Capítulo XXXV

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Era provável que o sentimento de perda pudesse ter atingido meu pai em cheio pois, demonstrando algo que não era de seu feitio, ele envolveu-me em um abraço apertado.

Eu fiquei com tanto medo — Cochichava.

Lembrando de suas declarações sem qualquer preocupação nas coletivas de imprensa que passavam na televisão, cheguei a duvidar de suas palavras. As de agora pareciam mais reais do que as ditas para milhares de pessoas. Contudo eu não poderia, de maneira alguma, me agarrar apenas à perspectiva de seu amor por mim, mas também precisava lembrar que seu legado inteiro poderia vir à baixo caso eu não estivesse viva. Parte de seu alívio se dava por isso. Logo que meu pai me soltou, não tive tempo de respirar já que fui tomada por uma atitude inesperada de Stephanie que abraçou-me igualmente ao meu pai.

Apesar de não nos darmos muito bem — Começou ela, com a voz falha — Diferente do que você pensa, Louise, eu me importo com você. E muito. Nós pensávamos que iríamos te perder para sempre.

Levei um tempo para corresponder a seu carinho repentino. Às vezes, as pessoas se esquecem de dizer o que sentem antes de passarem por algo ruim. Esperam que o pior ocorra para então, se com sorte, expressarem o que sempre possuíram dentro de si. Isso é a especialidade do ser humano.

Eles te machucaram? Te feriram? — Minha madrasta insistia, inspecionando cada parte do meu corpo, erguendo meu cabelo e passando a mão pelo meu rosto — O que fizeram? Responda, Louise!

Troquei olhares com Emma e Isabella, as quais eram as únicas a estranhar aquilo, levando em consideração que Kendall atualizava meu pai de tudo o que sabia, ignorando a cena ou simplesmente não a vendo. Ambas encaravam como falsidade, mesmo que isso nem passasse pela minha cabeça no momento.

Stephanie, se acalme! — Meu pedido saiu quase como uma súplica — Eu estou bem. Mas preciso da sua ajuda.

Como assim o Louis participava dessa quadrilha de meia tigela? — Vociferou meu pai, chamando a atenção de algumas pessoas sentadas em suas poltronas à espera de seja lá o que faziam ali por usar um idioma distinto do inglês. Provavelmente não entendiam o que falava ele — Eu dei casa, comida, educação e tudo o que ele sempre precisou para retribuir sequestrando uma das minhas filhas?! Pois, por mim, que apodreça naquela cela!

Algo me dizia que ele só estava nervoso e que, ao pensar melhor, voltaria atrás em sua decisão. Minha madrasta arriscou um olhar rápido para ter a certeza que meu pai estava bem e voltou-se a mim, segurando meus ombros.

Do que você precisa?

Inclinei levemente a cabeça, recordando-me que antes de mais nada, Stephanie era uma das melhores advogadas de Paris.

Como se adota uma criança? — Fui direta.

Afogando-se com a própria saliva, ela sorriu sem jeito.

O que acha de irmos primeiro para o seu apartamento?

Louise vai voltar para a França conosco, Stephanie — Intrometeu-se meu pai antes de prosseguir com sua indignação dirigida a um pobre policial que nem francês sabia. De tão nervoso, não conseguia pensar em outro idioma. Como adquiriu a proeza de prestar atenção em duas conversas ao mesmo tempo era uma verdadeira incógnita para mim.

Aceitei sua oferta, pelo bem de Hassan. Partimos para França em silêncio, sobrevoando sobre tudo aquilo que deixei para trás, aquilo que voltaria a ver em breve. Hassan só precisava esperar mais um pouco.

Realizando algo que quase não me sobrou tempo nesses últimos dois meses, dormi por horas, descansando toda dor que me causava.

Aterrissamos numa pista particular próxima a mansão do meu pai, onde chegamos minutos depois de carro. A Sra. Angelle recebeu-me com alegria, mesmo que meu semblante provavelmente não expressasse esse sentimento. Não era sua culpa, eu ainda estava abalada.

