Capítulo XXIII - O Clamor de Guerra

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          Os cinco mil cavaleiros se reuniam próximo ao portão, mais cinco mil deveriam se reunir no portão mais próximo. Segundo ouvira, iriam partir ao mesmo tempo e se unir conformando uma cunha devastadora. Era guerra, e o Duque de Lerna tinha que morrer.

        Anya corria pelas ruas de Aledrac com o capuz sob a cabeça, ainda não tinha tanta confiança dos aledracos para que pudesse andar abertamente como uma demônio. Ela queria falar com Darkus antes que ele partisse com a cavalaria, ao que parecia logo as tropas de Cromwell cairiam sob o ponto mais frágil do cerco.
     Ela não tinha muito tempo, deixou à passos largos a Mansão de Norlaq, onde ficara hospedada. Uma das poucas mansões que ficara longe dos bombardeios. Era sede da Família Myrec, mais precisamente do tenente-coronel Arlo Myrec, um militar de carreira e importância política.
     O homem tinha algum sangue de lucenos, como era perceptível por algumas escamas azuis pela sua pele, e acolheu de bom grado a princesa. Ele iria lutar na guerra, e mais uma vez o pensamento de morticínio lhe assombrava.
      " Tem que ser assim" uma voz dentro de si disse, mas não acreditou nela. Tinha de haver um outro jeito, não conseguia aceitar.
      " Eu fiz tudo isso pela paz, eu fiz tudo isso para a guerra acabar em Aledrac. Fugi de Pandora, fugi de Erlokyn, fugi de meu pai...para acabar com essa destruição do meu reino" lamuriou-se, sentindo-se estúpida.
      
      - O que foi, monstrinha, quer pegar em armas? Eu não confiaria, não quando a guerra é contra seu povo.- Disse de forma descontraída um cavaleiro, teve de virar para trás. Era Adelard de Hangleton, um dos cavaleiros de Santigar, colocando sua armadura de placas esmaltada de dourado.
       - Eu queria falar com Darkus e Gerald antes deles partirem, sir, permanecerei no palácio durante a batalha.- Falou Anya de forma tímida, encarando a face barbada do cavaleiro. Ele tinha uma barba rala e longos cabelos da cor castanha, com poucos fios brancos brotando.
       - Gerald está ocupado reunindo a infantaria, monstrinha, mas Darkus vai partir conosco para o terror de Gerald. O garoto vai montar um cavalo e ir conosco, deve encontrá-lo mais à frente.- Comentou tranquilamente o cavaleiro. Ele agora colocava o elmo sob a cabeça, com uma fenda estreita para a visão e uma espécie de escamas de dragão como ornamento.
       - Ah, muito obrigada, sir....- Se virou para sair, mas Adelard a chamou de volta com um assobio, ele apontava para ela com o dedo coberto com a luva de couro.
      - Não confio em você, monstrinha, mas se você é bruxa...ao menos recomendo fazer suas magias para nos impedir de morrer.- Deu uma gargalhada, aquilo a fez se sentir pior. Não importava o quanto Aelin o ensinara, não sabia como ajudar enquanto dentro da cidade.
     Anya de Tregon acenou com a cabeça e se moveu pela coluna, com a mente bem longe dali. Pelo que falavam, eram dez mil cavaleiros montados, a maior cavalaria da atualidade em Continente. Diziam que somente os homens de Santigar poderiam varrer o exército do Duque de Lerna, sendo guerreiros formidáveis sob o dorso de suas montarias.
      " Em uma batalha sempre aposte no Duque de Lerna...." se recordou do ditado. "Não cantem vitória cedo demais, eu quero que vocês vençam ele."

