Capítulo XIV - Desolação do Sul

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            Aportaram, saíram e pegaram cavalos em uma vila próxima. Lá se despediram do anão Aemurd e cavalgaram em direção de Radriel, compraram também roupas novas e comida o suficiente.

           - Você não me contou que podia usar de bruxaria....- Falou Gerald quando galopavam pela estrada. Aquilo era obviamente para Anya, mas mesmo assim Darkus desviou o olhar.
            - Eu...eu...achei o grimório naquela pedra enorme antes de Hyldren...eu apenas soltei algumas palavras que estavam nas páginas...- Anya tentou se explicar, o garoto imaginou como ela ficaria corada se não tivesse a pele vermelha, achou que seria fofo.
- Magia não é algo para se brincar, Anya, você deve tomar imenso cuidado com esse tipo de coisa. E se tivesse cometido um deslize e ferido você ou um de nós? Poderia até mesmo destruir toda a área ao redor.- O tom de voz do homem era sério, como um pai atencioso.
- Eu não sei se eu conseguiria fazer isso....eu nem tenho qualquer mestre para me ensinar. E eu...eu quero ser útil, Gerald, eu não uso espadas e por isso não consigo ajudar vocês, naquele combate eu só fui útil por causa do fogo, salvei Darkus...- Anya estava nervosa, mas o garoto colocou a mão sob seu ombro.
- Gerald está certo, Anya, magia sempre é algo difícil de se manipular. Agradeço por ter me salvo, mas poderia ter explodido você mesma naquilo.-
Havia ouvido o suficiente sobre magia naquela caverna para entender como um elemento místico que não deveria ser subestimado, o dragão havia lhe ligado à magia durante a conversa na câmara de tesouros.
" O sangue divino que corre em suas veias! Não sei como chegou à um pobre bastardo, mas...é um fato que podemos esperar grandes feitos de ti." assim foram as palavras de Ternorum, o dragão de Engarth, mas Darkus até hoje não entendera.
A maldição de Trono de Ossos era a coisa mais mágica que sentia em si, e os olhos vermelhos....chamavam atenção e haviam atraído olhares de muita gente em Vila Primaveril.
Radriel não tinha rios próximos, apenas um curto córrego há uma longa distância. Deviam beber água de poços, Darkus pensou, ou então dependiam de linhas de suprimento para isso. Por outro lado, uma boa quantidade de matas para caça e madeira estavam próximas, além de lavouras verdejantes mantidas por camponeses.
A estrada era de terra batida, a estrada que cortava de Rubric até Vestroya, mesmo que nenhum humano se atravesse à chegar mais próximo do que alguns metros da Cidade da Ponte. Nenhum humano se atrevia à tentar chegar em Vestroya, não desde que o Duque de Cromwell anterior morrera levando uma hoste de trinta mil espadas, das quais a maioria eram contratadas, apenas para ser esmagado pelo filho do Duque de Lerna ainda em Fortaleza Aredhel.
" Bem, agora há um novo duque de Cromwelll, neto do Rei Ormund Cromwell, tecnicamente o herdeiro de Vestroya. Talvez ele nos ouça, talvez mova os exércitos para oque ainda há chance de salvar, ao invés da Ponte que já se perdeu" não acreditava muito nisso, os Cromwell queriam recuperar a casa deles, aquilo que lhes havia sido tirado.
Pensou se faria o mesmo caso Vila Primaveril fosse tomada, e se decepcionou ao não sentir muita coisa. Havia sido sua casa, mas dois anos de passaram e sua vida foi mudada no dia em que seguiu Gerald para o Passo Verde adentro. Ainda nutria amor pelo seu pai adotivo, o Barão, e seu irmão de criação, Drey, mas muita coisa havia mudado...
Sentiu pena do Duque de Cromwell.

