Capítulo II - Gerald

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    À trote, se enbrenhavam mais e mais no interior da trilha.

     Sir Gerald de Elizaet não era um homem muito diferente dos cavaleiros livres que ofereciam a espada ao serviço do Barão Springate. O homem era alto e de condicionamento forte, pele branca e marcada por cicatrizes. A barba e o cabelo cinzentos já começavam à evoluir para branco.
    - O quão longe já foi em relação à Vila Primaveril?- Perguntou asperamente o cavaleiro. Mesmo cavalgando com o homem há apenas um dia, Darkus já podia notar que não era alguém muito amigável. Seu humor era mordaz e as palavras usadas grosseiramente, oque lhe atribuía uma possível origem humilde ou proscrita.
     - Uma vez visitei Passo Verde para um banquete oferecido pelo Conde Greengrass. Drey e o barão já foram para Arlan e Baltair reafirmar vassalagem, mas nas ocasiões eu fiquei na vila.- Falou Darkus, respondendo ao homem que montava ao seu lado. O garoto fizera questão para que levasse sua própria montaria, um pequeno castrado malhado.
Gerald pareceu refletir por um pequeno tempo. 
      - Então apenas poucas milhas para noroeste..- Concluiu - Mas nessa viagem iremos muito mais ao norte do que Passo Verde e seu bosque. Iremos rumo à Engarth...-
      O garoto pensou, Engarth não era um destino muito comum para viajantes. Era uma montanha onde há muito tempo houvera algum lorde cujo castelo agora estaria abandonado. Diziam que era lá onde outrora um dragão morrera e que nos dias de hoje outro dragão se banqueteava com gado e servos roubados nos salões esquecidos do castelo.
       - É uma viagem bastante longa, sir, será uma longa cavalgada.- Falou Darkus, palavras repetidas que tirara da frase de Gerald.
     O homem acenou positivamente com a cabeça, mantendo o cavalo à trote rápido pela terra batida. O garoto o acompanhava com certa dificuldade, não era um cavaleiro muito bom.
- Dizem que você é um garoto bastardo.-
     As palavras de Gerald quebraram o silêncio e tiraram o garoto do transe criado pelo barulho dos cascos dos animais. Darkus se sentiu um pouco ofendido com a insinuação, bastardos eram frutos da luxúria e do erro, nascidos de uma relação fora do casamento abençoado por Auren.
      - Nunca tive certeza. Cheguei na vila como uma criança nascida à beira da estrada, minha mãe ficou hospedada apenas alguns dias no castelo do barão antes de voltar para o lugar de onde havia saído. Posso ser tanto um bastardo quanto um filho legítimo de plebeus.-
      Gerald assentiu e fez-se silêncio por mais alguns momentos.
     - Então não tem uma origem definida, talvez seja melhor assim. À partir de agora você será meu escudeiro e meu aprendiz, e deverá obedecer-me sob qualquer circunstâncias. O ensinarei o combate com lança e espada, além de como montar corretamente.- Explicou - Quando chegarmos em Engarth e terminarmos a demanda por lá, assumirei trabalhos por aí. Isso pode incluir até combates contra os monstros.-
    O sangue do garoto gelou completamente com aquelas palavras. "Monstros?!" pensou, aquelas criaturas bárbaras que se lançavam em guerra contra a humanidade há quase vinte anos. Haviam tomado Vestroya e usado da posição da cidade para invadir e saquear as terras mais próximas das Montanhas da Noite, oque significava batalhas constantes contra o Ducado de Baltair.
     - Isso seria me arrastar para a guerra, sir, dizem que os demônios escravizam os homens e violam suas mulheres. Não sei se..- Começou Darkus, porém foi interrompido por uma risada rouca de Gerald.
      - Com medo, moleque?- Disse o homem por entre uma risada.
      Darkus corou e tentou se explicar, porém Gerald ergueu a mão com um sorriso.
    - Participei da minha primeira batalha quando tinha a sua idade, pirralho, lutei ao lado de Edmund Negro, Duque Alester Cromwell e de Sallador de Vau Thyr na Batalha da Ponte de Sallor. Rompemos a Linha Eterna em meio à uma defesa sólida de monstros, dos onze mil homens enviados sobraram oito mil, porém a Passagem de Sallor foi criada.- Contou Gerald, aparentando orgulho daquilo.
      O garoto sentiu interesse, afinal a guerra apesar de aterrorizante era o sonho de glória da maioria dos jovens. Poucos não ansiavam em lutar pela liberdade da humanidade ao se apresentar às fileiras do Exército de Asgaet. Como se lesse os pensamentos de Darkus, Gerald de Elizaet fez sinal negativo com a cabeça.
      - A guerra não é uma coisa bonita, garoto, mas é improvável que isso aqui se resolva de qualquer outra forma. Monstros e humanos se odeiam há séculos, e esse nem de longe é o conflito mais sangrento entre as raças. Glória é uma palavra inventada por camponeses estúpidos que sonham em uma vida melhor do que limpar bosta de gado.- Disse o homem, não sem um pouco de compreensão.
      - Compreendo, senhor. Mas por que estamos indo para Engarth? Há algo sobre a guerra lá?- Se sentia mais confortável para perguntar isso ao homem agora.
      - Iremos matar o dragão que lá habita. Dizem que a criatura possui um tesouro grande, além das escamas que podem valer uma fortuna.- O homem deu de ombros, e Darkus ficou aterrorizado com o tom despreocupado.
     - Matar um dragão?!- O garoto mal conseguia falar, de tanto temor que aquilo causava - Mas dragões segundo os mitos são criaturas mágicas extremamente poderosas..um dragão teria um poder imensurável..-
     - Oque torna a tarefa ainda mais fascinante. São criaturas raras e provavelmente o de Engarth é um dos únicos da espécie, será uma vitória e tanto sobre um dragão. A criatura já possui mais de cem anos..talvez seja a hora de provar o aço..- Falou como se tudo aquilo fosse apenas uma viagem até o local perfeito para um piquenique, oque deixou Darkus ainda mais amedrontado.
        Um barulho de vozes entre as árvores os fez parar, e o garoto se sobressaltou. Palavras eram impossíveis de ser captadas, porém o tom segredado era claro. Os passos e as vozes meio estranguladas entregavam à Darkus oque eram.
       - Gerald, essas criaturas são..- Porém o homem fez sinal para que o menino se calasse, dando outro sinal para que ele desmontasse. Ao pisar no chão de terra batida, Gerald já tinha uma espada longa e magnífica em mãos, lâmina de aço puro em um cabo castanho-avermelhado. Em silêncio, o cavaleiro arremessou uma faca de caça para Darkus, que aceitou a arma desajeitado.
        As vozes pareciam estar mais perto, até  que as criaturas saltaram do fundo da mata para a frente dos viajantes.

O Trono de Ossos - Livro UmOnde histórias criam vida. Descubra agora