Capítulo XVIII - Vale de Sangue

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    A criatura saltou contra todos rapidamente, esmagando tendas e pedras. Correu como um animal pela passagem adentro, golpeando com suas mãos providas de garras qualquer um que ousasse ficar em seu caminho.
 
    Homens eram estraçalhados, mas mesmo assim a fera não fazia um único som. Não rugia, rosnava, sussurrava ou fazia qualquer outra coisa esperada de um monstro. Os cadáveres eram atirados para o céu e depois caíam retalhados no chão.
    - Reunir! Reunir!- Gritava Gerald, que havia surgido de sua tenda como um verdadeiro cavaleiro. As placas de peito estavam sob a cota de malha e o couro fervido, e o meio elmo cobria a cabeça. A espada era longa e reluzia à tênue luz do luar, estava acompanhada de um escudo de carvalho sem qualquer símbolo.
    Darkus também gritou para reunir os homens, percorrendo a multidão de debandantes. Conseguiu formar uma pequena força de trinta homens, duas mulheres e uma demônia, e partiu para o encontro de Gerald, que havia reunido duzentos em um canto mais afastado.
      - Quantos somos?- Perguntou Philip, cujo corpo fedia à sangue, tinha um rasgo pelo peito que faria um grande efeito logo.
      - Mais ou menos duzentos e quarenta.- Disse Darkus, um dos poucos ali que sabia as somas. - Usemos lanças, é o melhor que podemos fazer para manter a besta longe-
      - É uma criatura, nunca vi nada parecido. Eu chamaria de demônio se os demônios que conhecemos fossem tão bestiais...- Manifestou Dunceon, mas todos correram para recolher as lanças nos carroções de armas.
     As lanças, espadas, escudos, armaduras, arcos, machados e todo o resto de armamento que havia estavam despejados. A carroça não era não além de uma ruína de madeira jogada contra a encosta.
    Enquanto os homens recolhiam e repassavam entre si as armas, a besta avançou para cima deles, e Aella percebera. O bastardo viu sua mais nova espada juramentada saltar com a lança erguida sob a cabeça, o monstro abriu a boca e logo a arma estava afundada nos pelos negros até metade da haste.
    A criatura convulsionou de dor, e a cavaleira colocou todo o peso sob o cabo, o afundando mais para dentro da carne. Quebrou a madeira e se afastou quando as garras vieram ao seu encontro, antes de serem bloqueadas por Gerald com o escudo, lascas voaram.
    Darkus também recolheu um escudo e avançou, Trono de Ossos se lançando para a frente. Ela desejava sangue mais do que ele próprio, aquele sangue a deixava sedenta, de algum modo entendia isso. A lâmina negra mordeu o monstro meia dúzia de vezes antes que o braço do bastardo se cansasse, evitou as terríveis garras com uma reação rápida do escudo. Seu joelho fraquejou e quase caiu de joelhos, o monstro esticou o longo pescoço, com o pedaço da lança profundamente encerrado, com os dentes arreganhados.
     - Por Aledrac! Pelo Rei da Montanha!- Gritou estupidamente algum homem de armas bêbado, seu martelo golpeou o olho da criatura. Ela desviou a atenção e seus dentes destroçaram o guerreiro.
     - Continuem atacando! Carga de lanças!- Gritou Gerald, e os homens quer haviam resgatado as lanças avançaram como uma parede. A tática era conhecida por Darkus, mas nunca a vira em uso fora de um pátio de treinamento. As pontas de ferro afastaram a criatura, que já havia provado do que aquelas coisas podiam oferecer.
     A mão tentava afastar as pontas como uma criança tentava afastar vegetais, e a boca abria e fechava, mas ainda sem soltar som algum. Algum estúpido avançou demais e furou o monstro, que se irritou com o ferimento superficial, e golpeou com mais força. As lanças em pedaços foram erguidas para o céu e caíram inúteis, assim como o cadáver daquele que acabou com o plano.
   Alguns debandaram logo em seguida, fugindo pelo caminho estreito. As montanhas pareciam se fechar obsessivamente ao redor deles como paredes, o bastardo sentiu terror ao ver o monstro devorar os primeiros da fila como uma serpente acaba com ratos. Mas não recuou.
    Ergueu novamente Trono de Ossos e empurrou fugitivos com o escudo, ouvia os protestos de Gerald, Anya e Aella..mas os ignorou. A espada o guiava, quase conseguia a ouvir sussurrar em seu ouvido.
     " Derrube-a, derrube-a e lave esse vale com seu sangue." ela dizia, e um arrepio subiu pela sua espinha ao ficar de frente com o monstro. A criatura o percebeu e atacou com as duas garras, o escudo o protegeu, mas não aguentaria um segundo golpe.
      Girou os calcanhares e também o corpo, cortando o ar com um pesado golpe com a espada que mordeu o flanco da besta arrancando pele e sangue. Não havia sido tão profundo para arrancar vísceras, a luta se prolongaria mais.
     A criatura repetiu o movimento da mordida, e seus dentes agarraram o carvalho do escudo com potência. As mandíbulas se fecharam como aço e começaram à puxar o jovem, tentando o arrancar do chão. A lâmina de Trono de Ossos afundou-se no lado oposto do ferimento de lança, fazendo o monstro abrir a boca e o soltar, levando consigo um pedaço do escudo.
    A criatura se ergueu berrando, e uma voz se ergueu falando em rúnico, Darkus já sabia oque era e se abaixou. Uma grande explosão de luz vermelha iluminou toda a noite, um fogo escarlate que espalhava seus ramos como uma árvore em chamas que ainda crescia seus galhos.
    Pela primeira vez o monstro soltou um som, a mistura de um rasgar com um soar de berrante, e não saiu nenhuma fumaça mas o pelo agora estava queimado e uma parte da besta estava em carne viva. Anya estava parada em um canto, ofegante e parecia à beira de desmaiar, já havia caído de joelhos no chão.
    - Filho da mãe! Volta pra cá, cãozinho de merda!- Berrou o jovem bastardo, aterrorizado quando a criatura correu na direção daquela que havia lhe lançado um feitiço. Ela não teria chance de se defender e não havia tempo de Darkus chegar até lá.
     Quando as garras arranharam o ar, entalharam suas marcas na espada de Aella de Iacester, mas foram impedidas. Darkus chegou logo depois, com as duas mãos no cabo da espada, e afundando-a no peito do monstro. Ele caiu logo em seguida, agonizando.

