Capítulo XV - Águia de Cromwell

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  O aposento já estava escuro, havia apenas a luz da janela entreaberta, a luz do luar em uma das torres mais altas de Radriel. Se Darkus andasse até o outro lado do quarto, poderia ter as planícies verdejantes e um lado deserto da muralha abaixo de si. Mas...
    Estava em sua cama, com a ansiedade à flor da pele. Vestira as melhores roupas que tinha, oque não significava que eram roupas de nobre, havia deixado suas melhores coisas na pressa de sair de Hyldren. Era uma mera túnica verde e calções de cor púrpuras, nada de tecido rico. Seus cabelos tinham que ser cortados, já quase caíam por sob os ombros, não havia tido tempo para pensar nisso nos últimos tempos.
    Saltou da cama e se dirigiu à mesa de escrivaninha, e então acendeu uma vela de cera de abelha. A chama iluminou um pouco, e viu seus olhos vermelhos vermelhos brilharem na superfície do espelho, sua face era nada mais que um contorno difuso.
    - Apague a vela, seria melhor se pensassem que você está dormindo, alguém poderia ver a luz pelo batente..- Sugeriu uma voz doce, e o jovem rapidamente virou a cabeça.
   Azuria Cromwell estava ali parada na frente da porta, seus olhos azuis claros mirando seu rosto, as mechas ruivas emoldurando a face como fogo. Darkus ficou vermelho, e a garota riu fracamente.
    - Desculpe, acho que deveria ter tentado ser mais educada. Peço perdão, meu senhor.- A nobre deu alguns passos em direção ao jovem, sorrindo.
     
   Mesmo com a fraca luz, Darkus via uma beleza que nunca vira antes. Ela usava um vestido simples, com um profundo decote que era terrivelmente sedutor para a mente de um garoto de dezesseis anos. A barra da peça não arrastava no chão, portanto ele podia ver seus pés descalços, ela havia se precavido para não fazer barulho. Devia ser algo muito importante ou um medo grande de entenderem errado uma visita de uma dama ao quarto de um visitante no meio da noite. Pensando bem....
     - Minha senhora, não precisa de desculpas.- Falou Darkus, endireitando a postura e olhando para Azuria.
     - Preciso pedir mais desculpas do que somente essas, mas não havia como retirar mais do que aqueles homens. Meu irmão Aeron reuniu seis mil homens em Radriel e mais quatro mil em Tereth, e acha que é o suficiente para marchar para Passo Verde e acabar com os monstros que ali atacam. Em Passo Verde há cinco mil homens, e em Baltair há quinze mil, seja acuados dentro da cidade, nos vilarejos próximos ou nas praias e falésias.- Azuria explicou a situação rapidamente, parecia nervosa.

    Darkus não precisou pensar muito para entender o problema, havia tido alguns ensinamentos sobre estratégia em Engarth e em Vila Primaveril.
   - Os monstros conseguiram dispersar as tropas, e tomaram mais uma posição defensiva no sul que é Vila Primaveril. Se tomarem Baltair, eliminam um dos maiores portos do reino e podem capturar a frota.-
    - Exatamente, senhor, e meu irmão pretende reunir os aproximadamente trinta mil homens que estão espalhados  por Westexia, por ordens do rei. Com um exército real sob seu comando ele pode rivalizar em campo contra as legiões.- Disse Azuria, surpresa que o jovem conhecesse de guerra. Darkus também estava surpreso com uma mulher saber tanto, não era algo comum, mas ele já sabia que ela seria poderosa desde que a viu sob o trono ao lado do irmão.
    - Seu irmão é um homem bem dedicado, senhora, espero que ele consiga derrotar os demônios...- A arrogância de Aeron o deixava fervendo de raiva, mas mesmo assim não era melhor falar aquilo na frente da irmã dele.
     - Meu irmão às vezes parece um tolo em sua amargura, essa tolice foi oque levou os Cromwell ao ponto de agora. O avô de meu avô tentou ir contra Hyldren e Nova Asgaet, e isso levou Vestroya à ruína, e o pai dele havia perdido trinta e cinco mil homens em meros dois anos. Foi esmagado por Rubric e depois pelo Rei Anak dos Darlos. Vestroya declinou, mas Aeron quer se tornar um bom rei, o rei que retomou seu reino.-
    
