4. Fix You, Coldplay

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Manu Gavassi

2021

Meus pés doíam como se estivesse pisando em um chão repleto de pregos, meus músculos pareciam ter sido socados por um bando de adolescentes raivosos e minha cabeça começava a latejar. Deus sabe o esforço que foi segurar todos os xingamentos que conhecia quando três pessoas seguidas perguntaram sobre o porque de não estarem vendendo salada orgânica.

Aquilo era um fast food, um lugar onde as pessoas iam para entupir as veias de gordura e perder uns bons anos de vida devido ao baixo nível de qualidade nutricional do cardápio. Onde raios iriam encontrar salada orgânica para pessoas que mais pareciam ter nojo do meu uniforme do que qualquer outra coisa?

Meu olhar viajava a cada cinco segundos para o relógio pendurado na parede em busca de algum conforto, mas Cronos, o Deus do tempo, parecia achar engraçado diminuir a velocidade do relógio e fazer os minutos se arrastarem lentamente até trocarem de número. Queria chorar sempre que olhava para o objeto e o ponteiro continuava exatamente no mesmo lugar que estava da última vez que havia olhado, era quase como se o dia não fosse acabar nunca.

A única coisa diferente dos outros dias, eram os trovões que começaram no fim da tarde e se estenderam até a noite, trazendo consigo uma chuva forte. E mesmo sentindo o coração subir na garganta a cada barulho estrondoso, continuei atendendo as mesas em movimentos totalmente repetitivos.

O local lotado começou a esvaziar cedo, à medida que a chuva lá fora aumentava, todos corriam para casa com medo das gotas de água ficarem mais furiosas e ruins de andar debaixo. Minha única escolha havia sido ficar lá e observar pela vidraça os passos apressados dos cariocas tentando chegar aos seus destinos o mais secos possível.

Terminei de servir as poucas mesas que restaram sentindo o corpo ansiar cada vez mais por um breve descanso, também tentei pensar em uma boa maneira de ir para casa sem precisar de um bote salva vidas. As ruas próximas eram famosas por alagamentos e pelo ritmo da chuva lá fora, desconfiava que precisaria de um kit natação para chegar no prédio onde morava.

Dez minutos antes do meu turno finalmente acabar, meu chefe decidiu me liberar, aparentemente ninguém iria comprar hambúrgueres no meio de uma tempestade. Ignorei a tentativa de piada vindo dele e seguir para os banheiros, não queria molhar minha roupa mas não sairia na rua de uniforme de jeito nenhum.

Antes que fosse embora um assobio me parou na porta, olhando para trás vi que meu chefe apontava para um envelope em cima do balcão. Meu salário. Pensei na ideia de só pegá-lo no outro dia, mas logo lembrei que precisava pagar o aluguel ou seria despejada na manhã seguinte.

Com o envelope em mãos, peguei uma das sacolas com a logo da lanchonete impresso e o coloquei dentro, tentando ao máximo protegê-lo do mundo exterior, ao menos ele deveria ficar seco enquanto eu tentava enfrentar a tempestade do lado de fora.

Ao sair, a primeira coisa que senti foi o vento forte e frio que rodeou meu corpo no momento que meus pés pisaram na calçada, por sorte estava de calça e um moletom grosso, mas isso logo se tornaria um problema quando entrasse debaixo da água.

Respirando fundo, tentei criar coragem para sair da segurança que o pequeno toldo da lanchonete proporcionava, meus tênis já estavam encharcados antes mesmo de pensar em sair dali e por alguns segundos pensei na possibilidade de tirá-los para tornar a caminhada até o ponto de ônibus um pouco mais confortável. Mas logo desisti da ideia ao sentir os pés ainda doerem pelo dia exaustivo, nunca aguentaria uma caminhada completamente descalça.

Sem escolha, xinguei-me mentalmente por não ter nenhum guarda-chuva, enfim saindo do toldo e ficando completamente encharcada em segundos. Andava o mais rápido possível pelas ruas desertas e escuras, tentando ao máximo ignorar o fato de que poderia ser facilmente assaltada naquele horário da noite.

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