    Noventa e seis foram mortos, cento e quatorze foram feridos e trinta e um debandaram, Gerald mandou que os desertores logo fossem encontrados e degolados. Não deviam ter ido longe.
    Agora todos sabiam que havia uma menina demônio com eles, mas ninguém falou qualquer coisa sobre. Estavam cansados demais, e temerosos com a magia daquele dia.
    - Ei, está tudo bem?- Perguntou Darkus, caminhando pelas rochas. Encontrou a menina tratando um pulso torcido, ela tinha fuligem na face.
    - Bem, meu senhor, logo estarei firme e forte.- Aella sorriu para ele, segurando a espada praticamente destruída, as garras haviam entalhado profundos sulcos no aço.
   Acenou positivamente com a cabeça, e caminhou para longe, até o cadáver do monstro. Se sentia cansado, mas ao menos os murmúrios de Trono de Ossos cessaram, e poderia enfim descansar. Gerald estava ocupado reorganizando tudo, provavelmente só se falariam no dia seguinte.
     - Milorde....- Um cavaleiro veio até o bastardo, ele tinha um braço, ou oque sobrara dele, envolto em linho manchado de sangue e mancava. - Há alguém que deseja falar com o senhor, não sei quem é...-
     Darkus não questionou, mas da última vez que fora convocado por uma pessoa desconhecida nada de bom veio junto. Com a espada negra ainda em mão, seguiu o maneta até o local onde estava o cadáver do monstro.
   Não havia mais nenhum cadáver, apenas um grande monte de pó cinzento que era levado aos poucos pela brisa da madrugada. Um pouco afastada, estava uma mulher alta com um longo vestido negro, seus olhos eram vermelho sangue, como os de Darkus, aquilo o chamou atenção e o assustou.
    " Você mesmo possui magia em si, seus olhos vermelhos não significam azar ou maldição....significam magia, são o sangue do mago!" dissera-lhe o dragão. Não era o único no mundo.
    A mulher ergueu a cabeça e o mirou com o carmesim ardente, o vermelho real.
    - Darkus, O Bastardo de Primavera...- Ela falou solenemente. - Finalmente encontrei.-
    

O Trono de Ossos - Livro UmOnde histórias criam vida. Descubra agora