6. Ocean Eyes, Billie Eilish

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Manoela Gavassi

2021

Estava sentada na mesa do refeitório da faculdade, de frente para a bandeja agora vazia e tentando abafar inutilmente o barulho de conversas extremamente altas, meus olhos encaravam o pequeno girassol que foi deixado na porta do meu apartamento mais cedo naquele manhã.

Como quase sempre, havia acordado de mal humor, e a constatação de estar mais uma vez atrasada para a aula só fez aquilo piorar, porém no momento que abri a porta para sair e meus pés quase esmagaram a flor, todo o sentimento ruim pareceu sumir igual fumaça.

O girassol estava deitado no tapete da frente junto à uma vasilha de isopor e um pequeno bilhete estava grudado em ambos, os unido desajeitadamente. A vasilha ainda estava gelada, denunciando que a pessoa não tinha saído dali a muito tempo. Escrito em caneta azul escuro, em uma letra caprichada, estava o bilhete, seguindo de uma pequena menção a Hélios, o Deus do sol:

Tudo o que sei sobre girassóis é que Hélios foi responsável pela origem deles ao rejeitar a jovem ninfa Clítia, mas a moça da floricultura disse que girassóis significam felicidade e que refletem a energia positiva do sol.

Você é um pequeno girassol, Manoela, uma bolinha de alegria.

P.s.: Espero que gostem da salada de frutas, e fique longe da cafeína!

Rafa.

A salada serviu como um ótimo café da manhã, mesmo que meu cérebro fizesse questão de relembrar todas as histórias de sequestro que Gizelly me contava. O bilhete continuava no meu bolso e cada palavra gravada em minha mente, e mesmo com o risco do girassol morrer sem água, o trouxe comigo, gostando da ideia de ter a flor próxima de mim pelo resto do dia.

Era estranho imaginar Rafaella voltando até minha casa apenas para deixar aquilo, principalmente depois de descobrir que ela já havia pago dois meses de aluguel meus. Não estava acostumada em aceitar ajuda financeira tão facilmente, já havia até mesmo brigado feio com Marcela e Gizelly sobre esse assunto, mas mesmo não querendo admitir, a ajuda de Rafa tinha vindo em um ótimo momento.

E mesmo tendo alguns planos futuros para devolver todo o dinheiro que ela pagou, por hora era mais fácil aceitar a contia. Pelo menos dessa maneira o síndico iria sair do meu pé por um tempo.

Ver Rafa tão agradecida por eu tê-la ajudado em um momento ruim fazia uma sensação esquisita revirar meu estômago, havia saído praticamente fugida do apartamento na manhã seguinte. Acordar aconchegada em seus braços tinha sido estranhamente bom, até notar que não deveríamos estar daquela maneira, ela estava frágil e eu não poderia ter me aproveitado da situação para dormir junto dela. Mesmo sequer lembrando da última vez que havia conseguido dormir tão bem.

E aquilo era o que me assombrava nos últimos dias, o sentimento de familiaridade que aquela cena criou, a maneira que minha pele arrepiava com o toque dela em minhas costas, como meu coração acelerava, não por conta do medo, mas por tê-la tão perto. E, principalmente, de como me sentia segura em seus braços.

Uma segurança que não sentia à tempos.

Fugir na manhã seguinte foi quase como uma auto defesa, afasta-la parecia mais certo do que agir como se agarrar a blusa dela durante o sono fosse completamente normal. Ainda lembrava perfeitamente de quando acordei com o corpo pesado pelo sono e as mãos agarradas fortemente no pijama que Rafaella usava.

Agora, depois de passar o final de semana inteiro tentando estudar para as provas que viriam, tudo que ocupava minha mente eram os olhos verdes que conseguiram tirar meu sono durante aqueles dois malditos dias. Arriscava dizer que aquele tom de verde em específico já havia se tornado o meu favorito. E mesmo querendo negar, estava ansiosa para saber quando nosso caminho cruzaria um com o outro novamente, afinal, depois daquele bilhete e a ajuda com os aluguéis, devia a ela no mínimo um agradecimento e um pedido de desculpas por ter fugido na manhã seguinte.

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