Capítulo XV

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A chuva os pegou desprevenidos. Zayn pretendia ir embora naquela tarde, mas seus planos foram adiados. Era de conhecimento geral que, estradas de terra molhada, principalmente íngremes e com pedras soltas, dificultavam a locomoção e aumentavam as chances de acidentes ou catástrofes.

Olhei pela janela. A água caía com pressa e o céu se tornava cinza com o passar dos minutos. Um sentimento de culpa preenchia meu peito, me trazendo a necessidade de falar com Zayn.
Lembrei-me da portinha atrás da cama, a que usei para tentar escapar na outra vez. Mesmo que eles tivessem me pressionado, não cedi em lhes contar como saí. Logo então, aquela minúscula porta continuava lá, muito bem escondida.

Arrastei a cama, cautelosa em fazer o mínimo de barulho possível e engatinhei pela passagem, o caminho escuro pelo dia insosso e as paredes úmidas pelo mal tempo. Minha vela quase se apagou pelo vento repentino de quando atravessei-a por completo. Me esgueirando com cuidado, ouvi a voz de Zayn e de Hassan em um quarto. Ele parecia contar ao mais novo uma história cheia de aventuras.

— E então o homem azul acabou com o homem verde! — Zayn pôs um fim ao conto, gerando uma crise de risos e alegria ao ouvinte. Olhei pela porta entreaberta e vi Hassan sentado no chão, em frente a cama e ao lado de Zayn que fazia cócegas em sua barriga e mostrava um boneco de chapéu marrom — Hassan — Chamou-o em tom sério — Me desculpa? Eu nunca mais vou brigar outra vez, certo?

Hassan sorriu e abraçou Zayn.

— Tudo bem!

Os olhos de Hassan se voltaram a mim que tentei me esconder, mas não com rapidez o suficiente.

— Louise! — Ele disse escancarando a porta e segurando minha mão — Quer vir aqui com a gente?

Soltei uma risada baixa com sua educação.

— Acho que não, Hassan — Neguei, fazendo seus lábios se curvarem em uma expressão triste — Acho melhor voltar para o quarto.

Zayn ainda me olhava intrigado, talvez se perguntasse outra vez como saí de lá.

— Não! — Insistiu, ainda decepcionado.

— Não faça-o chorar, Louise. Brinque com ele — Zayn aconselhou, levantando-se. Notei que não havia referido-se a mim como detetive — Depois precisamos conversar sobre como você consegue sair do quarto sem que ninguém a veja.

Sua voz continha mágoa e era repleta de hesitação.

— Não vai embora, pai — Hassan pediu — Por favor!

Hassan me levou até o lado de seu pai e me entregou um super-herói azul. Ele queria que eu fosse o personagem que salvaria todos os animais no trilho do trem. No começo, Zayn tentava escapar e ir embora, mas o menino não o deixava e pedia para que montasse um trem de brinquedo com pequenas peças de Lego. Depois de pular e inventar milhares de histórias, Hassan adormeceu em meu colo.

— Me desculpe por te pressionar daquele jeito — Pedi, acariciando o cabelo do garoto que repousava a cabeça na minha perna e o resto do corpo em Zayn ao meu lado.

— Certo — Respondeu com o olhar fixo no rosto sereno da criança.

Abaixei a cabeça, frustrada com sua falta de diálogo. Ele respirou fundo após um tempo em silêncio.

— É que você faz parecer como se eu fosse um monstro — Explicou — E pela primeira vez, não quero ser um.

Olhei atentamente para como seu tom sério falhava e seu rosto se expressava.

— Eu já fiz mal a algumas pessoas — Admitiu baixo — Mas elas eram verdadeiramente más. Todas elas queriam ferir pessoas inocentes, ferir quem não podia ao menos se defender. Eram famílias inteiras que sofreriam se eu não fizesse nada.

Assenti, processando tudo o que ele me dizia.

— Foi a tiros.

— O que? — Perguntei.

— Minha família foi morta a tiros. Minha mãe, meu pai, minha irmã e o marido dela — Zayn disse, abalado.

— Você não precisa falar disso se não quiser — O lembrei.

— Você me contou sobre sua mãe — Seu rosto adquiriu um tom pálido — Eu tinha discutido com todos eles naquele dia. Quando voltei no dia seguinte, haviam muitos policiais, ambulâncias e carros do necrotério em frente a nossa casa. Aquilo... aquilo doeu muito — Uma lágrima escorreu de seus olhos — Aí vieram até mim com Hassan nos braços. Ele era só um bebê. Minha irmã o tinha escondido dentro de um armário para que não o matassem e foi aí que os policiais escutaram seu choro e perceberam sua presença. Ele foi tudo o que me restou.

Segurei sua mão mais próxima a mim e a apertei com força, esperando tranquilizá-lo.

— Eles... os pais do Hassan, não puderam nem dizer a ele o quanto o amavam. Nem os meus pais — Ele continuou, com raiva — Ele nunca soube nada sobre isso. Louise, era pra eu também estar lá. Era pra eu ter morrido junto com eles!

Sua mão apertou a minha, como se esperasse demonstrar toda dor que sentia.

— Você é o único que pode contar a ele como eram os pais e como gostavam dele — Esclareci — Você não morreu com eles e agora tem a chance de cuidar do seu sobrinho. Não se culpe por isso — O encarei — Obrigada.

— Pelo que? — Ele quis saber.

— Por me contar algo verdadeiro.

Suas poucas lágrimas cessaram e não soltei sua mão por momento algum.

— O Hassan não para de me contar sobre como a Louise é legal e que eu devia ser mais educado com você — Zayn desconversou, rindo.

As risadas escaparam da minha boca, me obrigando a abafá-las para não acordar o garoto.

— Pelo menos alguém me defende — Observei, me acalmando.

Ficamos um tempo calados.

— Eu... eu jurei a mim mesmo que nunca deixaria alguém saber disso e nem que se aproximassem tanto assim de mim — Ele disse, sorrindo para si mesmo — E olha só, estou contando isso a alguém que sequestrei.

— Pensando por esse lado, parece assustador — Confirmei.

— Mas olha que idiota eu fui — Argumentou apontando para si mesmo — Logo você vai embora e provavelmente vai me identificar na lista de participantes do seu sequestro. Nunca mais vou te ver e eu te contei tudo isso.

Lembrando desse detalhe, meu peito se angustiou em completo desgosto. Ir embora era o que eu mais queria. Não era?

Apenas notei que nossos rostos estavam próximos demais quando escutei saltos altos ecoarem pelo assoalho, e então pararem em frente a porta. Arrumei minha postura e me levantei apressada com Hassan no colo.

Z? — A voz feminina pertencente ao visitante o chamou, em um misto de hesitação e espanto.

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Estou revisando os capítulos que já foram publicados e, meu Deus, eles precisavam mesmo de correção kkkk

✨Postando essa capítulo hoje porque amanhã provavelmente não vou conseguir✨

Stockholm Syndrome? I [Z.M]Onde histórias criam vida. Descubra agora