    Encontrou Darkus bem à frente, colocando uma armadura dourada como a dos outros cavaleiros, mas sem o manto branco característico. Trono de Ossos estava em sua bainha, ele a usaria no meio do combate, algo incomum já que armas assim geralmente eram cerimoniais.
     Quando a viu, o jovem deu um sorriso. Seus olhos vermelhos a capturaram já à alguns metros de distância, já não os achava estranhos ou agourentos.
     - Darkus, não me diga que você vai ir na linha de frente.- Disse a demônia, com seriedade no olhar e na voz. Estava preocupada com o amigo, não via como Gerald poderia concordar.
     - Ah, eu vou sim. Quero ter a experiência, e eu também não sou um cavaleiro ruim, além de ser um bom espadachim.- Falou animado.
     Anya ficou incrédula, não pensava que Darkus poderia ser tão impulsivo mesmo depois de tantas coisas que passou.
     - Mas você nunca lutou em uma batalha, Darkus, é idiota assumir uma posição de perigo logo na sua primeira vez!- Queria que ele entendesse, mas ele apenas riu.
    - Anya, deixa comigo, eu consigo dar conta. Eu estou com Adelard e Rymond, Gerald vai estar logo atrás com a infantaria, só vai dar errado se perdermos. Você acha que vamos perder?- Perguntou em um tom brincalhão, aquilo lhe irritou mais.
    Sentia suas bochechas corarem, colocou as mãos na cintura e o olhou de baixo. O rapaz era mais alto do que ela.
    - Eu não acho que vamos perder, Darkus, mas eu queria que você fosse mais precavido. Eu quero ver você depois dessa batalha entrando como herói por esses portões, você tem que colaborar para isso.- Mordeu o lábio inferior, sua raiva não durou muito, lágrimas lhe brotaram às bochechas sem serem convidadas.
    Darkus desceu do cavalo para tentar lhe consolar, mas a garota demônio não queria chorar agora, não era a hora de deixar as lágrimas caírem. Agora era a hora de tentar dar uma ajuda mínima. Puxou o jovem pelo braço e o levou para longe da coluna.
     - Tire Trono de Ossos da bainha e preste bastante atenção no que eu vou fazer.- Disse Anya, que viu Darkus sacar a espada sem questionar, mesmo que seus olhos o traíssem mostrando confusão.
       Tomou a espada à mão e sem aviso fez Darkus mostrar a palma, ele grunhiu quando ela passou o fio pela sua pele e fez o sangue brilhar no negro. Estavam quase no escuro, ao lado da coluna de uma construção devastada pelos bombardeiros.
     - O que você está fazendo?- Perguntou Darkus, olhando para a mão ensanguentada.
     - Ilume Esradia....- A espada em sua mão entrou em chamas à partir do ponto em que o sangue estava. Era um feitiço que encantava a lâmina e a dava o elemento fogo, era oque podia dar para a batalha de Darkus.
    - Um feitiço....você realmente está ficando boa nisso...- Darkus tomou o cabo e observou as chamas correndo pela espada, um pouco longe de seu corpo, o calor era próximo.
    - É o máximo que eu consigo fazer para te acompanhar. Repita o encantamento para fazer a espada apagar, pra reativar você joga seu sangue na lâmina e diz as palavras, simples.- Explicou Anya, o encantamento foi dito e a escuridão do entardecer veio. - Esse feitiço é criado por mim, quero que você o use, é a minha maneira de te acompanhar...-
      Ela tocou o resto de Darkus por um momento, ficaram tão próximos que poderiam se beijar ali mesmo, mas se conteve. Ela sabia que ele tinha algo com a Cromwell, além do mais...não importava o laço que criaram...ainda eram humano e monstria.
     
   Se despediram logo depois, Darkus montou em seu cavalo e se organizou com as tropas para a invasão. Gerald apareceu para falar com ela no palácio antes de se organizar por fim.
     - Fique aqui segura, o palácio está fortificado o suficiente para resistir por mais um tempo.- Disse Gerald, com a armadura completa.
     - Do jeito que você fala parece que podemos perder...- Murmurou a menina demônio, quando o cavaleiro estava quase saindo de seu campo de visão.
     Um silêncio se passou, depois ouviu uma gargalhada que lhe fez sorrir. 
     - Anya, claro que podemos perder. Mas não pretendo que isso aconteça, afinal uma das minhas crianças está na linha de frente e a outra está dentro dos muros da cidade.-
     Ela respondeu com uma risada, deixou a porta aberta por mais tempo, talvez aguardando que ele voltasse. Mas ele não voltou.
    

O Trono de Ossos - Livro UmOnde histórias criam vida. Descubra agora