Epílogo

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  Estava tudo acabado, Gerald sabia.

  Acreditava que estava tudo ganho quando das muralhas os arqueiros e as catapultas levaram sua fúria às estruturas mais próximas. A cavalaria avançara em dois grupos contra o acampamento sitiantes, em uma hora haviam varrido qualquer estrutura próxima.
      Com isso o resto do exército saiu pelo Portão Principal, liderados pelo próprio Gerald e mais alguns comandantes aledracos. Os homens estavam esperançosos, depositaram tudo sob os ombros do Rei de Engarth, enfrentaram aqueles que sobreviveram à carga de cavalaria.  
      Passaram por baixo de lanças, cravaram suas espadas nos corações dos monstrios e entoaram gritos de vitória, aquilo parecia a guerra heróica das canções. Aquelas que Darkus e ele próprio acreditavam, antes do mundo lhes revelar a verdade.
    Naquela noite, por um único momento, por um único instante...se permitiu acreditar no heroísmo, na glória, na nobreza cavalheiresca e no bem.
      Mas tudo lhe escapara, tudo se despedaçara, o Duque de Lerna vencia mais uma vez. A batalha acabou, e a guerra acabara para ele também.

   " Dor....eu acho que...preciso descansar.." pensou Gerald, cambaleando no meio dos mortos. Os cadáveres iriam feder cedo ou tarde, mas o fedor era suportável se comparado à dor.
      Se curvou de dor, dois dardos lhe brotavam das homeopatas e um das costas, seu peito havia sido feito em ruínas por uma espada longa. Não terminaram o serviço, não o reconheceram como rei, não se importariam com um mero moribundo.
     Quis gargalhar amargamente como sempre gargalhou, mas apenas sangue brotou de sua garganta. Caiu de joelhos contra a sua vontade, já estava fraco depois para se manter de pé, se dobrou até quase cair com a face na terra.
     A abóbada celeste se erguia sob si de forma esmagadora, nunca o céu parecia tão cruel, as estrelas brilhando belamente pareciam um insulto à sua alma. O céu estava logo acima deles, por que não fizera alguma coisa? Não conseguia entender.
      Seus ombros latejaram horrivelmente, grunhiu de dor e fechou os olhos por um bom tempo. Quando abriu, sentiu frio, desejou ter cobertas...mas nada veio.
     " Eu queria ser rei, com uma coroa na cabeça", pensou, mas não era um rei, era apenas um menino...um menino que corria pelas ruas de Aurelin na companhia de um outro. O outro menino tinha olhos vermelhos e cabelos pretos, era a única coisa que Gerald tinha.
      " Quero logo virar um cavaleiro", falava Edmund sempre que lembrava do seu sonho. Eles riam e passavam a noite em algum telhado, conversando sobre devaneios de cavalaria tão presentes nas cabeças da juventude.
      " Você se tornou um cavaleiro, Edmund, e seu filho também deveria ter se tornado", pensou com tristeza, queria ver o garoto antes de morrer.
 
     Se lembrava das últimas palavras que dissera para Darkus, dois dias antes daquilo tudo. Amava aquele pirralho como se fosse o seu filho, mas era o filho de Edmund, era a criança com os olhos e cabelos dele...será que encontraria o amigo feliz em algum lugar?
      " Mandei o filho dele para a guerra, Darkus pode estar morto. E a culpa seria minha", aquilo lhe doeu na alma...e os dardos lhe doeram nos ombros e nas costas. Tossiu sangue, seus dedos tateavam para remover as hastes mas sem sucesso.
      Se sentiu fraco, quis se deitar, mas não havia cama. "Por que não se deita nos pombos?" falou uma voz em sua cabeça, olhou e não encontrou pombo algum, apenas pedra e sangue.
     Sacudiu a cabeça e tentou se levantar, não podia se render à fraqueza e aos delírios, sentiu um grande arrepio pela espinha e acabou caindo com tudo no chão, fazendo a haste entrar mais ainda no seu ombro. Berrou de dor, mas ninguém veio o ajudar, sua visão se escureceu.
   
   Piscou até recobrar a consciência, mas àquela altura já estava um pouco forte, mas acima de tudo determinado. Levou sua mão à haste do dardo e, mesmo com a dor agoniante, tirou a seta inteira e a arremessou longe.
     Cansado e dolorido, se recostou em uma rocha, observando o céu noturno com a intensidade que olharia para uma mulher. Nunca direcionou muito os seus olhos para mulheres, nunca direcionou muito seu amor para ninguém.
     - Eu vivi por mim e pelo meu eu de criança, eu vivi por Edmund e morri pelo filho dele.- Disse para si mesmo, com a voz fraca, de algum jeito aquilo o confortou.
     - Eu também aprendi muitas coisas...e passei tudo isso para minhas crianças. Anya e Darkus....vivam..- Sorriu e fechou os olhos.
      Não cantaram canções, apenas o clamor da batalha que nem ele próprio podia ouvir. Morrera como cavaleiro, mesmo que tivesse ousado se tornar rei.
    As últimas lágrimas que desceram pelo rosto de Gerald de Elizaet talvez já não fossem em vida, mas aquilo havia sido a última coisa que deixara ao mundo.
    Assim morrera o Rei da Montanha.
    

O Trono de Ossos - Livro UmOnde histórias criam vida. Descubra agora