O Trono de Ossos - Livro Um

Capítulo IV - O Passo Verde

     - Se posicione direito, garoto, você deve ver a espada como se fosse parte de você, uma parte que pode levar tripas consigo..- 

      Darkus melhorou sua postura, colocando um joelho para frente e uma perna para trás, segurando o gládio de forma à ficar apontado para a frente como uma pinça. Respirou fundo e deu um passo à frente e mergulhou com a lâmina no ar, em uma estocada quase perfeita. 
      Gerald olhou por um momento e deu um tapa de aprovação nas costas de Darkus, apesar de um movimento bruto, transmitia parabenização.
      - Com o tempo poderá ficar tão bom quanto um soldado monstro comum, embora provavelmente seja destroçado por um legionário de Lerna. A disciplina das legiões dos monstros é algo absurda, a infantaria domina uma espada tão bem quanto um escorpião domina seu ferrão.- Falou o cavaleiro, voltando à analisar o posicionamento do garoto.
       - Já usei espadas durante os treinamentos em Vila Primaveril, o mestre de armas já disse que eu sou melhor até que Drey na esgrima.- Comentou Darkus orgulhosamente.
      - Se esse Drey não for melhor que um soldado treinado, duvido que sobreviveria cinco minutos na Linha de Lerna.- Disse Gerald em um tom sombrio, indo até o cavalo.
       Estavam em um acampamento pequeno em uma clareira na floresta, mas Passo Verde já era visível ao norte. Já tinham guardado as tendas e se preparado para partir, mas pausaram um momento para treinamento de Darkus.
       O garoto montou em seu cavalo com leveza, estava ficando acostumado em passar longos períodos na sela, apesar de se sentir dolorido. Gerald montou logo ao lado e esporeou a montaria, a incitando à sair troteando.   
      O garoto fez o mesmo e colocou as rédeas sob controle curto, devido à estabilidade do passo.
     - Como foi exatamente essa tal de batalha na Linha de Lerna?- Indagou curioso o menino, Gerald já havia mencionado aquilo duas vezes e Darkus adquiriu interesse.
      O cavaleiro olhou para o garoto e abriu a boca, mas parecia ter se acovardado e a fechou, as linhas de seu rosto tomando formas rígidas.
     - A Batalha de Sallador e a Batalha dos Cem Pilares são bastante conhecidas por vocês jovens, deve conhecer o suficiente.- Respondeu de um jeito áspero, até um pouco violento.    
      O menino se sobressaltou e nada mais disse quanto ao assunto.
     Após duas ou três horas de cavalgada, a estrada já havia desemborcado em uma vila grande e próspera, cheia de edifícios que eram visíveis por cima das baixas muralhas de pedra, pouco espessas mas surpreendentemente um pouco abaixo dos padrões de Vila Primaveril. Gerald pareceu ter lido seus pensamentos.
    - Apesar de ser sede do Conde de Passo Verde, os Greengrass nunca tiveram grandes preocupações com suas defesas. Suas florestas cercam a vila e batedores ocasionais cavalgam por dentro da mata, invasores pouco se preocupariam em tomar um castelo que pouco serviria. Vila Primaveril é fronteiriça com os territórios conquistados pelos monstros nas Montanhas Sombrias, que dividem o Continente. É uma posição estratégica e disputada, por ser próxima de Baltair e um escudo para a cidade.-
       Os guardas não fizeram perguntas para Gerald e Darkus, levantando os portões de ferro e deixando um vão que permitira a passagem dos dois.
Comércios pequenos podiam ser vistos pelas ruas de terra batida, marcadas às vezes por poças de lama. Algumas pessoas compravam frutas e pão em estabelecimentos cheios de barricas na sua frente, onde maçãs, amoras e cerejas eram amontoadas e oferecidas por um vendedor.
        Agora dentro da cidade, Darkus conseguia ver as belezas simples de Passo Verde. Uma praça era visível com o busto de Sir Artys de Galantes, feito em mármore e posicionado no centro exato do vilarejo, além de bancos e árvores que marcavam presença no parque.
        E finalmente, a coisa mais impressionante de Passo Verde.
