Pedrinho cobriu os olhos, protegendo-os do sol que tentava escorrer por entre as nuvens. Vinte e uma, vinte e duas.. o garoto torcia o pescoço o máximo que podia, mas próximo como estava continuava difícil para ele contemplar toda a envelhecida fachada da Casa Grande. Era curioso como o amarelo da pintura estava tão desbotado e descascado que se assemelhava a foto que sua mãe lhe mostrara dias antes, muito embora a foto não tivesse cores além do branco, preto, e cinzas.
Letícia estava perto, mas por pouco tempo. Conversava com Dona Benta em voz baixa, a meio caminho do carro que havia trazido os dois até ali. Pedrinho não fazia questão de ouvir o que diziam, até porque já fazia uma boa ideia. As poucas palavras soltas que chegaram a seus ouvidos apenas reforçaram sua suposição. Tinham o timbre suave de Dona Benta, e um tom consolador: “bem cuidado”, “tranquila”, “seguro”.
“Sozinho”, ouviu na voz da mãe.
Vinte e três janelas, terminava enfim de contar, notando como ao redor de algumas a cor escura da madeira parecia escapar pelas margens, sombreando-as como os olhos de alguém que não dorme há muito tempo. Subitamente, a inegável sensação de estar sendo observado abateu-se sobre ele. Seu olhar dardejou as janelas, uma após a outra, detendo-se em uma cujas cortinas abrigavam um vulto diminuto, a observá-lo de dentro da casa. Contudo, como uma sombra se esgueirando pelo canto do olho, a figura desapareceu, mas não sem deixar para trás a evidência da cortina que balançava, do lado de dentro.
- Pedro. - chamou sua mãe.
Dona Benta aguardava ao lado dela com um sorriso nos lábios e as mãos delicadamente cruzadas no meio da barriga. Além das duas, Pedro também podia ver um dos amigos de sua mãe, o motorista, mexendo no porta-malas e tirando de dentro a bolsa de viagem que ela comprara especialmente para a ocasião. Dentro do Impala aguardavam os outros três homens que os haviam acompanhado na longa viagem até o Sítio do Pica Pau Amarelo.
Quando Pedrinho se aproximou, Letícia inclinou-se para lhe dar um abraço apertado, então os grandes olhos azuis dela encontram os seus.
- Não se esquece de tudo que eu te falei, tá bom, filho? - a voz dela estava ligeiramente embargada. - Não importa que sinta medo. Todo mundo sente medo. O importante é sua coragem ser maior que o seu medo. E você é o menino mais valente que eu já conheci.
Pedrinho balançou a cabeça e abraçou as pernas dela com ainda mais força. Teve muita vontade de chorar, mas não o fez. Aquele era o momento em que sua mãe mais precisava que fosse forte, do contrário poderia também faltar forças a ela para fazer o que precisava ser feito.
Trazer seu pai de volta.
- Vai passar rápido. - disse ela, quase que para si mesma. - Logo, logo eu venho te buscar. São só..
- Férias fora de época. - completou Pedrinho, sorrindo.
- Isso mesmo. - a mãe retribuiu o sorriso. - Dona Benta vai cuidar bem de você.
Os dois caminharam de mãos dadas até carro. Dona Benta os acompanhou, tomando gentilmente a mão de Pedro entre as suas no instante que sua mãe o deixou.
- Dona Benta, só fica de olho para ele não se meter em nenhuma confusão, viu? Esse menino é muito mais esperto do que a timidez dele entrega, e ainda mais arteiro.
- Pode deixar, Dona Letícia. - respondeu a senhorinha. - Ele não vai dar um passo pelo Sítio sem que eu esteja de olho.
A piscadela que Pedrinho recebeu não deixou de oferecer certa descontração ao difícil momento no qual sua mãe entrou no carro, o homem impaciente deu a partida e ele observou o Impala se afastando lentamente, tomando o caminho pavimentado que levaria o que restara de sua família através da vila, da trilha do milharal e do bosque, de volta para a cidade grande e um futuro de possibilidades tão aterradoras que Pedrinho não se atrevia a imaginar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Sítio
HorrorSérie literária de mistério e terror inspirado no Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato. Pedrinho é um garoto da cidade que, como tantos outros, não entende bem o complicado momento que vive seu país. Apenas quando seu pai, um ativista políti...