Capítulo 3 - O encontro de dois mundos

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Pontualmente, às oito horas da manhã, o beep beep irritante do alarme do celular de Melissa ecoava pelo quarto do hotel. O despertador tocou por ainda uns bons minutos - para a sorte dos outros hóspedes, havia um belo isolamento acústico entre as paredes dos quartos - antes da jovem finalmente despertar do sono profundo em que estava.

— Ai, droga! Burra, burra, burra! — esbravejou ela, enquanto passava a mão pela mesa de cabeceira em busca do aparelho que emitia o som que julgava mais ensurdecedor do mundo naquele instante, ainda de olhos fechados. Depois de derrubar a carteira, o carregador e o fone de ouvido, finalmente conseguiu alcançar o celular e cessar a notificação do alarme que, diante da ansiedade da viagem, acabou esquecendo de adequá-lo à rotina de férias. Após aquela forma nada agradável de acordar, Melissa concluiu que seria impossível dormir novamente, e, por sorte, as oito horas de sono já haviam sido o suficiente para que ela estivesse descansada para aproveitar o restante do dia.

Depois de alguns poucos minutos que passou no celular, respondendo as escassas mensagens que ocupavam a página principal do WhatsApp, Melissa levantou-se da cama e foi, primeiramente, até a sacada do quarto, onde afastou as duas metades da cortina branca e deixou a luz do dia invadir o cômodo. Do lado de fora, a paisagem era composta unicamente por um tom monocromático de branco. A neve caía incessavelmente naquele início de dia, em uma nevasca que bloqueava até mesmo a vista das montanhas que circundavam a cidade.

No entanto, o frio, que para muitos era um clima desanimador, naquela circunstância representava o cenário ideal para Melissa, afinal, o que poderia ser melhor que um belo dia de aventuras na neve para uma brasileira habituada ao calor de 35º nessa época do ano?

Quando terminou de se arrumar, em um look elaborado o suficiente para evitar julgamentos alheios, mas não tão pensado a ponto de atrair a atenção de ninguém, a jovem pegou o elevador e partiu até o térreo, com o estômago roncando e implorando por um belo café da manhã.

No quarto imediatamente acima, um ruído bastante peculiar também era ouvido no interior do cômodo. Entretanto, não se tratava de nenhum despertador: era apenas o ronco de Edgar, que dormia profundamente há mais de 10 horas. Por sorte, na noite anterior, o cansaço era tanto que o empresário se esqueceu da cortina do quarto, que permaneceu aberta. Assim, alguns minutos depois, quando a luminosidade que invadia o quarto tornou o espaço inadequado para um bom e confortável sono, os olhos do jovem começaram a ser incomodados e ele finalmente despertou.

Ao contrário do habitual - que era proferir uma série de xingamentos ao ser interrompido, geralmente de forma precoce, do seu adorável descanso - Edgar acordou com um bom humor que há muito tempo não tinha. Deixou o celular de lado, sem se preocupar em responder qualquer eventual e-mail, e a primeira coisa que fez foi se trocar antes que perdesse o horário de café da manhã, afinal, estava faminto, já que resolveu pular o jantar do dia anterior.

Quando chegou no espaço de refeições matinais, um amplo salão, que como o restante dos recintos do grande hotel contava com uma lareira acesa constantemente para manter todos os hóspedes dentro de uma temperatura agradável, com mesas espalhadas em todos os cantos, onde ao invés de cadeiras convencionais as poltronas macias e quentinhas eram responsáveis por acolher os clientes, o cheiro de comida recém-preparada fez o estômago de Edgar reclamar em seu interior.

Após encher a bandeja fornecida pelo serviço do hotel com os pratos que julgou mais atrativos, além de uma bela xícara de café, forte e sem açúcar, o homem se acomodou em uma das mesas individuais próximas à enorme televisão que transmitia as notícias diárias.

De início, as reportagens eram um tanto previsíveis: alguns jornalistas pelo país mostrando a movimentação de fim de ano, as atrações turísticas mais conhecidas, divulgação de produtos parceiros e toda aquela clássica programação de época de Natal. No entanto, o ponto alto do jornal matutino foi a previsão do tempo. Não era novidade para ninguém que a região dos Alpes estava coberta de neve naquela gélida manhã, mas até então, esse era justamente o ponto que atraía todos os turistas para ali. O que Edgar - e todos os outros que estavam naquele hall - não esperavam era o comunicado dos meteorologistas para que os próximos dois dias fossem de reclusão nas hospedagens, já que a nevasca estava mais intensa que o normal e sair durante muito tempo poderia ser perigoso naquela circunstância.

