- NARIZIIINHOOOOO! - Pedrinho tornou a gritar, mas era inútil.
Sem pensar duas vezes, ele deixou o quarto e desceu apressado as escadas, seus pés provocando um verdadeiro ao golpearem os degraus de madeira. Pelo caminho, quase esbarrou em Néia, que vinha ao encontro de seus berros.
- Mas o que foi, menino?! - perguntou a empregada, assustada.
- A Narizinho correu pro cafezal! - gritou ele em resposta, mas sem se deter.
- Volta aqui, Pedrinho!
- Tem mais gente lá! Na mata!
Quando Néia fez menção de ir atrás dele, Pedrinho já atravessava o corredor principal na área dos empregados. O alarme de Pedrinho havia despertado três das ajudantes de Néia. Assustadas, seguravam candeeiros e cochichavam às portas dos quartos quando ele passou por elas em disparada, rumo aos fundos da Casa Grande.
A porta estava destrancada. Pedrinho a escancarou com um puxão e correu pelo terreno, contornando a casa até alcançar o lado em que ficava seu quarto. De alguma forma, tudo ali parecia um pouco mais escuro do que o que via de sua janela. À sua frente, o luar revelava-lhe o familiar caminho de terra batida que dividia ao meio o cafezal, agora não mais que uma massa verde-escura, dez vezes mais larga do que a casa que Pedrinho acabava de deixar para trás.
- Narizinho! - gritou ele, sem ver sinal da amiga. Da Casa Grande, começavam a chegar gritos pelo nome dela, e também pelo seu.
Pedrinho retomou a corrida, avançando pela trilha de terra. Os pés-de-café, que da janela de seu quarto tinham a aparência de arbustos densos e baixos, eram na realidade muito mais altos do que ele. Perfilavam-se para ambos os lados até onde a fraca luz da lua iluminava; fileira após fileira de pés-de-café separadas por caminhos estreitos e barrentos que se projetavam a partir da trilha principal.
Lançando seu olhar para cada um dos braços do cafezal, Pedrinho lembrou-se de uma ocasião na qual sua turma de colégio fizera uma visita a uma biblioteca da cidade, e ele e seus amigos escapuliram do grupo para ir brincar de pique-esconde entre os vastos paredões de livros. Porém, algo lhe dizia que dessa vez não seria tão simples. Tinha quase certeza de que Narizinho não estava ali, mas que havia seguido em frente, em direção às misteriosas luzes da mata mais além.
A trilha apagou-se. Uma nuvem enorme acabara de cobrir a lua, roubando a pouca luminosidade que ainda havia no cafezal. Só restou a Pedrinho uma vaga impressão da distância que o separava da mata, enquanto os caminhos que cortavam os pés-de-café desapareciam quase que por completo, afundados em sua escuridão labiríntica.
Pedrinho arrependeu-se de, na pressa de alcançar Narizinho, ter deixado seu lampião para trás. Não enxergava um palmo à frente do nariz. Agora que o luar se fora, era como se o mundo à sua volta tivesse ido embora também, deixando em seu rastro nada além do cheiro de café que impregnava o ar parado, e o frio toque da noite em sua pele.
Atemorizado, Pedrinho apertou o passo, enquanto continuava a gritar, até quase perder a voz, por Narizinho. Contudo, foi apenas quando atingiu o limiar do cafezal e se pôs diante da sombria muralha de árvores que ele percebeu os primeiros sinais da passagem de sua amiga. Agarrado à ponta de um galho baixo, havia uma pequena tira de pano rasgada, que Pedrinho logo reconheceu como sendo do vestido de Narizinho.
- PEDRINHOO! NAARIZIINHO! - os gritos vinham da escuridão atrás dele.
A voz parecia ser de Barnabé. Por um momento, Pedrinho olhou para trás, pensando se não seria melhor esperar que ele e os demais criados de Dona Benta o alcançassem, para que assim pudessem procurar juntos por Narizinho. Porém, ao voltar-se outra vez para frente, Pedrinho viu algo que o fez abandonar na mesma hora a ideia e embrenhar-se, sem pensar duas vezes, na escuridão da mata.
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O Sítio
HorrorSérie literária de mistério e terror inspirado no Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato. Pedrinho é um garoto da cidade que, como tantos outros, não entende bem o complicado momento que vive seu país. Apenas quando seu pai, um ativista políti...