Capítulo XI - Aquilo Que Prometeu

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   O duque despejou mais um pouco de água quente sob as suas costas, o calor escorria pela sua pele vermelha. Lerna se encontrava fria naquela noite.
 
    À quilômetros de Monterygon ou Hyldren, o Duque de Lerna, o Senhor da Morte...tomava um banho como a maioria das pessoas. Lavava os seus cabelos negros que caiam em cascata pelos ombros e costas, além da barba risurta e os chifres pontuados e longos.
    Valtryek de Lerna, era o seu nome, um nome que carregava glória mas que fora esquecido. Os homens o temiam pelo seu título, pelo que conquistara e pelo que prometera proteger. Ele era o Duque de Lerna, hoje e para sempre.
   Ficava pensando nisso quando não estava em batalha ou em um conselho de guerra, devaneava como um tolo em situações assim, lendo livros ou tirando a crosta de sujeira que cobria a pele após dias cansativos.
   Se ergueu da banheira, a água pingando do corpo musculoso. A pele era vermelha como sangue, e os olhos dourados como os da maioria dos nobres demônios. Uma tatuagem marcava as suas costas, na forma de um dragão de chamas, marca escura contra o escarlate.
    Levou a sua mão até a espaçosa cama de penas, e pegou uma toalha ali dobrada. Se secou calmamente e vestiu calças de linho púrpureo por cima da roupa de baixo, cobriu o torso com um gibão de couro tingido de verde escuro com detalhes e botões de ouro. Caminhou pelo aposento espaçoso, de madeira escura nos painéis do chão e das paradas, madeira retirada nas Terras dos Humanos. Abriu a porta, dando de cara com uma serva.
   - Olá, poderia me dizer quais horas são? Esqueci o meu relógio no arsenal quando despi minha armadura, e tenho uma reunião importante para hoje, sabe?- Falou educadamente e com um sorriso, a moça era uma escrava humana, mas não precisava tratá-la como inferior por isso.
   - Vossa Alteza, estamos no início da noite profunda, a lua já está alta no céu há mais de uma hora.- Respondeu servilmente a escrava, se curvando para o duque. 
   - Obrigado, está dispensada, pode descansar e chamar alguém para a substituir. Tenha uma boa noite.- Saiu andando pelo corredor, o título "Alteza" ainda lhe era engraçado. Como duque era considerado tão alto na hierarquia quanto um príncipe real, tanto um quanto o outro comandavam a mesma quantidade de legiões pessoais: uma legião de cinco mil homens para cada. Como duque das regiões mais importantes durante a guerra, tinha um exército de trinta e cinco mil homens consigo, quase todos os números que Nova Asgaet conseguia levantar naquele momento.
    A guerra contra os Reinos Humanos já se estendia por dezoito anos, com pequenas batalhas nas marcas próximas às Montanhas da Noite. Retornara para Lerna após deixar seu filho do meio, Eltrion, à cargo do cerco e da guarnição na vila. Tinha assuntos urgentes à tratar, assuntos de suma importância que requisitavam a sua experiência e sorte. O seu rei confiava nele, confiava mais do que em qualquer pessoa, afinal Valtryek era o herói do reino que os dera as terras prometidas pelos deuses. Os humanos lhes deixaram a metade mais infértil de Continente, eles queriam o resto, de Vestroya até Northungart, de Arlan até Santigar. Aquela terra era do direito deles, e o Duque de Lerna iria a conquistar por eles. Era a promessa silenciosa que fizera para si mesmo e para a sua raça.
    " É um trabalho sujo, mas necessário.  É uma missão que me foi incumbida, e irei seguir até a minha morte. Sou o principal general, sou a águia que defende e que trás glória ao Trono de Trigendolf." pensou Valtryek, deixando isso de lado ao chegar à porta do salão de reuniões.
    Seus conselheiros já estavam o esperando, demônios barbudos com cores de pele cinzentas, azuis, vermelhas, negras e violetas. A raça dos demônios era diversa, mas no momento o rosto de todos era sério.
   - Vossa Alteza...- reverenciaram quase em uníssono, finalmente sentando cada um sua cadeira de abeto polido nos lados da mesa longa de pedra.
     O Duque de Lerna se sentou na maior cadeira, na ponta sul. À sua frente estava o mapa de Continente, os Reinos Humanos acima das Montanhas da Noite e o Reino dos Monstros abaixo delas. Trigendolf estava lá representada, entre as duas peninsulas que compunham a Boca do Dragão. Lerna também estava lá no mapa, porém bem mais ao norte, próxima de Vestroya e das Montanhas da Noite no leste.
    - Aledrac permanece acuada, em seus muros colossais e resistentes, mas não possui condições de atacar com os asgaetinos em uma situação tão complicada. Temos trinta mil homens, dentre eles uma legião inteira, atacando à partir de Vestroya, se continuarmos assim acho que em poucos meses Baltair e Cromwell terão caído.- Falou o Conde Morrigen de Duyrn.
   - Por outro lado, não temos uma frota decente para lidarmos com a de Nova Asgaet, os humanos ainda possuem superioridade no mar. Não poderemos esmagar Arlan durante um bom tempo, nem bloquear comercialmente a ilha.- Respondeu o Conde Warmon de Dewfort, senhor de um dos maiores portos do reino.
    - No entanto, poderemos atacar Viverde com oque temos e tomar a fonte de especiarias deles. Isso e a tomada de suas terras férteis em Westexia os forçará à um acordo cedo ou tarde.- Ponderou o próprio Duque de Lerna, Valtryek embalava com uma mão a adaga, pensativo.
    - Não temos recursos para uma guerra mais longa do que isso, levantamos muito mais homens do que o Reino dos Monstros pode alimentar. Quase não há agricultores cuidando das plantações e o povo começa à mostrar sinais de revolta. Temos que esmagar ao menos Nova Asgaet e Aledrac em dois ou três anos. Podemos usar das terras férteis conquistadas para salvar um pouco a situação.- Respondeu o Conde de Dewfort, suas palavras deixaram Valtryek com um sentimento de preocupação.
     Aquela guerra estava exigindo os seus sacrifícios, mas Valtryek era cego na fé de que tudo aquilo seria recompensado. Que sua raça viveria bem com as terras conquistadas, com as terras prometidas pelos deuses. Tudo acabaria bem, Nova Asgaet cairia e os humanos se curvariam ou recuariam. Se ergueu da cadeira ainda com a faca na mão, rodeando a mesa.
    - Se é para ser assim, faremos assim. Requisite que seis mil dos homens da Linha de Lerna sejam enviados para cá, além de que dez mil legionários e quarenta mil homens sejam reunidos ao redor daqui. Atacaremos o último aliado dessa nação que se auto-proclama uma potência. Essa noite marcará o início do fim dessa guerra...que o plano de atacar Aledrac seja....-
    Parou do lado esquerdo da mesa, girando a adaga e a cravando profundamente no papel, tão forte que a ponta de aço brotava embaixo do tampo da mesa. Os conselheiros estavam assustados.
   - ...iniciado..- Completou, ainda com uma expressão grave no rosto cor de sangue.

O Trono de Ossos - Livro UmOnde histórias criam vida. Descubra agora