Era mais de que uma fortaleza simples como a de Vila Primaveril, era um verdadeiro castelo com todo o seu esplendor, um castelo no interior de muralhas rígidas e de tijolos de pedra bem cortados. Oito torres se erguiam imponentes contra o céu da clareira gigantesca, algumas menores que as outras mais ainda tão colossais quanto um menino órfão poderia achar.
      Todo esse esplendor se localizava no topo de um morro à oeste da vila, deixando bem mas dificultoso de ver detalhes do castelo. Mas mesmo assim deixara Darkus de queixo caído.
      - Pensava que Forte Primaveril já tivesse lhe dado uma boa noção de como seria um castelo de verdade..- Comentou Gerald, quando se distanciavam rumo à uma estalagem para passarem um tempo.
       Um tumulto chamou a atenção dos dois, que tiveram que avançar um pouco mais com os cavalos antes de perceberem a origem do barulho. Um cavaleiro montado de um alazão castanho olhava de cima para um casal de comerciantes que era espancado com os cabos de lanças usados por dois guardas com o tabardo de Nova Asgaet.
      - Os impostos desse mês estão tão atrasados quanto os do mês passado, e o senhor meu pai não gosta de que comerciantes fiquem com dívidas com ele. O que acham de serem colocados para trabalhar nas lavouras até pagarem a dívida com trabalho e perderem essa sua maldita estalagem?- Falou arrogantemente e com fervor o cavaleiro.
       Era um jovem alto, não parecia ter mais que dezesseis anos. Usava um gibão de tecido tingido de verde, com um girassol amarelo nas costas, o girassol sob fundo verde-grama era o símbolo da Casa Greengrass de Passo Verde. O aparente filho do Barão Greengrass tinha cabelos longos e castanhos que caiam pelos ombros, e um rosto branco e sem imperfeições. O nariz era adunco como o de um abutre e as sombracelhas se encaixavam nos olhos cinzentos.
       - Respondam, plebeus imundos!- Falou o Greengrass impaciente, e os guardas bateram com força no casal de estalajadeirros usando o cabo de madeira. Darkus não conseguiu se segurar, e nem a mão de Gerald em seu ombro conseguiu o impedir.
Fervilhando de ódio, o garoto se postou entre os opressores e os oprimidos, ficando cara a cara com o Greengrass e seus soldados. O nobre estava surpreso, aparentemente nenhuma outra pessoa havia o desafiado, e seus soldados não sabiam oque fazer.
       - Parem agora, só porque eles não possuem dinheiro para pagar, não lhe dá o direito de espancá-los..isso não traz o ouro perdido de volta.- Falou Darkus.
        O jovem Greengrass pensou por um instante e desceu de seu cavalo, de modo à ficar mais próximo do menino.
- E quem seria você, garoto de olhos vermelhos?-
        - Sou Darkus, Darkus de Vila Primavera, protegido do Conde Springate. Meu pedido é que pare com isso..- Começou Darkus, mas foi cortado pelo som da espada de Greengrass saindo da bainha em um som longo e áspero.
         - Isso, pirralhinho, é oque espera você se não parar de se meter em coisas que não são da sua ralé. A ordem deve ser preservada nos domínios de um nobre, e súditos que não são capazes de suprir as necessidades dos de sangue superior devem ser cortados..- Mas a espada de Darkus já tinha saído da bainha também, seu gládio curto porém bem posicionado.
         Às lanças dos guardas foram apontadas para o menino, que conseguiu ouvir a lâmina de Gerald também sair da bainha.
        - Quem você pensa que é?!- Exclamou o Greengrass, vermelho de raiva e parecendo furioso com a afronta.
        - Uma pessoa melhor do que você..-  Desafiou o garoto, a espada segurada pelas duas mãos com a ponta apontando para o peito do nobre.
        O jovem senhor parecia avaliar com raiva a situação, até que embainhou a espada e deu as costas para Darkus. Fez sinal para seus homens o acompanharem e montou o cavalo.
        - Tiveram sorte, terão mais quinze dias para pagarem os impostos, como sinal de minha benevolência.- E partiu à galope rápido pela estrada.
        Darkus foi socorrer os estalajadeiros sob o olhar assustado de Gerald, que talvez não compreendesse a coragem(ou burrice) do menino.
Passo Verde representava o pior da nobreza na visão de Darkus, pensou o menino, representava a capacidade dela de causar mal aos outros.
       E pela primeira vez agradeceu por não ser que nem Drey.