Capítulo 01

950 75 93
                                    

Uma vez, há muitos anos, uma pessoa me disse que a essência de alguém está no que a pessoa era antes de ter sido transformada por algum acontecimento marcante, algo irreversível.

E mais, essa pessoa também me disse que em algum momento da vida, todos nós ganharemos cicatrizes e feridas que parecerão incuráveis, cicatrizes que ainda que não apaguem nossa essência, farão de nós o que jamais imaginamos ser um dia.

Quando ouvi essas palavras, eu ainda tinha seis anos e sequer tinha ideia de que desde o meu nascimento, as cicatrizes já faziam parte de mim.

Eu cresci ouvindo dos adultos ao meu redor sobre o fato de eu ser um ser humano único, como se fosse um privilégio divino em que, ser como eu sou, era ser abençoado pelos deuses ou seja lá em que as pessoas acreditassem.

Singularidade, era isso o que tentavam me dizer.

"você é singular e o singular é belo."

O que não deixa de ser verdade, mas também não haviam me informado de que o singular também assusta. As pessoas não sabem lidar com o que é diferente do costumeiro. Elas se assustam, temem ao desconhecido e passam a tratar os detalhes que alguns julgam ser divinos, como algo maligno.

Eu era visto como maligno, era indesejado e soube disso no instante em que tive conhecimento de quem eu era. Quando eu percebi que nunca seria visto como alguém normal e que não poderia ser amado nem mesmo por quem havia me colocado no mundo, as minhas cicatrizes ganharam profundidade.

A vida não vem com aviso prévio sobre tudo o que vai acontecer. Normalmente, as coisas vem de supetão e você precisa torcer para que seja forte o suficiente para aguentar as surpresas que ela trará. Eu me lembro de quando a vida me presenteou com uma surpresa quando meus pais já estavam cansados de lidar com uma criança problemática em casa e me colocaram em um colégio interno com meu irmão mais velho.

Eu tinha nove anos e foi como conhecer o inferno. As crianças e adolescentes, diferente dos adultos, não possuem desejo de gentileza e cuidado, a verdade é que eles sabem ser cruéis uns com os outros. Inconscientemente, ou talvez conscientes até demais, eles não possuem qualquer receio de maldade e eu fui uma criança que precisou sentir a plenos pulmões toda essa maldade.

Eu possuo olhos distintos e nunca quis saber sobre a minha heterocromia, não pesquisava se havia maneiras de consertar, não pesquisava o que causou e sequer me prestava a ouvir a conversa dos meus pais com os médicos.

Conversas que aconteciam quando meus pais estavam  desesperados para terem um filho normal e buscavam maneiras de retirar o meu olho verde. 

O fato é que eu odiava ser como eu era, odiava a minha aparência e mais ainda essa condição que como as crianças costumavam dizer, fazia eu parecer um alienígena ou um monstro.

Cresci odiando esse detalhe, o escondendo para que ninguém mais pudesse vê-lo, ainda que todos à minha volta soubessem o que havia por trás da lente castanha. Eu fui ensinado por meus pais a odiar cada pedaço do que eu sou, eles me ensinaram a odiar meu comportamento, fui ensinado a odiar a minha falta de vontade de viver entre as pessoas e que a minha existência não passa de um peso e mais trabalho para quem me rodeia.

Meus olhos foram as minhas primeiras cicatrizes, porque foi com eles que eu conheci o peso do medo que as pessoas tem do desconhecido. E entendi que, graças a eles, eu nunca seria amado.

{...}

ㅡ Tae-ah, vamos! Você vai me atrasar para o trabalho. Eu disse que era para acordar cedo.
Tia Areum estava aos berros pela casa, como se seus gritos fossem me fazer chegar mais rápido ao colégio.

SINGULARIDADE - TAEKOOKOnde histórias criam vida. Descubra agora