   Darkus mordeu o lábio inferior, e então Azuria se aproximou mais, ao ponto de estarem apenas à dois palmos de distância um do outro.
      - Acha que ele vai conseguir um dia? Que ele poderia derrotar o Duque de Lerna e retomar Vestroya?- Perguntou, Aledrac era sua prioridade, mas Nova Asgaet era onde nascera...
     - Às vezes penso sobre isso...e se Aeron falhar como todos os outros? Meu pai morreu marchando contra Vestroya, e morreu com o crânio esmagado pelo martelo do filho do Duque de Lerna. Meu irmão quer vingar meu pai e meu avô, mas acima de tudo ele...e até eu...temos saudades de casa, da casa que nunca tivemos. Queremos conhecer oque nos foi tirado, e eu pensei que...poderia falar com você sobre isso...eles tiraram Vila Primaveril de você.-
    Ouvir sobre Vila Primaveril lhe doeu, mas não deixou transparecer. Darkus apenas acenou positivamente, a dor da menina devia ser grande para a partilhar com um completo desconhecido.
    - Eles tiraram Vila Primaveril de mim, mas minha casa agora é Engarth. Quando tudo isso terminar, eu quero voltar pra lá, e...viver, suceder Gerald e me tornar Rei de Engarth.- Suspirou, e deu um sorriso. - E um dia eu espero que você também conheça a sua casa, minha senhora, que veja a sua Vestroya.-
    - Minha Vestroya está longe...há léguas de distância de Radriel, Radriel é minha nova casa assim como Engarth é a sua...se ela cair também...o que me restaria?- Ela estava chorando, seus olhos azuis brilhavam também nas lágrimas que caiam pelas bochechas. - Eu de bom grado iria com você, me aventurar, mas....eu tenho que cuidar da minha casa, impedir que ela vá.- Ela levou uma mão ao rosto de Darkus, e acariciou o rosto dele por um tempo.
     Darkus corou violentamente. Azuria riu, ainda com a face molhada de lágrimas. Ela tirou a mão de seu rosto e continuou o caminho até a janela.
   - Tem medo do toque de uma mulher, meu senhor? Não tema meu toque, Darkus, eu agora tenho certeza que você é mais do que um assassino de condes e de dragões. Você é um bom homem.- Falou a Cromwell, que abriu a janela e ficou debruçada no parapeito, os braços cruzados e apoiados ali. Seus olhos fitavam a escuridão.
     - Não....é só que...você...digo, a senhora..- Estava confuso, mas isso não o impediu de andar na direção da nobre, da princesa de Cromwell.
     - Darkus....- Azuria virou a face para ele, com um sorriso leve. - Eu acho que gosto de conversar com você, é a primeira vez que falo com alguém assim na vida. Aeron é muito fechado e ninguém da nobreza tem oque você tem.-
    - O que, minha senhora?- Se aproximou da garota, se debruçando também sob o parapeito, ao lado dela.
    - Eu consigo ver além de suas cortesias, consigo ver a sinceridade em suas palavras. Ainda não é um homem de corte, é humilde por sua criação como bastardo e é também uma boa pessoa.- Ela voltou à tocar o seu rosto, com os olhos pregados nele, como se admirasse sua visão.
     - Você também não é como a maioria dos nobres que conheci....você....é como o barão e Drey.- Se curvou ao rosto dela, mais próximos do que um palmo. - Azuria....-

    Ela fechou os olhos e se rendeu, os lábios de ambos de tocaram inicialmente tímidos, e logo depois mais profundamente. A mão de Azuria Cromwell desceu do rosto do jovem até o seu peito, durante o tempo em que se beijavam.
    - Darkus...eu quero continuar aqui, com você. Eu não quero que amanheça...- Sussurrou Azuria em seu ouvido, ofegante. Agora era ela quem estava corada, quase tão vermelha quanto os cabelos nos quais Darkus enfiou a mão, os afagando.
     - Não vai acontecer...mas...vamos aproveitar por enquanto. Enquanto temos tempo, logo marcharei com as tropas que você deu, e irei para a guerra.- Aquilo soou tão terrível daquele jeito que sentiu o heroísmo da missão se esvair.
    - Por favor...sobreviva, Darkus, e volte...para Radriel, onde póssamos ficar nesse quarto durante a noite toda...talvez por dias inteiros.- Ela sussurrou, o puxando para longe da janela.
   - Eu prometo.- Sua voz era quase febril, uma promessa vinda do coração.
   Caiu no colchão da cama com um som abafado, pouco antes dos lábios de Azuria tocarem os seus mais uma vez.
   

O Trono de Ossos - Livro UmOnde histórias criam vida. Descubra agora