Capítulo 21 - O pedido

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— Inferno! Droga! Mil vezes droga! — esbravejou Melissa para as paredes, enquanto arrastava a haste do cotonete pela quarta vez na linha d'água de seus olhos, que nessa altura já esbanjavam um rastro avermelhado diante daquele atrito repetitivo. Fazia cerca de vinte minutos que a jovem estava concentrada na única tarefa de desenhar o traço perfeito com o pincel escuro do delineador, mas nenhuma das tentativas até então estavam suficientemente boas para ela: o primeiro ficou grosso demais, o segundo acabou saindo com uma inclinação diferente do lado oposto, o terceiro estava tremido e o último se assemelhava mais a um arco de circunferência.

Se fosse alguma outra ocasião, provavelmente ela desistiria daquela maquiagem e confiaria apenas no clássico batom avermelhado para compor a sua maquiagem. Mas Edgar estava deliciosamente misterioso naquele dia: o restaurante cujo jantar estava marcado era um dos mais recomendados nas páginas turísticas de Zurique, ele também havia lhe enviado aquele maravilhoso buquê de flores mais cedo. Certamente, aquele excesso de romantismo não seria em vão. Melissa sentia que algo de importante estava para acontecer.

Então, respirou fundo mais uma vez e segurou aquele pincel com a mesma firmeza que segurava um bisturi em uma operação. Pacientemente, deslizou a ponta macia sobre a pele irritada e, para a sua sorte e também dos seus olhos, que provavelmente não suportariam o toque agressivo do algodão naquele local mais uma vez, o risco foi marcado com precisão e em um tamanho quase ideal - afinal, sabia que era impossível deixar o delineado tão simétrico quanto pretendia.

Touché! Estava pronta. Quando começou a se arrumar, Melissa decidiu que seria aquele o dia em que estaria vestida para arrasar, da mesma forma que as protagonistas dos filmes se vestem para o momento do clímax. De fato, seu objetivo havia sido concretizado com sucesso. O modelito do vestido vermelho que escolheu parecia ter sido costurado sobre o seu corpo, tamanha era a precisão com que delineava a sua curvatura e evidenciava os pontos fortes de sua silhueta. A meia-calça, que era praticamente indispensável para que pudesse usar aquela roupa sem congelar ao pisar para fora do hotel, além da utilidade, conferia também certa sensualidade à sua composição. Por fim, o sobretudo responsável por lhe aquecer complementava o visual, com a seriedade que aquele momento exigiria.

Confiante como nunca, pegou a bolsa escura envernizada sobre a cômoda e desceu até o térreo, onde embarcou em um dos inúmeros táxis que ficavam prontamente estacionados na fachada, em busca de algum turista perdido, e partiu até o destino escolhido por Edgar.

***

Enquanto isso, já no restaurante, a neve esbranquiçada que cobria a calçada em frente ao estabelecimento era marcada periodicamente pela pegada irregular de Edgar, que caminhava em círculos tortos em um reflexo de pura ansiedade. Em breve, Melissa estaria ali. Comeriam um excelente jantar, brindariam com um bom vinho, e, então, ele faria o pedido. Você será um homem comprometido, Edgar! pensou consigo mesmo enquanto dava continuidade à caminhada estonteante pelo pavimento gelado. Aquela ideia lhe causava arrepios. Não que fosse um desses homens que corria constantemente de qualquer relacionamento sério, mas precisava admitir que aquela situação ainda era bastante estranha aos seus ouvidos.

Ainda assim, ao mesmo tempo que provocava náuseas de preocupação, trazia também um afável conforto ao coração. Isso porque ele não estaria apenas comprometido: estaria comprometido com Melissa. A ela, não se importava de conceder tamanho pertencimento. Poderia até mesmo prender-se ao seu corpo com um cadeado, se assim desejasse, e continuaria adorando a ideia de pertencê-la. Será que se casariam um dia? continuou ponderando com o próprio subconsciente, sua única companhia naquela atônita espera.

Até que um cheiro familiar tomou conta de seu olfato, que, logo em seguida, foi acompanhado pelo reconhecimento de uma voz tão doce que poderia jurar ter saído de um anjo, enviado diretamente dos céus para ele:

Amor de NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora