Capítulo VI - Engarth

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      Os novos cavalos galopavam rumo à um horizonte cinzento, no qual se erguia descarnada uma montanha sombria, o pouso de um dragão e de uma fortaleza.

      Darkus conseguia ver ao longe uma grande mancha sombria que tampava o horizonte cinzento, uma mancha colossal e ciumenta ao ponto de trazer os olhos de quaisquer viajantes para sua figura impressionante. Rochas também cobriam o seu redor, altivas como pequenas crias do gigante poderoso que possuía um nome élfico próprio.
      Eram centenas e talvez até um milhar de metros acima do chão gramado, a grama selvagem e hostil cortada apenas por uma serpeante trilha de terra cavada até a antiga morada de lordes vestroyanos.
      No topo daquilo tudo, Darkus podia ver, havia uma sólida fortaleza. O menino apenas conseguia enxergar pequenos detalhes dos muros de alvenaria construídos há mais de cem anos atrás e abandonados por dezenas de anos.
    O Forte de Engarth havia sido no passado uma das fortalezas longínquas que Vestroya construíra deliberadamente pelo território do Continente, servindo como uma tentativa de restaurar sua influência entre os Reinos Humanos.
      Quando o reino caiu aos pés do Duque de Lerna, todos os territórios vestroyanos ficaram completamente abandonados, e nenhum reino pensou em reivindicá-los para si. Mas agora, um cavaleiro e seu aprendiz vinham requisitar seu senhorio sobre as terras de montanha e dragão.
    - É lá onde está a criatura, Gerald?- Perguntou o menino com pouco nervosismo, não sentiria medo afinal era o aparente fim daquela jornada. Haviam percorrido a ponte de Hylfort e atravessado estradas até aquele lugar, além do inferno ocorrido em Passo Verde.
     Gerald suspirou e assentiu com a cabeça. Não parecia capaz de responder, tamanha vontade de acabar com aquilo rápido. Colocou o cavalo em passo mais rápido, o menino teve de fazer força para conseguir acompanhar o cavaleiro.
      Em um dia de viagem, chegaram próximos da montanha desafiadora de Engarth. Uma vila pesqueira totalmente abandonada era vista ao longe pelo menino, aparentemente os cidadãos desistiram de suas moradas com o fim de sua pátria. Aparentemente seu lorde não conseguiu lidar com a administração e abandonou o lugar, e segundo contavam as pessoas, o povo inteiro fora para a Valúria e Hyldren.
     - Deixaremos os cavalos pastando e faremos a subida, que com certeza vai durar um bom tempo. Está carregando suprimentos?- Perguntou Gerald, e Darkus assentiu. Em completo silêncio, desceram de suas montarias e tiraram seus acessórios de montar, e então rumaram para os portões que levavam às escadarias.
      O cavaleiro empurrou os portões enferrujados, altos e semi-destruídos, com vinhas crescendo pelas grades marcadas pela oxidação e decadentes como o forte o qual dava passagem.
      Após passarem por um pequeno pátio com um chão de areia, encontraram uma abertura na rocha com uma escadaria formada por degraus de pedra, incrustada na rocha com o trabalho de servos e engenheiros. A passagem era apertada, apta apenas para uma pessoa andar sem alguém ao lado.
     Gerald foi à frente, para o caso de haver algum perigo que Darkus não conseguisse lidar pelo espaço estreito. Os únicos sons que os dois ouviam enquanto caminhavam eram seus passos somados quebrar das ondas ao longe, que vez ou outra eram acompanhados por aves marinhas.   
     Darkus acreditava que teriam que parar para descansar só depois de muito tempo, nenhum dos dois conseguia esperar para o enfrentamento contra a besta avassaladora.
      Em sua imaginação o dragão era um monstro demoníaco, que destruía vilarejos e cidades sempre que podia para roubar seu ouro. Dragões eram comuns nas lendas e mitos que o garoto ouvia quando pequeno em Vila Primaveril, e tão raros que eram que viraram contos de um passado esquecido, nada além de animais fantásticos extintos há cem anos.
     Algo o tirou de seus devaneios, o som de um rugido ao longe. Olhou para Gerald, mas pelo visto o cavaleiro não tinha percebido, apenas o menino sabia que o dragão já os estava esperando. Decidiu tomar uma decisão impensada: Olhou para trás. Ao olhar para suas costas, sentiu os degraus abaixo de si racharem, ouviu a pedra quebrar e afundar, antes que tivesse sequer tempo de gritar por Gerald...caiu.
