- O que estavam aprontando dessa vez, molecada? - perguntou Barnabé.
As carinhas suspeitas entregavam a mais recente traquinagem, mas a verdade era que, naquele momento, a questão pouco preocupava a Barnabé. Sua atenção continuava voltada para o outro peão, aquele que acabava de sumir de sua vista, carregando consigo seu recado secreto.
- Nada. - disse Narizinho. - Só o Pedrinho que tá te procurando a manhã toda.
- É mesmo?
- Aham. A gente foi até a casa da Tia'Nastácia.
Pedrinho estacou, desconcertado pela súbita revelação de Narizinho. Por um breve instante, sem que os dois percebessem, os olhos de Barnabé fitaram o vazio.
- Não tem problema contar pro Barnabé. - continuou ela. - Ele é nosso amigo, né, Barnabé?
- Claro que sou. - respondeu Barnabé, engolindo em seco. - Lugar de criança é correndo solta por aí, não dentro de casa. E a Narizinho já conhece esse sítio melhor do que eu.
Narizinho esticou um sorriso convencido e arqueou as sobrancelhas para Pedrinho.
- Mas... - acrescentou o peão. - Já tá quase na hora do almoço, e se pegam vocês dois aqui proseando fiado comigo vai sobrar é pra mim. Ainda mais depois do susto que vocês deram na gente ontem. Vamos, vamos que tá bom de brincadeira por agora.
Com essas palavras, Barnabé conduziu Pedrinho e Narizinho pelos poucos passos que restavam até a Casa Grande. Pedrinho sentiu-se aliviado. Ao menos a presença de Barnabé evitaria que tivessem que combinar alguma desculpa, caso Dona Benta ou Néia já estivessem esperando pelos dois com uma bronca.
- Ah, queria falar comigo, Pedrinho? O que foi? - perguntou Barnabé, enquanto contornavam o jardim.
- Nada. - mentiu ele. - Nada não.
- Como nada? - estranhou Narizinho. - Por que passou a manhã toda atrás dele, então?
- Nada importante. Já esqueci. Depois eu lembro.
Pedrinho sabia que não ia ter tempo de fazer todas as perguntas que queria antes que chegassem à casa e aos ouvidos atentos de Néia. Precisava de mais tempo a sós com Barnabé.
Mal sabia ele que a oportunidade perfeita estava prestes a se apresentar.
- Tudo bem. - disse Barnabé. - Pedrinho, amanhã de manhã eu vou precisar dar um pulo ali na cidade vizinha, pra cobrar algumas notas pra Dona Benta. Quer ir comigo? Você pode me ajudar vigiando a carroça enquanto eu falo com os comerciantes.
- Quero sim! - concordou Pedrinho, na mesma hora. Enchia-lhe de ânimo a perspectiva de poder ter horas e horas de papo com Barnabé e, ao mesmo tempo, fugir da rotina de mato (e de monstros) do sítio, voltar a ver lojas, prédios, carros, e tudo o mais que estava acostumado a ver em sua cidade natal.
- Ahh.. eu também quero ir! - disse Narizinho, cheia de manha.
- Não pode, Narizinho. - disse Barnabé, sorrindo. - Se eu tirar vocês dois daqui e deixar a Néia sozinha, ela arranca meu couro fora. Nem sei se a Dona Benta vai deixar que eu leve o Pedrinho, quanto mais você também.
- Pois tomara que ela não deixe! - inconformada, Narizinho abraçava Emília com força.
- Narizinho, não seja egoísta, vai. Além disso, você já foi a Montes Calmos comigo uma vez, esqueceu? Agora é a vez do Pedrinho.
E foi a vez de Pedrinho sorrir e arquear as sobrancelhas, irritando ainda mais sua prima de consideração. Narizinho passou à frente de Pedrinho e de Barnabé e subiu batendo os pés pelos degraus da Casa Grande. Abriu a porta da sala com força, sem se incomodar em fechá-la.
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O Sítio
TerrorSérie literária de mistério e terror inspirado no Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato. Pedrinho é um garoto da cidade que, como tantos outros, não entende bem o complicado momento que vive seu país. Apenas quando seu pai, um ativista políti...