Caralho, justo hoje? — por julgar ser o único brasileiro naquele recinto, Edgar não se preocupou em ser cortês ao reclamar daquela situação, já que supostamente ninguém o entenderia e ele poderia manter a postura séria ao se comunicar em inglês com o restante quando necessário. Contudo, ao receber um olhar que conseguia ser, ao mesmo tempo, surpreso, cômico e repreensivo, ele notou que talvez não fosse o único ali.

— Se eu falar que também pensei que era a única brasileira aqui você acredita? — falou Melissa, quebrando o silêncio constrangedor que havia se instalado desde quando ela se virou em busca do tão familiar palavrão popular brasileiro. De fato, precisava admitir que nunca pensou ouvir uma palavra tão típica do país em meio a uma viagem na Suíça.

Depois de coçar a garganta e respirar fundo para recuperar a postura, Edgar respondeu:

— Perdoe a minha falta de educação. Eu também imaginei que eu era o único por aqui, e... Bem, aposto que você também não deve ter ficado contente em ter que ficar presa aqui dentro, acertei?

— Eu definitivamente não saí do outro lado do mundo para ficar trancada no quarto. — completou Melissa, exibindo um sorriso amistoso para o até então desconhecido. Edgar, por mais que agisse com invejável seriedade na maior parte do tempo, passou alguns segundos desconcertado com aquele sorriso. Antes, estava nervoso demais para notar, mas a mulher com quem trocava conversa lhe parecia incrivelmente linda. Sua pele era bronzeada como se tivesse acabado de sair da praia, mesmo em um lugar onde tudo o que se via era neve. Os cabelos, assim como os olhos, eram de um tom escuro e contornavam seu corpo até a cintura. Era estranho para ele pensar na ideia de paixão ainda, mas não podia negar que sentiu algo se manifestar dentro de si no instante que conheceu aquela moça.

Quando percebeu que estava calado há tempo suficiente para tornar aquele diálogo estranho, coçou a garganta novamente e retomou:

— Eu nem me apresentei ainda, que péssima primeira impressão você deve ter tido. Me chamo Edgar, muito prazer. — disse, enquanto aproximava a poltrona da mesa de Melissa para otimizar a conversa, já que o hall estava cheio o suficiente para formar um burburinho incômodo de fundo.

— Imagina! Quem não fala um palavrãozinho de vez em quando? Muito prazer em te conhecer, Edgar. Eu me chamo Melissa. — rebateu a moça, estendendo uma das mãos para cumprimentar formalmente o mais novo colega. Quando sentiu o toque quente de Edgar contra a sua delicada mão, foi como se um choque elétrico percorresse todo o seu corpo. Agora, de mais perto, era possível reparar que aquele estranho lhe parecia extremamente atrativo: as madeixas de cabelo pretas em contraste com a pele clara, os olhos tão escuros quanto o cabelo e um sorriso enigmático que se recusava a formar entre os lábios. Absolutamente tudo nele era encantador.

— Eu estaria sendo muito atrevido se perguntasse dos seus planos para hoje, Melissa? Tudo o que eu pretendia fazer se resumia a passear lá fora, e, bem... Parece que meu dia foi cancelado.

— De forma alguma. Mas eu também pretendia visitar a cidade hoje, parece que minha programação também voltou à estaca zero. Aliás, eu adoraria uma companhia para turistar por aí. Você também está viajando sozinho? — respondeu Melissa, empolgada.

— Sim, estou sozinho.... Podemos marcar no salão principal em trinta minutos? Não desci preparado para nada além do café da manhã. — relatou o empresário, que ainda estava fascinado em como Melissa conseguia ser tão linda de forma natural.

— Claro. Eu também não estou nada preparada. Te vejo logo então? — perguntou a jovem, enquanto se levantava da mesa de café da manhã.

— Com certeza. — afirmou Edgar, também se levantando. Ainda sem qualquer intimidade, se despediram apenas com um aceno de mãos e partiram cada um para o seu próprio quarto, que, por desventura do destino, ficavam em lados opostos do hotel, obrigando a dupla a se separar.

Como tudo o que remete à essa época do ano, aquele encontro de mundos que acabara de acontecer também exalava um encanto especial. Até mesmo o mais leigo das relações sociais conseguia entender que aquele laço formado entre o jovem casal era algo muito além de apenas uma parceria de viagem.

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