Radriel era uma grande cidade e, segundo diziam, havia sido a sede do Principado de Radros. O Príncipe de Radros havia sido o responsável por conquistar Westexia, ajoelhando o Príncipe de Portum e o Rei de Baltair.
Durou menos de um século, até que o Rei Vhagar de Hyldren e o Rei Henfrid de Florence fizessem chover aço sob Radros, Baltair e Portum.
Quando Henfrid morreu e seus herdeiros se mostraram incapazes, Vhagar assumiu o trono de Florence e uniu as coroas de Westexia, Hyldren e Florence no Reino da Nova Asgaet.
Futuramente Hyldren sairia do reino com a morte de Vhagar, e foi nessa época que cada um dos irmãos assumiu um reino. O Príncipe Valarr Draegys se sentou no trono de Nova Asgaet, formada por Westexia e Florence, e o Príncipe Raegon Draegys assumiu o Reino de Hyldren. A Casa Draegys se ramificou, e assim seguia até aquele momento.
Voltando à Radriel propriamente dita, as as muralhas eram coisas impressionantes, mas fracas se comparadas às de Baltair. Para a sede de um ducado, era pouco mais bem defendida do que Vila Primaveril.
Conseguia ver uma boa quantidade de casas fora dos muros, como era comum em lugares com melhores oportunidades. À cavalo, com Anya coberta de bandagens e pelo manto, entraram pelos portões de carvalho reforçado.
As ruas não tinham calçamento de pedra, era apenas terra batida. As casas eram comuns, com uma ou outra construção habitacional realmente digna de nota. A fortaleza podia ser vista ao longe, um castelo com seis torres maciças e algumas torres de guarita pelos muros com parapeitos. A fortificação estava localizada no topo de um pequeno monte no centro da cidade, e devia ser tão antigo quanto Radriel.
A cidade parecia fervilhar de nervosismo, uma quantidade grande de homens marchavam pela cidade com lanças e escudo. Eram bem equipados, com tabardos apresentados com a águia branca dos Cromwell sob fundo dourado. Trajavam cota de malha e algumas placas de aço, mas no geral eram uma infantaria poderosa, pelo que Darkus sabia de guerra.
Quando atravessaram até os portões da fortaleza em si, coroada por ameias e estandartes de Nova Asgaet(a coroa dourada em fundo branco e azul), dos Draegys de Arlan(um crânio de dragão branco em fundo cinzento) e dos Cromwell(a águia branca sob o dourado). "Do reino, da Casa Real e da Casa Ducal", pensou o jovem garoto.
- Vamos nos unir aos peticionários, e então revelarei nossas identidades. Depois disso deixaremos que o orgulho dos Cromwell decida se somos dignos de sua ajuda ou não...- Proferiu Gerald, enquanto se enfiavam por entre mais de dezenas de plebeus querendo levar ao duque as suas discussões sobre gado, plantações, natimortos e bruxaria.
- Se essa fila andasse...- Murmurou Anya, e com razão. Quando conseguiram entrar no salão do trono de Radriel, o sol já havia passado de seu ponto mais alto. Para a surpresa de Darkus, havia um dos tronos e sob um deles um rosto atraiu o seu olhar.
O salão do trono era espaçoso, com telas de madeira nas paredes, teto e chão sob a pedra. Galerias ficavam acima do chão e podiam ser acessadas por escadas no fundo. No canto oposto de onde estavam as portas duplas de carvalho, após o longo corredor acessado através do pátio de entrada, dois tronos estavam sob uma plataforma de pouco menos de dois metros.
Sob os tronos, havia o fogo.
Dois jovens com cabelos ruivos, cada um em um trono. O homem, com não mais que vinte anos, tinha os cabelos curtos e arrepiados e os olhos de um azul gélido. Vestia roupas de linho branco com detalhes dourados e sua expressão era grave. Um aro de ouro cravejado de jóias pousava serenamente sob seus cabelos bem penteados. Obviamente era o Duque de Cromwell e Herdeiro de Vestroya.
- Caramba...- Darkus não pôde deixar de exclamar quando viu a garota. Era uma coisa deslumbrante para o jovem bastardo, a nobre com cabelos vermelhos que caiam bagunçados em cachos sob seus ombros. Os olhos azuis, ao invés de frios, pareciam abertos ao mundo como o céu. A pele lisa e delicada, e um vestido dourado com bordados majestosos. Os olhares dos dois se cruzaram por um momento, ela sorriu para ele e Darkus enrusbeceu violentamente.
- Gerald de Engarth, Rei de Engarth, Matador de Dragões, Senhor da Montanha e Conquistador dos Vagnos Orientais.- Proferiu Gerald em voz alta para o arauto, e aqueles nas galerias murmuraram alto. Diante de discordâncias, o Rei de Engarth suspirou e ergueu um broche de bronze com uma imagem de seu castelo, também empurrou Darkus para sempre.
"Os olhos dele.." ou "Vermelhos como dizem.." era algo que podia escutar. Era algo que não passava despercebido, agora o arauto fizera uma reverência enorme. Estava provado, era o Rei de Engarth e o Matador de Dragões. Ele e o Bastardo de Primavera.
- Gerold de Engarth, Primeiro de Seu Nome, Rei de Engarth, Senhor da Montanha, Conquistador dos Vagnos Orientais e Matador de Dragões!- Proferiu o arauto, tocando uma corneta com vigor e se curvando enquanto o trio passava.
O Duque de Cromwell se aprumou no trono, as costas curvadas e os olhos brilhando de interesse. Estalou o pescoço e deu um sorriso zombeteiro.
- Rei Gerald de Engarth, agora vejo que realmente é pouco mais que um pedinte.- Seu tom fez Darkus ficar com vontade de se atirar contra o merdinha ali mesmo.
