Capítulo XVI - Até o Fim do Mundo

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     Enquanto marchavam, Darkus achou que a bondade de Aeron realmente parecia maior do que deveria.
  
     Os homens que haviam sido colocados sob o comando de Gerald eram sobretudo a maioria dos que seriam um peso morto para as tropas asgaetinas, nada dos lanceiros de Cromwell mortais. Aleijados, velhos, doentes, rapazes inexperientes ou incompetentes, alguns até de lealdade duvidosa. O garoto havia até encontrado duas mulheres disfarçadas de homens, mas não ousou as desmascarar, mas as deixou como guardas pessoais dele.
     Eram ao todo mil e dezesseis, mil e dezesseis pessoas que avançavam pela estrada de terra batida que cortava para longe de toda a matança e destruição por parte dos monstros. Em caso de batalha, Darkus duvidava que teriam muito mais do que três centenas de soldados decentes. Ao menos Azuria conseguira garantir carroças, suprimentos, armamento e alguns poucos cavalos.
    " Você irá para o sul, mas meu toque vai continuar com você até o seu retorno. Volte, Darkus." Dissera ela antes de deixá-lo sozinho no quarto, apenas com o luar. Haviam ficado no castelo por mais três dias e duas noites, e por mais duas noites estiveram juntos, tocando-se e sussurrando.     
      Aquele beijo desencadeou algo em si, tornou Azuria a sua âncora. Era um motivo maior para retornar da batalha, dessa missão em que caíra de cabeça por causa de Anya de Tregon. Devia fazer um mês ou dois em que partiram nessa jornada de Engarth pelo lado leste de Continente até a Ponte de Sallor, mas agora tinha um lugar para onde retornar. Queria estar nos braços da Cromwell, conhecê-la melhor e pedir sua mão, já que quando Gerald partisse ele herdaria Engarth.
    " É sonhar muito alto, seu idiota. Você é pouco mais do que um bastardo qualquer, o reino que vai herdar é um pequeno território cujo povo são bárbaros vagnos. Ela é do sangue de reis, vem de uma linhagem antiga...você nem sabe quem sua mãe é, e talvez seja uma mulher do povo comum." Disse uma voz infeliz dentro de sua cabeça.
     Armaram acampamento pela quarta vez em um monte bastante avantajado, e acabaram tendo que formar muitas tendas e achar lugares para prender os vinte cavalos que levavam consigo. Como em todas as noites em que acampavam, Darkus o chamou para a tenda, e o jovem seguiu por entre diversas construções temporárias de pano, acompanhado de suas guardas.

