1x20 - O Véu

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Nuvens cinzentas começavam a se reunir no horizonte além do milharal. O murmúrio da brisa por entre as flores do jardim ganhava força, fazendo promessas de uma pancada de chuva daquelas para o final da tarde.

Dona Benta saiu à varanda e prescrutou a frente da Casa Grande.

- Pedrinho?

Aquela era a quinta vez que chamava pelo menino. Quatro vezes mais do que costumava ser necessário para que ele a atendesse. Isso, claro, quando não dava de escapulir por aí com Lúcia. Tinha certeza de que não era o caso, dessa vez. Mesmo assim, Pedrinho se fora, e aquilo não deixava de ser algo que não fazia parte de seus planos.

Ao contrário de tudo o que o menino fizera até ali.

Dona Benta fechou os olhos, sentindo o vento trazer-lhe o aroma do terror de Pedrinho, e o som de seus pés esmagando a terra em uma corrida desesperada. De fato, o menino não voltaria tão cedo.

A senhorinha suspirou. Era preocupante, mas não muito. Ruim mesmo seria não contar com a ajuda de Pedrinho nos preparativos do jantar. Havia tanto a ser feito. Ingredientes a serem colhidos e limpos, toalhas a serem lavadas, móveis a serem espanados, sem contar que toda a casa precisava de uma boa varrida.

Dona Benta voltou-se para dentro outra vez, subindo as escadas até seu quarto. Quando entrou, Lúcia sofria outro de seus acessos de tosse. Exibindo seu sorriso acolhedor de sempre, Dona Benta sentou-se ao lado da menina e se pôs a afagar as mechas de seu cabelo cacheado.

Então, debruçou seu rosto sobre o dela, como se fosse beijar-lhe a bochecha. Mas ao invés disso, levou seus lábios enrugados junto aos ouvidos de Lúcia e sussurrou:

- Sei que ainda está aí.



Pedrinho não fez qualquer esforço para não ser visto, muito pelo contrário. Pela primeira vez, tomara a estrada de terra ao invés de usar as trilhas que serpenteavam pelo milharal. Desejou, com todas as forças, ser encontrado por um dos homens ou mulheres de Tia'Nastácia, mas não havia absolutamente ninguém, fosse na estrada ou na plantação.

O Sítio do Picapau Amarelo estava abandonado.

Chegou à vila da senzala sentindo as feridas nas costas voltarem a doer por baixo do emplastro aplicado por Dona Benta, agora mais do que nunca. Ainda assim, era uma dor insignificante se comparada a da traição, a de sentir que tudo o que pensava saber não passava de uma mentira e de que estivera, todo o tempo, preso em um jogo tenebroso que só agora começava a entender.

Pior do que isso, só mesmo a dor de ter que deixar Narizinho para trás.

Pedrinho seguiu direto para a casa de Tia'Nastácia e bateu à porta, fazendo-a abrir alguns centímetros já no primeiro golpe. Não se lembrava de tê-la encontrado destrancada daquele jeito alguma vez. Colocou a cabeça para dentro do pequeno cômodo; a quietude não deixava dúvidas de que estava vazio.

- Tia'Nastácia...? - arriscou-se a chamar, ainda assim.

Pedrinho recuou, frustrado. A esperança que tinha de encontrar a senhora ali era pequena, mas havia se agarrado a ela de todo jeito. Sua única opção agora era a longa e demorada caminhada até a vila ribeirinha, rezando para que não a encontrasse deserta também.

Nesse instante, algo chamou-lhe a atenção. Um pequeno embrulho de papel, deixado sobre a mesa. Pedrinho empurrou a porta e adentrou o casebre. Caminhou até a mesa e, mesmo antes de tocar no pacote, sentiu no ar o inconfundível aroma de cocadas frescas. Pedrinho saiu de volta à vila na mesma hora, procurando nos arredores por um sinal de Anastácia. Ela tinha que estar por perto. Ela tinha que estar.

O SítioOnde histórias criam vida. Descubra agora