco disposição de conversar amenidades supérfluas quando poderia estar lendo um livro qualquer. A maioria das pessoas não se mostrava interessada nas minhas especialidades, ademais, logo não havia o porquê de tentar forçar uma afinidade inexistente. Por isso mesmo eu era sempre o primeiro a deixar aquelas reuniões e dessa vez não seria diferente.
Minha vida toda fora assim, sempre estive isolado do resto do reino a não ser pela presença insistente do meu irmão desde que éramos crianças e pelo carinho por vezes sufocante da minha mãe. Acredito que Thor e Frigga sejam os únicos que consigam “atravessar” minhas barreiras e isso não é um fato do qual me orgulho, devo admitir. Deixei os devaneios de lado assim que cheguei aos meus aposentos.
Entrei no quarto e fechei a porta, soltando um longo suspiro. Daqui a alguns dias teria de assistir de camarote meu reino sendo entregue nas mãos de um brutamontes, privilegiado apenas pelo fato de ter nascido primeiro. Era uma desgraça sem tamanho, uma manobra estranha e incoerente das Nornas para com a vida dos asgardianos. Mas se era aquela a sua vontade, me restava apenas aceitar e torcer para que minha concepção sobre o futuro reinado de Thor estivesse completamente equivocada.
O problema é que quase nunca estou errado.