    - Senhor...- Darkus disse ao entrar. Agora andava com uma cota de malha sob o couro fervido, assim como com Trono de Ossos na bainha, sentia tanto a presença da espada que era impossível esquecer sequer por um minuto que ela estava ali.
    - Entre, entre...- Disse Gerald, que agora era um comandante de exércitos novamente. Havia deixado a coroa em Engarth, mas agora era um general de novo e não um pedinte. O rei tinha a cabeça enfiada em um mapa desbotado em uma mesa pequena de madeira. Estava sentado em um banco pouco confortável, mas não parecia se importar. Também vestia cota de malha e couro, e seu corte na testa já não tinha curativo, revelando a cicatriz vermelha.
     Anya chegou logo em seguida, um manto preto sob os ombros e um capuz cobrindo a face. Os chifres faziam leves protuberâncias, mas nada que pudesse ser notado. Ela ofegava um pouco, devia ter corrido.
    Gerald soltou um suspiro, parecia de cansaço.
    - Encontramos com um mensageiro há pouco tempo, pelo visto estamos na altura de Vila Primaveril, só que um bocado de léguas mais para oeste. O mensageiro disse que à essa altura os, somando os homens de Santigar e meus, doze mil homens estão terminando de passar por Sallor. Em algum momento encontraremos com eles nas terras dos monstros. E então teremos uma tropa mais decente do que mancos, manetas, velhotes, pirralhos e imbecis.- Contou Gerald, e Darkus não pôde não ficar aliviado.
    - Estamos à menos de dois dias de Sallor, em pouco tempo estaremos atravessando as Montanhas da Noite.- Com sorte chegariam antes dos cinquenta mil homens do Duque de Lerna.
    - Nós monstros chamamos de Vale Kharsim, em nome de uma família de reis que se chamava Kharsim. Vale porque antigamente as montanhas não eram tão juntas, haviam alguns vales estreitos.- Disse Anya por um momento, e Gerald pareceu impaciente.
    - Vale Kharsim ou Montanhas da Noite, logo chegaremos em uma das únicas passagens por lá e com certeza não é segura. Temos que nos preparar, porque muitos vão perecer. Foi assim com homens preparados e fortes, esses aí...- O homem estava perturbado.
    Darkus não podia o culpar, sabia do que acontecera da última vez que um exército em que fizera parte transpôs a Ponte de Sallor. Muitos morreram durante a travessia e no combate na Linha de Lerna, além do retorno por dentro das montanhas. Edmund, pai do jovem e irmão de coração de Gerald, perecera em sacrifício. Era um túmulo.
     - Anya, pode se retirar por um momento?- Pediu o cavaleiro, sem olhar para a garota demônio.
      Anya assentiu, compreendendo. Ele queria conversar à sós com Darkus, e o garoto assentiu com a cabeça. O bastardo iria ouvir. A menina monstria saiu sob o capuz, e logo Darkus estava com as mãos apoiadas na mesa.
      - Em breve seremos treze mil, há um castelo sinalizado no mapa como domínio de Vestroya. Caiu com a cidade?- Perguntou, encarando o mapa.
      - Sim, mas atualmente está sob a proteção de Nova Asgaet, porém talvez caia. Dizem que a guarnição sempre que pode faz surtidas contra baluartes e acampamentos, dizem que vez ou outra atravessam as valas e atacam mais profundamente, mas nunca com força total.- Contou, a guerra no sul sempre era constante.
     - Qual é a estimativa de homens? Poderiam fazer uma investida maior com os homens direcionados da Linha de Lerna movidos para o ataque à Aledrac.- Ponderou, analisando a proximidade do castelo com a Ponte de Sallor, em escala real seriam três léguas de distância.
      - Algo entre seis e sete centenas, e não são maus homens. Recebem suprimentos à cada novena através da Ponte de Sallor, e estão acostumados à passar fome e frio, mas possuem o Vau Thyr e um punhado de poços como fonte de água. Razoavelmente bem equipados, ouvi dizer que têm algumas poucas armas de cerco da época em que ainda podia-se trazer balistas pelas montanhas.-
    Darkus parou para pensar um pouco, tentando forçar o pouco que sabia de guerra para fora de sua mente. " A fortaleza está sob proteção de Nova Asgaet mas foi um domínio do Reino de Vestroya, então consequentemente tem alguma relação com Azuria. Será que me ouviriam por conhecer ela?" Era uma dúvida, e não sabia se acreditariam.
      - Darkus, mantenha cuidado, não fique muito longe da coluna principal à menos que perceba algo de errado. O desfiladeiro é traiçoeiro, tanto podem surgir deslizamentos quanto emboscadas. É um espadachim natural habilidoso e sua espada é algo místico, mas não te salvaria de pedras ou milhares de homens atacando pelos lados.- O apelo na voz de Gerald era claro, o homem estava se levantando da cadeira.
       Darkus deu um sorriso, já haviam entrado em Hyldren e saído, e antes disso mataram um conde em seu próprio feudo e depois encararam o último dragão vivo. A Ponte de Sallor não deveria ser um desafio mortal.
     - Não se preocupe, Gerald, no fim vai dar tudo certo.- Olhou para o cavaleiro que o criara por aqueles poucos anos, queria mostrar para ele que não era como da última vez em que passara por Sallor.
     Gerald deu uma risada, e contornou a mesa.
     - Adelard e Rymond tinham razão, você saiu inteiramente ao seu pai...-
     Ele caminhou até a saída da tenda, até olhar uma última vez para Darkus, com um sorriso triste nos lábios.
     - Ele disse a mesma coisa antes de reunir aqueles que ficariam para trás, protegendo a retaguarda. Eu devia ter esperado isso, seus olhos são iguais aos dele.- E então saiu, deixando o Bastardo de Primavera sozinho com seus fantasmas.
    
  
   

O Trono de Ossos - Livro UmOnde histórias criam vida. Descubra agora