Pedrinho seguiu os passos de Narizinho até a varanda da Casa Grande, onde lhes esperavam Dona Benta e Néia. A menina de nariz arrebitado caminhava com a convicção de quem não tinha nada a esconder nem a temer.
Quando alcançaram o primeiro degrau da escadaria, Néia, mantendo seu olhar austero sobre os dois, dirigiu-se a patroa e disse:
- Com licença, Dona Benta.
- Tem toda, Néia. - disse a senhora, pondo o grosso livro que vinha lendo sobre o colo. - Boa tarde, crianças.
Havia certa frieza em sua voz.
- Boa tarde, Dona Benta. - responderam, quase em uníssono.
- Colocou ração para as galinhas, Lúcia?
- Coloquei. - respondeu Narizinho prontamente. - E colhi todos os ovos, também. Mais de vinte.
- Muito bem. - disse Dona Benta, exibindo um sorriso mais contido que o de costume. - E você Pedrinho, como foi lá com Barnabé?
- Ajudei ele com a lavagem. Pra que o marquês não comesse tudo.
Pedrinho ficara tão nervoso que mal se deu conta da estranheza daquela sua última frase. Dona Benta, contudo, pareceu não se importar.
- Ótimo. Espero que Lucinha não tenha te colocado em nenhuma confusão.
- Não. - a menina apressou-se em responder. - Ficamos só brincando no cafezal, depois levei ele até as amoreiras. A gente tava lá até agora.
Dona Benta olhou para Narizinho por sobre os aros dos óculos. A menina continuou com a cara mais deslavada do mundo.
- Que bom. - disse por fim a senhora. - Agora vá tomar banho, Narizinho, que já é quase hora do almoço.
Os dois subiram as escadas. Narizinho passou por Dona Benta e dirigiu-se para a entrada. Pedrinho fez menção de segui-la, quando Dona Benta o chamou de volta.
- Posso falar com você um instante, Pedrinho?
Narizinho arregalou os olhos, mas não se deteve. Apenas pôs o dedo em riste nos lábios, como quem pede silêncio. No instante em que Dona Benta voltou-se para ela, a menina imediatamente dissimulou, saltitando para dentro da casa como quem não fizera nada de errado.
- Essa menina... - Dona Benta balançou a cabeça. - Diz a verdade pra mim, Pedrinho. Vocês foram em algum outro lugar, além das amoreiras?
Pedrinho estacou. Não estava acostumado a mentir, ainda mais para alguém que ele ainda mal conhecia como Dona Benta. Estavam enrascados, pensou. Alguém devia tê-los visto... Néia! Narizinho tinha dito que as irmãs dela viviam na vila da senzala. Com certeza elas tinham visto os dois saindo da casa de Anastácia e contaram tudo para Néia, que por sua vez contara a Dona Benta.
- Então? - insistiu Dona Benta.
Seu silêncio era um atestado de culpa. Seu primeiro dia no sítio e já ia levar uma bronca. Precisava dizer alguma coisa, qualquer coisa.
- Sim. - respondeu ele, com a voz trêmula.
- Não precisa ter medo, eu não vou brigar com vocês. - disse a senhora, em um tom dócil, mas que transparecia certa preocupação. - Me diz, aonde vocês foram?
- Para o milharal. - disse Pedrinho. - Estávamos brincando por lá, mas aí encontramos o espantalho, e a Narizinho começou a chorar..
- Ai meu Deus... ela se enfiou lá pras bandas do Visconde de novo?
- Então a senhora sabe? - perguntou Pedrinho, visivelmente surpreso. - Da história do... Visconde?
- Ah, claro. - respondeu Dona Benta. - O Visconde de Sabugosa está lá desde que eu era menina. Lucinha morre de medo, mas vive querendo brincar no milharal.
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O Sítio
HorrorSérie literária de mistério e terror inspirado no Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato. Pedrinho é um garoto da cidade que, como tantos outros, não entende bem o complicado momento que vive seu país. Apenas quando seu pai, um ativista políti...