- E agora eu vejo que é pouco mais que uma criança, Cromwell. Tenho assuntos à tratar, e não envolvem a sua casa. Aledrac está sendo atacada, e Engarth auxiliará com tropas. Vim requis...-
- Aledrac está condenada, tão condenada quanto minha Vestroya esteve há dezesseis anos atrás. Quando o Demônio de Lerna a atacou, e esse mesmo diabo irá marchar com uma hoste colossal até a Última Cidadela. Aledrac irá cair, não vão ser um punhado de bárbaros que vão mudar isso.- Interrompeu o Duque de Cromwell.
- Não está perdido, teremos toda a cavalaria de Santigar conosco. Sabe o quanto os Cavaleiros de Santigar são respeitados e temidos? Envie tropas, nos ajude à quebrar o Duque de Lerna e virar a maré dessa guerra.- Darkus se adiantou, tomando a frente antes que Gerald pudesse falar.
O duque riu, mas parecia uma risada de desgosto, como alguém que tentava sorrir apesar da situação estar horrível. O jovem não entendeu.
- Não podemos enviar tropas para Aledrac, Sua Graça, estamos reunindo nossas forças para um objetivo urgente. Talvez Aledrac resista, mas...mas sem o estandarte dos Cromwell.- Dessa vez quem disse foi a garota de cabelos ruivos, aparentemente outra Cromwell.
- Por qual motivo? Estão tão loucos quanto o Rei de Hyldren?- Darkus quase gritou. Estava cansado desse egoísmo.
- Porque Westexia está para cair, à menos que os Cromwell não tomem a frente. Vila Primaveril foi saqueada, Baltair está sob cerco e Passo Verde já recebeu dois ataques até o momento que foram repelidos por Drey Springate.- Falou o próprio Duque de Cromwell, agora ficando sério. - Pretendo reunir as tropas espalhadas por Westexia e dar batalha rapidamente, são trinta mil monstros infestando nossos campos.-
O mundo de Darkus desabou, parecia que tudo havia acabado. Enquanto ia ao socorro de estrangeiros, o lugar onde nascera e crescera havia sido destruído. Pensou no barão com dor no coração, mas ficou também feliz por Drey estar vivo e finalmente batalhando. Queria cavalgar até Sallor e convencer Adelard à atacar com toda a força os monstros, mas...havia feito uma promessa para Anya e para os cavaleiros....não podia largar ela agora.
- Vila Primaveril....caiu?- Darkus ainda estava chocado, Gerald colocou a mão sob seu ombro.
- Se tornou não mais que destroços fumegantes no sul de Westexia, suas casas foram queimadas e suas muralhas em parte destruídas. Sei oque é ter uma casa destruída, menino, mas não quero deixar que a minha nova caia também. Os Cromwell falharam com Vestroya, mas não vão falhar com Radriel e Nova Asgaet.- O duque se ergueu do trono e se dirigiu para uma porta à direita.
Darkus teria protestado, mas não sabia se tinha como protestar. Apenas abaixou a cabeça e dirigiu seus olhos em uma esperança muda até a menina de cabelos ruivos. Os olhos azuis e os vermelhos se encontraram e a jovem agarrou com força o trono.
- Mil lanceiros irão para Aledrac, dos quinze mil homens que temos esses mil irão partir para o auxílio de nossos aliados. Não fará grande diferença para nós, mas para eles será de grande ajuda. Darkus, Gerald e seu companheiro irão receber aposentos também.- As palavras foram proferidas pela moça com nervosismo, e Darkus se preparou para que o homem protestasse.
Mas o Duque de Cromwell apenas olhou com incredulidade e depois bateu a porta com força e raiva. Logo em seguida foram direcionados para seus aposentos, todos na mesma torre da fortaleza. Darkus se sentou em sua cama com o cansaço à flor da pele, iria falar com Gerald mais tarde. Não haveriam como ter mais apoio, a melhor decisão era partir logo.
Não havia tirado a roupa ao cair no colchão de penas, que lhe lembrava a época como protegido de Vila Primaveril. Doía-lhe o peito, mas a dor parecia distante. Se ajudassem Aledrac e Cromwell conseguisse salvar Westexia, teria muito tempo para falar com Drey.
Drey, que fora seu irmão e que agora comandava tropas. Será que lhe reconheceria? Parecia que haviam mudado muito, e talvez mudariam mais até o momento do reencontro.
Foi tirado de seus devaneios com o barulho de algo atrás da porta, desviou o olhar para o chão e viu um papel sendo passado pelo batente. Saltou da cama e andou cauteloso, levando a mão à Trono de Ossos apoiada em um canto da parede. Quando abriu a porta, não havia ninguém no corredor, então apenas fechou de novo e entrou no quarto novamente.
- O que é essa merda?- Perguntou para si mesmo e pegou o papel, se sentando no colchão e abrindo o bilhete. Leu com cuidado e levantou uma sobrancelha.
" Gostaria de conhecer mais sobre você, Darkus, parece uma pessoa interessante.
Temos muito à conversar, aliás. Logo irei para o seu quarto, é o lugar mais reservado que posso imaginar sem você precisar deixar o castelo.
Assinado: Azuria Cromwell, a menina ruiva"

Pensou em recusar, estava cansado até os ossos. Mas depois se lembrou do rosto da garota ruiva, que agora sabia que se chamava Azuria, aquilo o deixou corado apenas com a memória. Deixou Trono de Ossos encostada novamente na parede e começou à abrir seu saco de roupas.
Teria uma noite cheia.

O Trono de Ossos - Livro UmOnde histórias criam vida. Descubra agora