Manoela Gavassi
2020
Estava cansada, o corpo inteiro doía como se pequenas agulhas perfurassem sua pele constantemente, a cabeça latejava e a boca seca, nem se quisesse conseguiria fazer mais do que alguns movimentos leves, era como se estivesse presa na cama.
O único barulho que preenchia o ambiente era os das máquinas que mantinham seu corpo funcionando, e por mais que fosse irritante no começo, agora Manu ansiava ouvi-las novamente, seus ouvidos pareciam estar cheios de algodão e nenhum som era ouvido com clareza.
Marcela estava dormindo com a cabeça apoiada na cama, a loira tinha olheiras escuras debaixo dos olhos e parecia extremamente abatida, o cabelo bagunçado e a mão entrelaçada com a sua. Sequer lembrava a última vez que havia visto a amiga dormir de verdade, sempre que abria os olhos ela parecia estar ali ao seu lado, completamente atenta a qualquer movimento.
Se sentiu culpada de vê-la naquela situação, tão frágil emocionalmente e fazendo acampamento no seu quarto de hospital, a faculdade largada como se não tivesse a miníma importância. Manu odiava o sentimento de estar atrapalhando a vida das amigas, como se fosse um fardo que as duas estavam sendo obrigadas a carregar.
Com a vista embaçada observou a porta abrir, Gizelly entrou acompanhada de uma equipe médica, todos com sorrisos nos rostos, já sabia o que aquilo significava e um calor bom se espalhou por seu corpo. Tentou sorrir da melhor maneira possível, mas seus lábios estavam secos e rachados, não deveria ter sido um bom sorriso.
Marcela acordou com o barulho e olhou meio confusa para a quantidade de pessoas no quarto, mas esse estado se esvaiu completamente quando notou o brilho que Gizelly carregava, logo o rosto da estudante de medicina abriu-se em um lindo sorriso. As duas, carregadas de esperança se abraçaram fortemente, alívio sendo transmitido de um corpo para o outro.
As vozes à sua volta soavam animadas, e mesmo não conseguindo entender muito bem o que era falado, podia sentir também o medo e o receio que ao poucos começou a surgir. Gizelly estava atenta a tudo o que os médicos falavam enquanto apertava a mão da namorada com tanta força que as pontas de seus dedos começaram a ficar brancas.
Logo o rosto da futura advogada entrou no foco de sua visão, ela estava tão próxima que Manu pode ver lágrimas escapando de seus olhos, a expressão preocupada mas que também dava espaço para a felicidade. Um beijo demorado foi deixado em sua testa enquanto a amiga sussurrava diversas vezes o quanto a amava.
Manoela gostaria de dizer de volta, mas tudo que saia de sua boca eram sons desconexos, e Gi insistia para que ela se acalmasse, estava tudo bem e precisava poupar energia. Mas sua teimosia era maior, com o restante das forças que tinha, ergueu o braço passando-o desajeitadamente pelo pescoço dela, puxando-a para um abraço desengonçado.
Separaram-se alguns segundos depois, e Marcela se aproximou, o rosto vermelho e molhado, soluçando enquanto tentava controlar a respiração. Era possível sentir seu medo à metros de distância, e por um momento pensou que a mulher não conseguiria seguir seu desejo.
— Eu não vou me despedir de você. — soluçou forte, Manoela suspirou segurando as próprias lágrimas, não queria demostrar medo na frente delas mas estava se tornando uma tarefa quase impossível. — Vamos nos ver daqui algumas horas, tenho certeza disso.
— Ma... — tentou fazê-la mudar de ideia, mas a loira estava convicta demais e Manu sabia o quão cabeça dura ela era quando queria.
— Não, Manu! — esperneou agarrando-se ao corpo de Gizelly, chorando forte e alto, Manu suspirou, respirando fundo sentindo a dificuldade de fazer o ar encher seus pulmões.
— Ma... — chamou mais uma vez, Marcela se afastou da namorada cruzando os braços e apertando as mãos na própria pele, Manu quis rir da teimosia dela, mas não era um bom momento. — V-Você viu ela?
Sua voz saiu rouca e chiando, pensou que ninguém tinha conseguido entender o que falava, mas só pela a expressão que tomou o rosto de Marcela, dava para ver que ela sabia perfeitamente do que se tratava. Ou melhor, de quem.
Porém, a respostava foi apenas um leve aceno negativo de cabeça.
Não.
Tirando forças de onde nem sabia, começou a se debater na cama, mas seu corpo fraco logo foi segurado com delicadeza por Gizelly, que lhe abraçava tentando inutilmente acalmar-la. O que não iria funcionar, Manoela não precisava se acalmar.
Precisava dela.
O choro fraco se iniciou, e soluços baixos escapavam de sua boca, todos ali pareciam encará-la com pena e aquilo só fez com que o desespero aumentasse. Estava gastando suas últimas forças ali, e sabia que a cirurgia não podia esperar, o olhar dos médicos dizia aquilo.
Então, quando perguntaram se ela estava pronta, apenas segurou o choro dentro de si e assentiu. Agarrando novamente a mão de Gizelly e lançando um último olhar cheio de culpa para Marcela, o medo começava a crescer cada vez mais e o receio de nunca mais ver as duas só aumentava.
O caminho até o centro cirúrgico passou como um borrão, para sua sorte, os médicos permitiram que Gizelly ficasse ao seu lado pelo menos até que anestesia fizesse efeito por completo. Tê-la ali naquele momento não era só algo para diminuir o medo, mas também, como se sua esperança das coisas melhorarem crescessem sempre que encontrava os olhos dela.
— Pense em cinco coisas que ama. — disse a anestesista, com um pequeno sorriso tranquilo no rosto, deveria ser a milionésima vez que ela estava fazendo aquele procedimento. — Ou cinco coisas que fazem você querer viver.
Respirando fundo, deixou com que a máscara com o gás que a faria dormir fosse posicionada em seu rosto, concentrando-se na mão de Gizelly na sua, começou a sentir os olhos pesarem e os pensamentos ficarem embaralhados.
Música.
Gizelly e Marcela.
Catarina.
Mamãe.
Minha noiva.
E antes de se deixar ser abraçada pela escuridão, a última coisa que viu foi os olhos da mulher que tanto amava. Sempre era eles que via quando sonhava, e agora não seria diferente.
Apagou com um pequeno sorriso nos lábios, desejando com todas as forças sonhar com ela durante tudo aquilo. Seus beijos calorosos, abraços apertados, piadas ruins, a risada alta e os toque apressados.
Sempre seria ela.
Notas da autora:
Oi! Flashbacks continuarão em terceira pessoa e bem menores do que capítulos normais, a diferença é que eles não entram na contagem oficial de capítulos.
Vejo vocês amanhã para o último capítulo da 'mini maratona' 💛
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Second Chance [Ranu]
FanfictionHerdeira de um dos maiores hospitais do país, Rafaella Kalimann tinha a vida perfeita e deixava os pais extremamente orgulhosos. Porém, viu essa realidade se desmanchar ao sofrer um grave acidente onde teve a memória afetada. Agora, tendo que difere...