Tomei um banho demorado, imaginando qual seria meu próximo passo para ajudar quem estava preso. Os olhos tristes deles passavam pela minha cabeça e o medo me corroía. Optei por dormir um pouco mais, retardando assim o interrogatório do meu pai.

Acordei e já era tarde, Stephanie me observava dormir da ponta da minha cama, sorrindo enquanto perdia-se em pensamentos.

Você era uma criança muito difícil — Sussurrou de repente ao me ver despertar. Raramente falamos inglês na França, mesmo que a essa altura eu estivesse mais habituada a tal língua.

Sentei na cama, despertando meus sentidos e percebendo uma leve alteração na visão turva.

Eu não lembro da minha infância muito bem — Respondi, honestamente.

Ela alargou ainda mais o sorriso e foi para mais perto de mim, acariciando meus cabelos.

Você, seu irmão e sua irmã eram uns pestinhas — Recordou-se — E até Kendall não passava muito longe disso — Sua voz falhava um pouco — Eu ainda me lembro de quando conheci vocês. Mal sabia cuidar da Kendall, mas minha maior alegria eram vocês quatro, todos tão doces, só que bastante temperamentais, principalmente Bella — Sua expressão tencionou ao pensar na minha irmã — A Isabella tinha treze anos. Era a mais brava e demorou um tempo para me aceitar. O Louis, ah, que garotinho travesso. Aprontava muito, principalmente com crianças da sua idade e com você. Sinceramente, eu tinha pena dos colegas dele da escola. Já você... você era a garotinha mais doce do mundo. Que Kendall não me ouça!

Escutei cada memória sua do passado, perguntando-me quando havíamos começado a nos odiar tanto.

Com vinte e três, eu tinha uma filha de sete anos e o único dever de dar tudo o que eu não tive para ela — Prosseguiu, perdida em pensamentos — Com vinte e quatro, ganhei mais três filhos e estava grávida. Minhas prioridades já não eram as mesmas — Uma pausa foi tudo o que houve — Cada um de vocês tinha pelo menos duas babás, mas, apesar disso, eu tinha medo. Medo de que algo acontecesse. Cuidava de perto dos cinco, mesmo que significasse prestar menos atenção na faculdade de direito que na época eu terminava.

Stephanie — Tirei-a das tantas memórias que a consumiam — O que aconteceu para nos afastarmos tanto? Digo, você e a gente?

Sua respiração se tornou funda.

Eu aconteci. Estraguei tudo tentando ajudar — Esclareceu — Quando percebi que seu pai queria enfiar você nos negócios dele sem ao menos perguntar se queria, e olhando o quanto afastou Bella e Lou, decidi que precisava fazer algo. Eu precisava te dar motivos para fugir, para nunca mais ficar. Você era só uma adolescente com um futuro brilhante pela frente, não levava jeito para receber ordens ou abaixar a cabeça. Se eu fosse dura com você, pensava estar te ajudando. Mas, veja, você nem se lembra de como éramos.

A amargura a tomou de imediato. Um sorriso de desgosto estampou seu rosto frustrado enquanto depositava tapinhas carinhosos na minha perna e se levantava para partir outra vez.

Os nossos advogados de Londres já estão cuidando do que você me pediu. Vamos voltar para lá daqui dois dias para tomar as devidas decisões — Antes de sair da mesma forma que entrou, em silêncio, ela me encarou — O que eu quis dizer com tudo isso, com a história de você e seus irmãos, era que eu te entendo. Entendo que às vezes formamos laços com seres que nem nosso sangue tem, você não acompanhou parte do crescimento dele, mas sente que sim. Não liguem se te criticarem por adotar ele. Louise, por favor, não cometa o mesmo erro que eu. Faça de tudo pelo garoto.

Seus passos antes firmes e decididos estavam agora lentos e opacos, como se ela estivesse exposta demais para qualquer ação abrupta.
Agradeci a quem quer das minhas irmãs que tivesse explicado a situação para ela. Me poupou muito tempo desperdiçado. Logo Hassan estaria bem.

Stockholm Syndrome? I [Z.M]Onde histórias criam vida. Descubra agora