19. Flares, The Script

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Manoela Gavassi

2021

O dia amanheceu nublado, o céu estava pintado de um cinza escuro e as nuvens carregadas eram um pouco assustadoras, me sentia em um filme de drama, onde o tempo muda drasticamente quando as coisas começam a dar errado ou alguém morre. Aquele clima, para muitos feio, era para mim um tanto reconfortante, me sentia daquela mesma forma por dentro, cinza e triste.

Afinal, hoje fazia dezessete anos que meus pais haviam morrido.

Por mais que fizessem tanto tempo, ainda era difícil falar ou pensar sobre aquela noite e o que ela me tirou, os pesadelos já não eram tão frequentes porém ainda continuavam nítidos como se fizesse apenas alguns dias que tudo havia acontecido. O trauma também não fazia questão de me deixar esquecer, afinal, bastava um cenário chuvoso para meu corpo entrar em alerta máximo.

Mas curiosamente, hoje nem a previsão de chuva anunciada no jornal local conseguiu me prender em casa. Acordei cedo, desliguei o celular e tomei um longo banho, meu café da manhã foi diferente dos outros dias, ao invés de só comer uma fruta, fiz questão de arrumar a mesa da melhor maneira que podia e fazer uma bela refeição, lembrando de como minha mãe adorava fazer aquilo.

Não tinha muitas lembranças deles, o que me deixava extremamente triste, só sabia como seus rostos eram pelas fotos que nossos tios e avôs nos mostravam, o som da voz deles haviam sido praticamente perdido no tempo. Porém lembrava da imagem do meu pai tocando violão, em um almoço de domingo no aniversário de Catarina, da minha mãe sempre fazendo cafés da manhã especiais sem motivos, e dos dois nos colocando para dormir depois de contar histórias sobre princesas com nossos nomes.

Minha lembrança mais vívida e feliz, foi quando resolveram levar Catariana para a praia pela primeira vez, eu ainda não sabia nadar e nem podia ficar sozinha nas ondas por ser pequena e franzina demais. Então, papai me colocava no colo e entrava na água comigo, enquanto mamãe brincava na areia com Catarina, lembro dele falando que o mar era capaz de limpar qualquer sentimento ruim.

Aquelas palavras ficaram gravadas em mim, mesmo não lembrando de sua voz me falando aquilo, as carreguei comigo durante todos esses anos, repetindo-as como um mantra sempre que me aventurava nas ondas quando sentia a saudade apertar e só o mar era capaz de me fazer senti-los perto. Vovó sempre contou como meu pai era um 'peixe quando o assunto era água, amava o mar e era uma luta o tirar da água para ir embora, até mesmo depois de adulto.

E talvez tenha sido essas lembranças específicas que me fizeram sair de casa naquela manhã de domingo, indo em direção à praia. Precisava de conforto da única coisa que conseguia me fazer sentir a presença deles, e ninguém mais conseguiria entender, por isso mantive o celular desligado por todo o caminho e principalmente depois que cheguei.

Tirei os chinelos, segurando-os com uma mão, enquanto andava pela a areia com o olhar atento nas ondas quebrando a poucos metros de mim, ainda era pequena e franzina demais para entrar na água tão facilmente igual outras pessoas, talvez papai risse daquilo, dizendo que seu colo sempre seria um lugar seguro para mim.

Não gostava nem um pouco de ir à praia, arrisco dizer que odiava, o local cheio, a areia e o sol queimando minha pele. Mas não podia negar que aquele era o único lugar que conseguia diminuir o sentimento de perda, o que era ironicamente estranho, e estando no ambiente que mais dizia odiar enquanto tentava diminuir a dor crescente em meu peito, mostrava que talvez não odiasse tanto assim.

Mas sim, procurava fugir das lembranças de uma vida que foi arrancada de mim.

Se Marcela e Gizelly me vissem aqui, teriam a certeza que eu havia enlouquecido completamente, nem elas sabia da minha ligação estranha com o mar, afinal, durante todos esses anos de amizade e cumplicidade sempre deixei claro que não gostava. Principalmente depois dos acontecimentos de um ano atrás, quando qualquer local que solicitasse trajes de banho haviam sido cortados da minha lista de visitação.

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