     A queda foi bastante alta, e enquanto desabava o menino pôde ver o buraco se fechar novamente, deixando apenas o escuro para todo lado enquanto o chão o chamava. Suas costas doeram e o ar foi tirado de seus pulmões, pois finalmente se encontrava sob a terra antiga. Nada quebrara, estranhamente, mas se via sujo de poeira com sua túnica rasgada em alguns pontos.
     - Pelo menos estou vivo...e sem ferimentos...- Disse isso para o lugar nenhum, que era sua maior preocupação no momento.
      Após se levantar, conseguiu ver com dificuldade o ambiente em que havia sido inserido, uma caverna espaçosa como o salão de um nobre. Quando andou, encontrou um único túnel que guiava para alguma luz, imediatamente o menino começou à seguí-lo com cuidado. Desembainhou sua espada e percorreu o caminho até a desembocadura do túnel de pedra, e a visão que teve foi impressionante.
      Era outra caverna, ainda maior do que a primeira, podendo abrigar uma vila inteira se não fosse a estrutura em um canto de suas paredes, uma colossal queda d'água que descia pelo teto até um lago cristalino próximo. A água parecia límpida e fresca ao descer pelas rochas escuras, uma luz parecia emanar de si própria iluminando toda a caverna. E ainda por cima, no meio do lago, havia algo que incomodava na paisagem.
      Um rochedo perturbava a paisagem, um rochedo sombrio pelo que carregava, algo que maculava o lugar iluminado. Darkus teve uma sensação ruim só de tomar conhecimento do que havia na rocha, embora não compreendesse. Uma espada negra, de cabo e guarda-mão totalmente escuros como a arma de um demônio, semelhante à qualquer espada maligna dos contos. Sua lâmina estava cravada até a guarda no interior da rocha, parecia chamar pela presença do menino.
       Atendeu ao chamado. Seus passos ressoaram pela caverna junto da água caindo no lago, logo o menino estava com os sapatos afundados quase até o joelho na água, a ponta dos calçados roçava nos seixos submersos como os peixes que a água não abrigava. Darkus olhou para o cabo da espada, já com os pés sob rochas menores às bases da pedra, cara à cara com aquilo que o chamava. Sua mão foi ao cabo, o menino percebeu que se adequava bem à sua mão.
       - De onde é que isso veio? Parece...mágico..- Tudo ali parecia mágico demais, mágico como nas histórias em que Darkus pensava antes de ver o horror que o mundo real podia guardar.
       Puxou, a lâmina não precisou de muito esforço para sair de seu sono profundo, indo para as mãos de seu novo mestre, silvando com seu fio de corte arrastando pela pedra, silvo que se assemelhava estranhamente ao nome do garoto.
        O ambiente ficou frio, Darkus sentiu os pelos de sua nuca e braços se arrepiarem. Olhou para a espada, era maravilhosa, sua lâmina parecia de um diamante negro, com um brilho roxo mágico demais para sua fraca compreensão.
      Levou um tempo para se recordar que haveria de seguir caminho, então deixou a mão com a espada pender de lado enquanto pensava no que fazer. Decidiu se lavar um pouco com a água que caía, e para isso deu a volta na rocha e entrou por baixo da cortina límpida que desabava como chuva no lago.
      Gelada e revigorante, a cascata levou consigo todas as preocupações que passeavam pela mente de Darkus, o renovando e se livrando da poeira que agora se tornava apenas uma lembrança ao ser desprendida de seu corpo.
      Deu um passo para frente e viu toda aquela segurança o deixar, o peso do mundo real voltara sob seus ombros na forma das roupas encharcadas.
      Parou de pensar em metáforas e tirou a água de seus olhos, dando de cara no processo com um curto corredor que levava até um par de portas de madeira castanha, lustrosas e sem aparência de antigas. Com a espada negra na mão direita, Darkus deu alguns passos para frente e puxou a maçaneta.
       Oque viu conseguiu o deixar ainda mais impressionado do que tudo naquela montanha.

O Trono de Ossos - Livro UmOnde histórias criam vida. Descubra agora