Prólogo

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     Não havia chuva ou qualquer outra coisa que aplacasse as chamas da ira.

     Pelo que os cidadãos já sabiam, Forte Cinzento havia caído perante as forças do Duque de Lerna, um demônio feroz e comandante de um exército de quarenta mil criaturas. O absurdo número de noventa mil monstros agora atacava as poderosas muralhas da Cidade de Vestroya, que lutava por sua liberdade e honra em seu maior perigo há centenas de anos.
    O Rei Ormund Cromwell era rígido e irredutível, preferia morrer à entregar a cidade aos monstros, mesmo que soubessem o triste fim que aguardava atrás de seus portões de carvalho reforçados em ferro.
    À cada hora um homem entrava pelos portões do castelo, trazendo atualizações sobre a situação no Portão do Escudo.
     - Vossa Graça, más notícias. Há um sério buraco na muralha, que nossos homens estão lutando para conseguir consertar antes que um número considerável de monstros consiga entrar.- Disse o cavaleiro ao cambalear pela porta de carvalho, manchando o carpete vermelho com lama. Um corte fundo marcava a face do homem, que tinha o rosto coberto de fuligem e suor.
    - Retorne para a batalha, sir, e continue trazendo notícias, vamos precisar delas aqui dentro.- Ordenou o rei.
    Mas desejou que não tivesse feito isso.
    Parecia que a cada momento a situação piorava, e sempre a aparência do cavaleiro piorava, refletindo a situação. Quando dera as cinco horas da tarde, recebeu o relato de que gárgulas haviam conseguido entrar na cidade e causar um bom estrago dentro dela.
        Quando uma das criaturas quebrou a janela dos aposentos e entrou rugindo em meio à cacos de vidro, Ormund soube que a situação estava horrível. A besta tinha a aparência de uma grotesca criatura humanóide de pedra, com braços longos e musculosos, os dedos providos de garras afiadas e poderosas. Asas cinzentas se agitavam em suas costas, a cabeça horrorosa com chifres longos e uma boca cheia de dentes amarelos, tinha olhos vermelhos que brilhavam como a lareira da sala.
       O Rei de Vestroya tirou sua espada do console em cima da lareira, fazendo o aço refugir com o movimento repentino, o metal vestroyano aparentando poder em sua beleza. A criatura de pedra saltou contra o rei, os braços atirados para a frente em um movimento para o rasgar em pedaços.    
      Um golpe dado com as duas mãos no cabo foi o suficiente para a lâmina descer em arco e se chocar em alta velocidade contra o pescoço da criatura, que rugiu e se afastou, a rachadura enorme brilhando como fogo antes de cair no carpete vermelho, inerte e sem vida.
      - Tirem o cadáver daqui, como podemos ver, nem em meus próprios aposentos eu estou seguro. Digam que retornarei à Torre Thamur e que receberei atualizações do combate por lá. Destaquem também arqueiros e besteiros para que sejam abatidas as gárgulas.- Mandou o Rei Ormund Cromwell, se retirando imediatamente para fora dos aposentos. O pandemônio não podia ser escutado e nem visto de dentro de seu poderoso castelo, porém o sentia como se estivesse acontecendo ao seu lado, o desespero tocando-lhe o rosto como uma doce amante.
      Cruzou corredores e mais corredores, suas pernas prosseguindo em um confuso piloto automático. Passava por janelas e criados cochichando, fechando os olhos para que não visse o lado de fora. Quando se deu por si, estava de frente para as portas de carvalho que levavam para o interior da Torre Thamur, o último refúgio para os reis e sua família caso quisessem sobreviver.
     - Deixem-me entrar, não me sinto seguro nem na merda do meu castelo.- Disse Cromwell, que se surpreendeu que sua voz estivesse tão rouca. Os guardas se retiraram do caminho de seu rei, que por sua vez continuou o caminho para sua última guarida, sua última esperança de fugir do conflito.
      Ormund entrou nos aposentos mais elevados da torre, as mãos tremendo ao abrir a porta do quarto. Se sentia impotente, um fraco inútil. Os reforços do Rei Lyonel de Asgaet nunca chegariam à tempo, e nem de longe conseguiriam vencer os monstros uma vez que tomassem Vestroya. Já havia mandado toda sua família para Nova Asgaet, com sorte estariam acomodados em Illumen antes de sua casa cair.
      Seus filhos, Alester e Rolgard, estavam com os próprios filhos e esposas, deixando o pobre rei para receber sozinho o frio e terminal abraço da morte. Lágrimas escorreram pelos seus olhos quando apertou com força o cabo da espada em sua bainha, pouco lâminas lhe serviriam.
       Parecia que tinha ficado ali por horas, e logo ouviu passos pelos corredor, seguidos pelos homens descendo para averiguar. Ruídos abafados eram ouvidos pelas paredes de pedra, mas logo cessaram e deram lugar ao barulho de pés pesados subindo a escadaria. A porta bateu e o Rei de Vestroya foi abrí-la, dando de cara com a visão mais terrível de sua vida.
       Três criaturas estavam no vão da porta, criaturas que sorriam para ele. Tinham chifres como os de carneiros, olhos negros e pupilas brancas, pele pálida ou vermelha, trajando armaduras pesadas de aço negro. Um deles segurava uma besta para o peito de Ormund, sorrindo com dentes pontiagudos como facas. O rei não teve tempo de reagir quando o dardo perfurou-lhe o peito, fazendo o homem cair no chão de madeira com um grande estrondo.
      Naquele momento os azarados o suficiente para não terem sido evacuados, foram massacrados dentro da cidade, seus corpos repousados sob suas ruas. Lojas saqueadas, casas em chamas, estupros e assassinatos definiam a grande cidade. As tropas demoníacas também já haviam tomado Fortaleza Aredhel, esmagando talvez para sempre o reinado de séculos dos Cromwell.
        Afinal, Vestroya caiu.





O Trono de Ossos - Livro UmOnde histórias criam vida. Descubra agora