Extra: Melissa Gliacon

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n/a: esse é o bônus nº 3 e, particularmente, meu capítulo favorito da fic toda. Ele foi escrito um pouco depois dos outros, cerca de 2 anos, para comemorar 1.000 favoritos no Social Spirit, então minha escrita está bem mais amadurecida, assim como meus pensamentos. 

Obrigada por todo o amor e carinho, isso me faz mais feliz do que posso expressar! ♥


BÔNUS – M E L I S S A

Não estou acostumada com o calor, apesar da ardência em minha bochecha ser um bom exemplo disso.

Há a marca de uma mão pesada na maçã do meu rosto, e meu corpo inteiro tremelica como se convulsionasse. Sinto a quentura do sangue que escorre pelo meu nariz e chega em minha boca. Tem gosto de ferro, apesar de eu nunca ter provado este metal. Afinal, não sou Samos. Sempre esteve marcado em mim a necessidade de ser ainda melhor que eles. A friagem destoa pelo meu sangue, torna-me mortal. Mas, mais do que o meu poder, minha criação é o que me transforma em um monstro, dia após dia. Quase consigo sentir os fragmentos de sanidade se esvaindo de minha cabeça dentro dessa cela imunda.

Talvez, Arthur Merandus tivesse mesmo feito um bom trabalho.

Conheci o murmurador quando era uma garotinha inocente nos meus ínfimos cinco anos. O cabelo escuro e bem penteado lhe dava uma aparência angelical, apesar de eu comprovar, anos mais tarde, que nada dentro daquele homem o era. Jovem, ambicioso e sedento, ele se tornou a arma perfeita para meu pai.

Arthur foi a ferramenta dos Gliacon pelo que pareceu um século. Treinou-me diversas vezes, tirando de mim pequenas partes que o patriarca da família considerava frágeis. Pois, ora, eu não podia sequer pensar em falhar – havia sido feita com aquele único propósito. Conquistar a coroa era a minha prioridade... Não, não, era muito mais do que isso: era o meu destino. O destino roubado dos Gliacon pelos Calore. O perpétuo ciclo de vingança desde a ascensão monárquica no pós-guerra. Eu só tinha tido a infelicidade de ser a peça da vez – e de ser uma mulher. Um ser político que servia para ser usado nos jogos de casamento.

E era o matrimônio que me traria a coroa.

Em certo ponto da minha vida, eu já havia perdido muitas coisas. Sentimentos como o nojo, por exemplo, eu já não o tinha. Podia observar tripas estouradas na minha frente que eu sequer piscaria. Isso era útil porque mostrava que eu não iria hesitar em concluir serviço algum.

Além disso, eu não sentia medo. Todas as minhas ações eram racionalmente calculadas, porém sem o fator de risco. Minha cabeça foi projetada para não ter medo de me machucar ou de morrer. A única coisa que ficou... a única parte que me restou foi o medo de falhar. Este ainda estava ali, ardente e ressaltado pelos poderes do Merandus, como uma lembrança; um aviso. O meu dever.

Também perdi grande parte da minha sensibilidade, fosse ela física ou emocional. Aguentava muito mais dor que o normal, porque, simplesmente, o meu ser não sentia. Os dias passaram a ser cada vez mais vazios, já que tudo dentro de mim virara uma inércia constante.

Melissa Gliacon já era uma perfeita e obediente boneca aos dez anos de idade.

Assim como meu pai, eu sinceramente achava que nada no mundo poderia me fazer sentir. Arthur ainda não era um cirurgião da mente, mas sua determinação doentia e seu perfeccionismo o transformavam em um murmurador preciso e perigoso. No auge da minha infância, eu era a única criança que não reclamava em não poder brincar nos jardins ou ter de ouvir reuniões chatas. Para mim, era tudo a mesma coisa.

Queenstrial  -  [Kim Taehyung]Onde histórias criam vida. Descubra agora